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Educação Infantil: ludicidade, relações étnico-raciais e cidadania
Cristiane da Silva Brandão
Cientista social e pedagoga
A Lei 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08) aponta para a necessidade de trabalhar questões pertinentes à relação étnico-racial na Educação Básica. Embora a obrigatoriedade legal seja restrita aos Ensinos Fundamental e Médio, o educador pode tornar possíveis propostas educativas que enfatizem aspectos da história e cultura afro-brasileira e indígena ainda na Educação Infantil. Mas como pode ser feita essa articulação?
Na verdade, como está expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9.394/96), a Educação Infantil (creches e pré-escolas) é a primeira etapa da Educação Básica e visa o pleno desenvolvimento da criança (de zero a cinco anos de vida) em todos os aspectos. Mesmo não tendo função propedêutica, é essencial acompanhar e registrar todo o desenvolvimento da primeira infância, avaliando e verificando sua integração com todos os envolvidos no processo de aprendizagem para melhor formação do ser e construção afirmativa de sua identidade.
Nesse contexto, o espaço da Educação Infantil deve ser privilegiado para o estabelecimento de inúmeras relações sociais em que haja, para cada ser em particular, aprendizagens significativas.
Por outro lado, as múltiplas linguagens podem favorecer e contribuir para um real desenvolvimento dessa fase peculiar da infância. A utilização de brincadeiras como recurso pedagógico é uma excelente via para a efetivação das propostas de aprendizagem relacionadas à cooperação, à socialização de valores, respeito ao outro, superação das diferenças e aceitação do próprio ser.
O educador precisa estar atento ao lúdico e ao processo criador que deve ser trabalhado no dia a dia do pequeno infante, além de estar sensível para a importância do faz de conta e explorar questões de atitude, cruciais para as relações étnico-raciais e para o desenvolvimento integral da criança.
A criança aprende brincando e todos os conteúdos poderão ser ensinados através das brincadeiras e jogos, em atividades predominantemente lúdicas. Não existe nada que a criança precise saber que não possa ser ensinado brincando (Lima, 1987, p. 33).
Dessa forma, percebemos que a brincadeira é fundamental para a formação social da criança, que, por meio dela, cria situações, integra-se com a sociedade e transforma o seu mundo, relacionando-se com as demais pessoas a sua volta.
Os estudos de Donald W. Winnicott fomentam que o ato de brincar conduz aos relacionamentos em grupo e é mais que a mera satisfação de desejos. “É o fazer em si, um fazer que requer tempo e espaço próprios, um fazer que se constitui de experiências culturais, (...) podendo ser uma forma de comunicação consigo mesmo (criança) e os outros” (1975, p. 63).
Pelas repetições de determinadas ações imaginadas, baseadas em polaridades (presença / ausência, bom / mau, passividade / atividade, feio / bonito...), a criança pode internalizar e elaborar emoções e sentimentos, além de desenvolver um sentido próprio de moral e de justiça. Portanto, no faz de conta a criança torna-se capaz “não só de imitar a vida como também de transformá-la” (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998).
Conforme a Multieducação (1996), o trabalho pedagógico deve ser pautado naquilo que a criança domina e conhece, utilizando atividades que enfoquem a cultura da criança, respeitando o que ela tem para oferecer ao grupo: “nos jogos ou brincadeiras, a criança age como se fosse maior do que a realidade, e isso inegavelmente contribui de forma intensa e especial para o seu desenvolvimento”. Kishimoto (2005, p. 28) afirma que, “ao atender às necessidades infantis, o jogo infantil torna-se uma forma adequada para a aprendizagem”.
Outro aspecto importante está relacionado à observação do mediador nesse processo de aprendizagem, em que se estabelecem as relações étnico-raciais na Educação Infantil a partir do lúdico. Sendo assim, “cada educador registra acontecimentos novos, conquistas e/ou mudanças do grupo e de determinadas crianças, situações e dados significativos acerca do trabalho realizado e interpretações sobre as próprias atitudes e sentimentos” (Multieducação, 2006, p. 31).
As relações étnico-raciais não acontecem a partir do Ensino Fundamental; pelo contrário, estão presentes em toda a história de nossas vidas. Devemos auxiliar os pequenos cidadãos a valorizar suas diferentes características étnicas e culturais desde a Educação Infantil. Acreditamos e queremos corroborar a afirmação de Paulo Freire (1987) de que “todo o futuro é a criação que se faz pela transformação do presente”. Entretanto, não podemos esperar que as crianças deixem a Educação Infantil para orientá-las quanto a questões tão relevantes para sua formação pessoal e social, a fim de que saibam como intervir e construir a sua própria história de vida, numa “pedagogia da autonomia”, na construção efetiva de sua cidadania e de formas mais complexas de sua consciência.
Referências bibliográficas
BRASIL. MEC. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: MEC/SECAD, 2006.
BRASIL. MEC/SEF. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1987.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, T.
M. (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2005.
LIMA, Adriana Flávia S. de Oliveira. Pré-escola e alfabetização: uma proposta baseada em P. Freire e J. Piaget. Petrópolis: Vozes, 1987.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Núcleo Curricular Básico Multieducação. Rio de Janeiro, 1996.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Temas em debate. Multieducação. Rio de Janeiro, 2006.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
Publicado em 10 de maio de 2011
Publicado em 10 de maio de 2011
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