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Muito da história do livro no Brasil

Alexandre Rodrigues Alves

O lançamento do livro Impresso no Brasil – dois séculos de livros brasileiros, editado numa parceria da Biblioteca Nacional com a Editora Unesp, mereceu um evento especialíssimo no auditório Machado de Assis, na Biblioteca Nacional: em duas mesas-redondas, ao longo de todo o dia, vários coautores da obra, organizada por Aníbal Bragança (da UFF) e Márcia Abreu (da Unicamp), apresentaram seus capítulos e trocaram ideias sobre o livro no Brasil e sobre a publicação em si.

Abrindo os trabalhos com uma rápida apresentação, Galeno Amorim, presidente da BN, destacou o objetivo de aumentar a presença da instituição em coedições, a fim de facilitar o acesso da população aos livros.

Aníbal Bragança coordenou os trabalhos da manhã e fez a primeira apresentação, já que o grupo procurou acompanhar a sequência do livro. Falou sobre o início da imprensa brasileira (que, aliás, começou mesmo em Portugal) e sobre a importância de Antônio Isidoro da Fonseca, que publicou Guerras de Alecrim e Manjerona, de Antônio José da Silva, o Judeu, já no Brasil, sem que houvesse autorização da metrópole – em 1747, uma resolução do Conselho Ultramarino e uma ordem régia mandaram sequestrar “todas as letras de imprensa que fossem encontradas no Estado do Brasil”. Antônio Isidoro, por isso, recebeu o epíteto de Patriarca da Imprensa no Brasil, por desafiar Lisboa e, de certo modo, contrariar a história oficial, que diz que a imprensa só chegou ao Brasil junto com a Família Real, em 1808.

O primeiro livro escrito, editado e impresso no Brasil, também anterior à Imprensa Régia, foi Relação de Entrada de D. Antônio do Desterro Malheiro, Bispo do Rio de Janeiro, escrito por Luiz Antonio Rosado da Cunha. A obra, por ser de cunho eclesiástico, não sofreria qualquer sanção das autoridades metropolitanas, ainda que também não tivesse sua edição autorizada formalmente, nem tivesse passado pela censura oficial.

Em terras portuguesas, dentre as publicações sobre o Brasil, destacou-se Expedição botânica, de Frei José Mariano da Conceição Veloso, que reuniu os estudos desse naturalista em suas várias viagens pelo interior da província fluminense. Mais do que isso, levou-o (depois de conflitos com a Academia Real de Ciências de Lisboa) a tornar-se editor, publicando também livros sobre gramática, dicionário e periódicos. Eram publicações voltadas para a prática em várias áreas – como a agricultura e o artesanato. Em 1799, participou da criação da Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, que, ao publicar traduções de obras de divulgação científica e manuais de botânica, agricultura, apicultura e produção de laticínios voltados para o Brasil, fazia valer seu lema, “Sem livros não há instrução”. Quem também participava do Arco do Cego era Hipólito José da Costa, que mais tarde tornou-se o primeiro jornalista brasileiro, ao editar o Correio Braziliense. Os livros eram remetidos ao Brasil para serem vendidos a todos e até dados aos interessados. Bragança considera essa a “primeira política pública de leitura no Brasil”.

Em seguida, foi a vez de Gisele Martins Venancio, também da UFF, falar sobre uma biblioteca particular: a do poeta cearense Eurico Facó, reconhecida por representar a produção editorial no Brasil do século XIX. Ainda que se destacassem especialmente os livros publicados no Rio de Janeiro (então capital federal), registrava um número relevante de livros publicados na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio Grande do Sul – possivelmente por ser prática da época os autores custearem a edição de suas obras.

Facó escolhia as obras de sua biblioteca especialmente para serem “destinados à contemplação, à admiração”, como objeto, relíquia e riqueza; o destaque de sua coleção não está na quantidade, mas nas obras raras e preciosas, nas primeiras edições. Após sua morte, a biblioteca foi doada ao Instituto do Ceará, não sem antes ser publicado um catálogo do acervo, interessante por conter também comentários sobre os volumes colecionados.

Tania Bessone da Cruz Ferreira, professora da UERJ, que escreveu seu capítulo junto com Lúcia Maria Bastos Neves, foi a apresentadora seguinte, abordando a questão autoral no século XIX. Sua motivação é avaliar como é possível combinar democratização do conhecimento e direito do autor. Em 1791, a Lei Chapelier considerava o direito do autor sobre sua obra era a mais sagrada e legítima das propriedades; entretanto, ao mesmo tempo, o Iluminismo considerava que, depois de levada ao público, essa obra era tornada propriedade pública, paralelamente ao direito individual do autor.

Na Constituição do Império do Brasil, de 1824, havia a figura do direito intelectual, mas voltado para “inventores”, e não para “autores” – e os pensadores da época não faziam essa associação. O que os autores faziam, então, era solicitar ao soberano o privilégio de usufruir a exclusividade de determinada obra, o que lhe era dado como “gentileza”, e não como direito adquirido. Ao mesmo tempo, o Brasil independente nunca assinou com Portugal um tratado que mencionasse especificamente os direitos autorais; com isso, as editoras brasileiras publicavam autores portugueses como Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco e Alexandre Herculano sem qualquer autorização.

Cinquenta anos depois, em 1875, José de Alencar apresentou ao Legislativo projeto que defende a propriedade literária e o direito autoral. Alexandre Herculano, em Portugal, defendia a ideia de que a propriedade autoral era da humanidade, atuando contra o que chamava “monetarização da obra intelectual”. Na França, no Congresso Literário Internacional de 1878, Victor Hugo argumentava que a propriedade literária seria a forma que o autor teria de preservar sua liberdade financeira, sem se sujeitar a pressões para escrever, mas sugeria a passagem posterior para o domínio público como a forma democrática de divulgar textos e disseminar o conhecimento.

Com a solidificação do conceito de direito de autor, “a atividade de escrever tornou-se paulatinamente uma profissão”, especialmente depois que inúmeros tratados internacionais formalizaram atitudes quanto a esse assunto.

Quem falou em seguida foi Marilia Barcellos (da UFSM e da Unisinos), que atuou também na Fundação Cecierj e já colaborou com a revista Educação Pública. Ela discutiu o papel e as ações das pequenas e médias editoras frente ao processo de concentração do mercado de livros (no Brasil e no mundo), fenômeno que vem ocorrendo nos últimos 10 anos e que fez aumentar de forma exponencial a distância entre as gigantes e os “peixinhos”. No caso brasileiro, tem havido também a concentração de livreiros, que, com isso, passam a exigir maiores descontos para colocar os volumes em suas vitrines, o que leva ao aumento da rotatividade dos títulos expostos, reduzindo a “vida útil” das obras nas livrarias e força o editor a optar pela publicação de best-sellers, garantindo o lucro fácil e reduzindo a possibilidade de publicação de autores desconhecidos.

Uma das ações das pequenas editoras tem sido se reunir em grupos e associações para a promoção de eventos que sirvam de espaço de exposição de seus produtos. Além disso, a busca de nichos específicos tem sido uma boa opção, pois, ao reunir títulos que versam sobre temas afins, criam-se coleções que “fidelizam o cliente e oferecem um leque de leituras direcionado”. Outra possibilidade é o desenvolvimento de projetos que conquistem um patrocinador ou obtenham algum subsídio legal.

As pequenas e médias editoras continuam sendo o principal caminho para os novos autores. Essa é uma via de mão-dupla: tanto autores procuram editoras quanto estas buscam autores que completem suas coleções. Em quase todos os casos, são consideradas algumas fontes de referência: premiações e outras publicações do autor, indicações de outros escritores ou agentes literários ou ainda pesquisas na academia e no meio jornalístico.

Além de parcerias com outras editoras, a publicação em pequenas quantidades – a informática criou essa possibilidade sem perda de economia – tem sido o recurso utilizado.

Na mesa-redonda da tarde, o tema central foi o mercado editorial brasileiro. Ana Sofia Mariz falou sobre a história de pioneirismo da Editora Civilização Brasileira desde que, nos anos 1950, Ênio Silveira assumiu o comando daquela que foi uma das mais importantes editoras do País no período, inclusive pela utilização de recursos de comunicação e design na concepção de seus livros e pelo processo de divulgação das obras mais relevantes do catálogo. Era o aprimoramento da experiência no mercado editorial que Silveira conquistou ao trabalhar na Companhia Editora Nacional com seu sogro, Octalles Ferreira, ainda que de maneira francamente centralizadora. “Ele acompanhava de perto todas as etapas do processo, desde o contato com autores e agentes literários brasileiros e estrangeiros até a escolha de tradutores, revisores e designers e a orientação do projeto gráfico”.

A Civilização foi importante também na resistência à ditadura militar, que tentou impedir a circulação de vários de seus livros – ainda que tivesse em seu catálogo obras de Lênin, Marx, Gramsci, Leandro Konder e Nelson Werneck Sodré, a editora não tinha uma linha editorial monolítica, publicando também textos sobre saúde e comportamento, filosofia oriental e relações humanas, entre outros.

A seguir falou Teodoro Koracakis, que destacou o processo mercadológico de uma das mais importantes editoras brasileiras da atualidade, a Companhia das Letras. Seu objetivo inicial era conciliar profissionalismo (daí o Companhia) e relevância cultural e literária (daí as Letras) das obras a serem publicadas; quer dizer, queria obter sucesso de vendas com obras de qualidade. “Acabou se tornando referência para o sistema editorial brasileiro pela qualidade técnica e pelo valor cultural atribuído a seus livros, e não pela quantidade de livros produzidos ou pelo lucro auferido”. A partir do início da década de 1990, passou a ser uma editora voltada à publicação de autores nacionais consagrados, como Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, Sérgio Sant’Anna e Carlos Heitor Cony. Toda essa trajetória reflete o modelo de atuação de seu editor e sócio principal, Luiz Schwarcz, que foi membro da administração da Editora Brasiliense, um caso de sucesso no mercado editorial do princípio dos anos 1980 até a morte de Caio Graco Prado, seu editor e mentor.

Um dos diferenciais da Companhia das Letras era a utilização intensa da imprensa na divulgação de seus títulos, com o envio dos livros antes da chegada às livrarias, o cuidado com a produção de releases; esse foi um dos fatores que a levou a tornar-se concorrente direta de outras editoras com mais tempo de estrada – como Nova Fronteira, Record, Civilização Brasileira, José Olympio e Brasiliense. A publicação de autores nacionais contemporâneos permite que haja com eles um estímulo à criação de certo tipo de obras, não necessariamente como encomenda, mas sugestões de trabalho feitas a esses autores.

Na última apresentação do dia, Fábio Sá Earp (da UFRJ) e George Kornis (da UERJ), que participam do Grupo de Pesquisa em Economia do Entretenimento (Gent) falaram sobre o sistema econômico em torno do livro, no período de 1995 a 2006. Para eles, a economia do livro vive uma grave crise, que se torna mais séria porque é sistematicamente ignorada pelas entidades empresariais ligadas ao setor.

O primeiro dado apresentado é o número de títulos publicados, que, apesar de ter crescido, não reflete melhora do setor, pois em contrapartida houve redução da tiragem média por edição. As vendas, além de terem uma queda de 26% no período estudado, têm sido menores do que a produção, o que significa que os encalhes crescem significativamente, aumentando os custos de produção e, consequentemente, os preços dos livros para o consumidor. Ainda assim, o faturamento das editoras não cresceu nesse tempo; apenas recuperou as perdas com a inflação. As vendas para o governo (especialmente de livros didáticos e de títulos para bibliotecas públicas) não podem servir como padrão, visto que ainda são bastante irregulares em quantidade e valor unitário.

Houve nos últimos anos, é indiscutível, a expansão do consumo da classe média; entretanto, o modelo de consumo dessas classes privilegia o crediário e os bens físicos. Além disso, os bens culturais têm vários substitutos (DVD, gatonet, internet e outros produtos piratas). O cinema continua a ser consumido, mas não mais nas salas de exibição; na música, houve a potencialização da música digital e da pirataria.

O aumento do consumo, segundo os pesquisadores, se deu principalmente por despesas como plano de saúde, telefonia celular e TV paga, além da introdução, na dieta alimentar dessas pessoas, de produtos alimentícios como iogurte, queijos e carnes especiais. Ou seja, essa nova classe média está consumindo produtos e serviços dos quais esteve por afastada toda a história. E bens culturais não são, ainda, o foco da febre consumista desse segmento da população.

No caso do livro há um dado bastante interessante: no momento em que o custo médio do livro subiu, os números de vendas caíram; quando o custo médio do livro caiu, as vendas decolaram. Isso significa que o produto livro “respeita as leis da economia” e que está desenhado um caminho a ser seguido para o desenvolvimento do mercado editorial: reduzir o preço médio da obra publicada – mesmo porque se sabe que aumentar os preços provoca a retomada de hábitos como a compra de livros usados e a indústria da fotocópia dos novos.

Sá Earp e Kornis consideram que o consumo do livro digital (uma novidade que poderia ser uma alavanca das vendas do setor) depende de três fatores: o preço do aparelho leitor, o preço do livro digital em si e a possibilidade de oferta dos livros pirata. Mas, ressaltam eles, a indústria do livro já está se preparando para não cometer o mesmo erro da indústria da música.

Depois dessa troca de ideias, alguns autores autografaram exemplares do livro e continuaram a debater temas relacionados ao livro, como editoras, autores, ilustradores, livrarias, dólar, bibliotecas particulares... Essa troca informal reflete a riqueza e variedade de assuntos tratados em Impresso no Brasil, envolvendo aspectos da história, da economia, das artes gráficas, da cultura da geografia, do direito, da língua...

Uma resenha sobre este livro está disponível em http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/Impresso_no_Brasil.pdf.

Publicado em 26 de abril de 2011

Publicado em 26 de abril de 2011

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