Destino e livre-arbítrio em Frankenstein

Mary Wollstonecraft Shelley (1797 - 1851) era a única filha de dois escritores, na Inglaterra, mas sua mãe morreu poucos dias depois de seu nascimento. Ela se casou com o poeta Percy Shelley e viveu entre os românticos - incluindo seu amigo e poeta, Lord Byron - e outros literatos. Ainda em 1816, ela começou a escrever Frankenstein. A influência do Romantismo sobre esse trabalho pode ser encontrada principalmente no subjetivismo (Victor Frankenstein questionando seus próprios atos; a luta da criatura pela sobrevivência), e no inconformismo (o próprio ato de Victor Frankenstein de criar vida) presentes na texto. Essas características estão resumidas nas ideias de Jean Jacques Rousseau, grande influência no Romantismo. Levando-se em consideração uma de suas frases mais conhecidas - "o homem nasce livre, e em toda parte encontra-se acorrentado" (Contrato Social, 1762) - deve-se admitir o potencial libertário do pensamento romântico. No entanto, deve-se considerar também o lado pessimista desta ideia: se o homem é potencialmente livre em si mesmo, essa liberdade é restrita.

Uma possível resposta para essa restrição é a busca romântica de um mundo ideal, seja com base na natureza, seja na ciência. A resposta da liberdade através de um mundo ideal pode ser vista como um escapismo, uma vez que o conceito de um mundo ideal a ser atingido foi originado de uma concepção socrática de um mundo só atingível após a purificação do corpo, ou a morte. Talvez por isso Mary Shelley deu a seu romance o subtítulo "O Moderno Prometeu". O mito de Prometeu tornou-se "o símbolo máximo da revolta (...) como se encarnasse a recusa da condição absurda do homem". Ao roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens, Prometeu pode ser visto como o símbolo do livre-arbítrio. Assim, Mary Shelley poderia muito bem ser uma autora que subverte a busca romântica de liberdade apenas em um mundo inatingível: seu personagem, Dr. Victor Frankenstein, é o homem que vai tentar roubar o fogo sagrado do mundo ideal e entregá-lo para a humanidade.

No início, Victor representa o livre-arbítrio, indo contra nossa condição absurda. Nesse momento, ele afirma: "o mundo era para mim um segredo que eu desejava adivinhar. A curiosidade, uma investigação determinada a aprender as leis ocultas da natureza, a alegria semelhante ao êxtase ao vê-las sendo reveladas, estão entre as primeiras sensações de que me recordo". Essa sensação de liberdade – a caracterização de Dr. Victor Frankenstein como um Prometeu jovem e cheio de curiosidade – é demonstrada através de uma vontade cega e irracional. Se a vida não tem propósito, sua vontade de aprender as leis ocultas da natureza deve tranquilizar sua angústia através do conhecimento e é um meio de escapar da dor do desejo. Seu motto é escapar das restrições que o cercam. Victor vai estudar assuntos considerados absurdos por seus professores, e até mesmo seu pai vai tentar convencê-lo de que essas pesquisas não valem a pena. Através da cognição, ele vai tentar romper com o que já está aceito - conceitos científicos e até mesmo valores familiares. Seus estudos da natureza lembram ao leitor a reconciliação nietzscheana entre a própria natureza e seu filho perdido, o próprio homem: o homem não está mais satisfeito com a aparente natureza das coisas apresentadas como representações de um mundo ideal, e passa a criar seus próprios conceitos dessas coisas.

Assim, a revolta contra o que está estabelecido é a pedra de toque para Victor se tornar um Prometeu libertário: através de sua ruptura com as leis préestabelecidas da física e códigos morais de sua época, o médico é levado a roubar o fogo sagrado dos deuses. O fogo da criação é mantido sob as leis do conhecimento que Victor insiste em alcançar. O mito agora está relacionado a um conceito mais amplo: não é apenas a celebração do fogo como o símbolo da iluminação dos homens, mas também a ideia de Prometeu como um herói. Ele não é apenas uma criatura astuta e vítima dos deuses como a figura mitológica, mas um homem com uma missão. Dr. Victor Frankenstein não é mais o aluno que luta contra as pressões sociais e acadêmicas em torno dele, mas um homem que busca a essência da vida, escondida dentro de cada ser e disfarçada sob uma metafísica. Ele busca a potência da criação de uma nova vida.

Em sua introdução ao estudo do Romantismo, Tilottama Rajan afirma que "(...) ao transferir a iniciativa criativa de Deus ao homem, e ao substituir a revelação com a imaginação, os românticos parecem ter derrubado o pessimismo cristão, que negou ao homem o acesso direto ao ideal”. Embora este seja um ponto de vista limitado da ideologia romântica, ela pode ser aplicada aos sentimentos que Victor experimenta no início do seu próprio processo de criação de vida. Sua confiança em ter entendido a ideia do homem - a essência de sua espécie - leva Victor ao pessimismo. No entanto, como Rajan irá indicar mais tarde, “o poeta sentimental reconhece o mundo real (...), mas ele se rege, sobretudo, pelo desejo de idealizar". O indivíduo romântico procura o conhecimento da natureza (ou o mundo real), mas não pode alcançar o que é o mundo real. Viver a natureza, ou alcançar o mundo real, será sempre uma tentativa humana através da idealização. Ter o domínio para criar uma vida traz para Victor um novo peso: ele agora é também o criador, não apenas a criatura. Dr. Victor Frankenstein pode agora perceber o que é criar, e o que significa ser o criador. A idealização cessa, e criatura se torna real. O sonho se torna realidade, e o atrevimento inicial de Victor de obter esse conhecimento se transforma em um ato de medo e horror no momento em que a sua criatura nasce: "Eu tinha desejado com um ardor que excedeu a moderação, mas, agora que eu tinha acabado, a beleza do sonho desapareceu". Victor imaginou criar um homem, mas após a criação se realizar, a criatura não é mais vista como um homem. No momento em que a "coisa morta" abre os olhos e se torna uma criatura real, Dr. Victor Frankenstein percebe o peso de ser o criador e vislumbra um monstro.

Nesse ponto do romance, o Prometeu moderno já foi retratado como um herói, mas agora é preciso vê-lo como um herói trágico. Segundo Friedrich Nietzsche, o herói trágico vive resignado a não atingir suas intenções, porque não se pode ir contra seu próprio destino. Se Victor teve a missão de roubar o fogo dos deuses, agora ele deve considerar sua condição de ter controle sobre o fogo. Deve se resignar a ter que assumir uma nova responsabilidade como criador. Sua vontade foi amalgamada à sua nova condição. Schopenhauer afirma sobre a letra da poesia: "(...) na lírica, desejo e percepção do ambiente apresentado estão misturados. A disposição subjetiva, a afeição da vontade, transmite a sua tonalidade própria ao ambiente percebido e, inversamente, o ambiente passa o reflexo de sua cor à vontade". É o que parece faltar a Victor Frankenstein como um criador: a sua disposição subjetiva - a sua vontade - se comunica com o ambiente somente até o momento em que o ato de criação é realizado, sua vontade de criar dura até o ponto de desafiar o poder da criação. É a ideia de criar (a ideia de ter o poder sobre o fogo sagrado) que o seduz, mas Victor não vai além dela, não consegue suportar o fato de que seus atos trazem consequências. A partir do momento em que Victor passa a ser o criador – realizando seu primeiro desejo – o ambiente em Frankenstein reflete suas cores, que afastam e atemorizam Victor.

Victor percebe agora o que Prometeu tinha guardado como um segredo: no mito, o destino fará com que Zeus encontre uma mortal e com que este encontro gere um filho que vai derrubar o poder de Zeus. A ideia do Destino usurpando o poder de Zeus (o deus dos deuses) é surpreendente em si: no mito de Prometeu, Zeus é retratado como o princípio do destino, dominador e castrador da humanidade, sendo o deus que nega o fogo (o direito do livre-arbítrio) aos homens. No entanto, o próprio Zeus é ferido pelo destino. Prometeu é o detentor desse segredo, e ele pode conseguir sua liberdade, enquanto não contar isso a Zeus, mas este segredo tem também um peso na vida de Prometeu: ele sabe que mesmo os deuses não podem escapar do destino. Em Frankenstein, a primeira reação de Victor contra essa submissão ao destino é negar o seu próprio destino: logo que a criatura abre seu "olho amarelado", o médico assume que "um ser humano perfeito deve sempre manter uma mente calma e nunca permitir que a paixão ou um desejo de transição perturbe sua tranquilidade". Lamentando o enfrentamento com seu destino, ele continua a mostrar angústia: "Eu não acho que a busca do conhecimento é uma exceção a esta regra". Victor está entre a recusa de sua vontade e a resignação de aceitar o seu destino. Tendo o conhecimento, Victor é incapaz de agir de acordo com seus desejos. O destino subjugou o livre-arbítrio do Dr. Victor Frankenstein.

E o destino de Victor é exatamente esse: negar a sua própria vontade. É neste momento de negar que Victor deixa de ser uma caracterização completa de Prometeu. Ele é um herói trágico, se resignou e aceitou seu destino, e até mesmo a punição aconteceu a este herói trágico, expiando seu sentimento de culpa: no capítulo IX de Frankenstein, Victor vai para a aldeia de Chamounix buscando repouso, após a morte de alguns de seus parentes e amigos, causadas por sua criatura. No entanto, nunca há uma negação do livre-arbítrio no mito de Prometeu. Mesmo tendo seu destino estabelecido, mesmo tendo seu fígado comido e recomposto para ser comido outra vez para sempre, Prometeu nunca vai negar o que foi seu maior feito: o homem conseguiu o fogo sagrado, não importa o que será da humanidade a partir de agora. A sutil diferença entre Prometeu e Victor é que o último não apenas aceitou seu destino, mas também foi contra a sua vontade primordial. Dr. Victor Frankenstein perdeu não só sua vontade de alcançar a vida real, mas perdeu também sua própria identidade. O destino foi aceito por Victor e tomado como um conforto. Mary Shelley transmite um ponto de vista pessimista em Frankenstein, mostrando como o destino pode substituir o livre-arbítrio, e também lembra o leitor de que o homem ainda pode viver em uma esperança ilusória de viver bem com o seu destino. Mas a ideia de ser consolado pelo destino cai por terra. Uma vez que a criatura toma vida, não haverá mais conforto para o criador. Victor Frankenstein vai descobrir que fugir de sua própria criação não vai harmonizar sua vontade e seu destino. Na verdade, sua vontade e seu destino nunca serão harmonizados, uma vez que seu destino é negar sua própria vontade.

Victor renunciou à ideia de roubar o fogo sagrado e dá-lo aos homens. Ele parece rejeitar a possibilidade de alcançar o mundo real, escolhendo o individuationis principium Nitzscheano, em que o homem se sente seguro, porque protegido do fardo da vida através da ilusão de uma verdade superior.

O destino de Victor é sofrer pela resignação de não ser capaz de realizar seu propósito. Ele conseguiu criar vida, mas não podia transmitir esse saber para a humanidade: depois que sua capacidade de criar vida tornou-se verdadeira, Victor considerou que seu ato deveria ser esquecido. Seu destino foi o de negar seu próprio desejo. O Dr. Victor Frankenstein rejeitou o seu grande feito: o que era para ser sua criatura tornou-se seu monstro.

Publicado em 10 de maio de 2011