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Os Natais do Rio
Alexandre Amorim
Em 19 de dezembro, uma árvore de Natal de 20 metros foi inaugurada perto da estação do teleférico do Morro do Adeus, tendo como mestre de cerimônias a atriz Regina Casé e show de abertura com o AfroReggae. O Complexo do Alemão – e toda a Penha – puderam ver os efeitos especiais e as cores verde e azul da árvore, depois de encararem dias e noites acinzentados. A invasão ao Complexo pelas polícias federal, militar e das forças armadas ainda não havia completado um mês. A comunidade, após anos de um regime de terror e de governo paralelo impostos por traficantes, compareceu à festa de inauguração e ouviu as promessas de áreas de lazer e de uma vida mais digna para a população. Qualquer pessoa que passe pela Linha Vermelha, via de acesso entre o Rio de Janeiro e cidades da Baixada Fluminense, pode ver que o nível de vida no lugar é indigno. A população parece dar um voto de confiança ao governo.
A árvore de Natal que flutua na Lagoa Rodrigo de Freitas havia sido inaugurada duas semanas antes. Pessoas de toda a cidade do Rio e turistas de outros estados e países invadiram a orla da famosa lagoa para ver a abertura da décima quinta edição da árvore, com shows de Milton Nascimento, Ivan Lins e Simone e coreografias de Carlinhos de Jesus e Ana Botafogo. O esquema de trânsito na Zona Sul foi modificado e, é claro, mesmo assim o tráfego virou um caos. Um dos retratos de boas-vindas ao Rio, a Lagoa é rodeada por quiosques e espaços de lazer que atraem cariocas e turistas, além de ter em seu entorno prédios de IPTU elevado e condomínios bem acima da média. Os moradores da região, de acordo com os resultados locais nas últimas eleições, parecem também dar votos de confiança ao governo estadual e municipal.
Generalizar é expor o medíocre, o mediano. Afirmar que moradores apoiam ou põem suas esperanças em entidades governamentais é o mesmo que afirmar que o cidadão carioca gosta de samba e carnaval. Aparece, assim, uma figura mítica, que acaba se tornando verdadeira na imaginação de todos pela força da repetição e das pesquisas de opinião. Mas a pesquisa não oferece a possibilidade de dúvida: acredita-se no governo ou não. Gosta-se de samba ou não. Assim, a relação do cidadão com sua cidade passa por uma massificação de sua opinião e de seus direitos.
Acontece que o favelado tem esperanças, mas quer ser aceito pela cidade que o rechaça. E o morador da Lagoa também tem esperanças – inclusive, como o favelado, a de poder viver em paz. São cidadãos que se apegam e se assustam com sua cidade, moradores que amam e estranham sua moradia. E que se estranham entre si. São ameaças mútuas, inimigos não declarados em um convívio artificial. Ninguém da Lagoa foi visitar a árvore do Alemão. Ninguém considera a árvore da Lagoa como dos moradores da Lagoa, e por isso ela pode ser admirada por todos. A árvore da Lagoa é do Rio, mas também é do Rio a árvore do Alemão.
A árvore do Alemão brilha e lembra que os traficantes não estão mais ali, mas, entre o piscar das luzes, uma escuridão se faz presente: para onde foram os traficantes? Quem traz o produto do tráfico para o Rio? Quem permitiu e ainda permite que favelas sejam construídas e cresçam sobre imundície, insalubridade e analfabetismo? Qual o plano de reestruturação dessas favelas para que elas de fato se tornem uma comunidade?
Assim também pisca a luz da árvore da Lagoa: quando esse espelho d’água vai voltar a ser saudável? Quando o turismo vai se tornar viável no Rio de Janeiro? Qual o plano de transportes possível para a cidade? Para onde vai o dinheiro do IPTU e das taxas pagas pelos moradores cariocas?
No intervalo de luzes entre as duas árvores, ainda resta uma questão maior: quando a cidade partida vai se tornar um Rio de Janeiro Em que dezembro as cidades do Rio vão poder comemorar juntas o Natal?
Publicado em 11/01/2011
Publicado em 11 de janeiro de 2011
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