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Tron - o legado

Gordeeff

Animadora, professora do Instituto Infnet

Cartazes das produções de 1982 (à esquerda) e de 2010.
Cartazes das produções de 1982 (à esquerda) e de 2010.

Tron, o legado, é mais uma produção blockbuster da Walt Disney Pictures que entrou em cartaz no circuito brasileiro no fim de 2010. Mas, por uma questão histórica, não é apenas mais um filme de ficção científica com efeitos especiais e exibição estereoscópica (3D). O título com o termo “legado” não se refere apenas à relação filial entre os dois personagens principais da trama ou a empresa Encom que o pai deixa para o filho: o filme é a continuação de uma das produções mais importantes da história do cinema, Tron, uma odisseia eletrônica (1982), com direção de Steven Lisberger, animador tradicional e um dos produtores de O legado.

É plenamente possível assistir à continuação sem ter assistido ao primeiro – mas não há como negar que, se esse é o caso, o prazer e aproveitamento das duas horas na sala escura é maior. E não há como comentar um sem mencionar o outro.

A produção de 1982 foi um divisor de águas quanto à aplicação da CG no cinema, e foi possível diante da parceria da Disney com a Magi (Mathematical Applications Groups, Inc., empresa responsável pelos efeitos computacionais). Como observado por John Lasseter (diretor de Toy Story): "Quando eu vi essa animação computadorizada, foi como se uma porta tivesse sido aberta em minha mente, revelado todo um novo mundo lá fora". Foi a primeira vez que, em um longa-metragem, imagens geradas digitalmente tinham importância realmente relevante para a história. E o filme tinha um argumento interessante: contava a história de um jovem programador de computadores (Kevin Flynn) que, ao pesquisar provas de que a criação de um game de sucesso era sua, é sugado pelo sistema de computador, “Master”, para o seu interior, um universo de videogame. Usando as palavras do próprio Lisberger, era a “próxima fronteira”.

A sequência de maior impacto ficou por conta da disputa das lightcycles ("motos de luz"), que acontece dentro de um computador, numa perseguição ao estilo de videogame. A materialização das motos passa pelos estágios de visualização de um objeto 3D – aramado, com superfície sólida, iluminação e textura (dentro dos padrões tecnológicos avançados para 1982). Elas deslizam sobre as linhas quadriculadas de uma malha (como um grid dos programas de imagem). Seu design foi elaborado para poder ser mais bem modelado e animado pela tecnologia da época, mas mesmo assim até hoje se apresenta como um design elegante e futurista. Seus movimentos são marcados pelo deslocamento no espaço – e não pelo girar de suas rodas. Provou-se que era possível fazer cinema com o uso de computadores. Mas a tecnologia ainda era muito reduzida para as ambições de seu criador. Todas as sequências com atores foram filmadas em preto e branco e com todo o cenário em preto – isso exigia muita imaginação e foco dos mesmos. Depois, os fundos das cenas (desenhos pintados manualmente e sem uso de computadores) eram anexados a cada fotograma da ação, de forma manual e através de máscaras de filmes, num trabalho artesanal. Como observou o diretor: "Tron levou seis meses de pré-produção, quatro meses de filmagem e nove meses para concluir os efeitos. A equipe tratou o filme mais como uma produção animada do que um live-action regular, mas muitas vezes ainda se lutava com as técnicas que foram sendo inventadas à medida que eram necessárias”.

As motocicletas de luz: de 1982 e de 2010.
As motocicletas de luz: de 1982 e de 2010.

Com toda essa história pregressa, havia alguns pontos que se faziam necessários para a realização de uma continuação digna. Um deles era a presença do ator Jeff Bridges (que interpretou Kevin Flynn): "Eu estava tão feliz em saber que Steven, a origem de tudo, ainda estava envolvido; encontrar Joe (Joseph Kosinski, diretor de O legado) e ver todo o seu talento, e como ele realmente poderia puxar essa coisa; eu sabia que teria que ser mais do que o primeiro Tron". E também foi possível a presença de seu parceiro Bruce Boxleitner (que interpretou o amigo Alan Bradley e o próprio Tron, o programa herói do primeiro filme).

O legado começa num passado posterior ao primeiro filme, com Kevin Flynn, viúvo, despedindo-se de seu filho (então com 10, 11 anos) para trabalhar. O tempo passa, e ele não volta. Dono de uma grande empresa de software (a Encom, a mesma da produção de 1982), esta fica para seu filho, Sam Flynn, que, mesmo depois de adulto (interpretado por Garrett Hedlund), não consegue superar o desaparecimento do pai e tem em Alan Bradley, amigo e parceiro de Kevin Flynn, uma espécie de mentor/confidente. Bradley diz a Sam que recebeu um bip (pra quem não conhece, é um objeto de comunicação instantânea, muito comum na década de 1980, que “bipava” ao receber um chamado), de Flynn e que este vinha da sua antiga e abandonada loja de jogos eletrônicos (também muito comum na época). Sam vai até lá – o mesmo local da primeira cena da produção de 1982 –, liga as máquinas – o que é um revival para quem viveu a época – e descobre uma passagem secreta que o leva a um laboratório subterrâneo. Ao ligar os equipamentos e pesquisar no computador, Sam é digitalizado e absorvido para dentro da máquina – assim como o pai, no primeiro filme.

Pronto. Está armada a saga da procura do órfão por seu pai, bem aos moldes dos roteiros da Disney – juntamente com a eterna luta do bem contra o mal (quem ou o que causou a abdução de Kevin Flynn). No ambiente cibernético, Sam tem contato com softwares (representados e agindo como pessoas), é forçado a lutar com eles num game e encontra Clu (Jeff Bridges), um software e avatar de seu pai (ainda jovem) que domina o sistema. Numa das etapas da disputa, Sam tem que competir com as famosas motocicletas de luz – exatamente como Kevin Flynn no primeiro filme. E foram estes os pontos que destacaram a produção de 1982: a mudança de ambiente da ação e as possibilidades técnicas e criativas propiciadas por essa mudança (inclusive os efeitos computadorizados). Num dado momento da competição, Sam é salvo por “uma bela” software, chamada Quorra (Olivia Wilde), que o leva para encontrar o seu pai. Então Sam e o público entendem o motivo pelo qual Kevin Flynn desapareceu e por que ficou preso no Grid.

Jeff Bridges como Clu, o vilão de Tron – o legado.
Jeff Bridges como Clu, o vilão de Tron – o legado.

Como filme de efeitos, O legado é uma produção bem-feita, que utiliza as mais recentes tecnologias digitais – Jeff Bridges é Kevin Flynn em duas épocas, assim como Clu, graças ao desenvolvimento do efeito de rejuvenescimento de face, também utilizado no filme O estranho caso de Benjamin Button (2008, com direção de David Fincher). O filme não abusa dos efeitos da exibição 3D nem os utiliza durante todo o tempo (ficando concentrado nas cenas que acontecem no Grid, criando uma diferenciação plástica entre os ambientes real e digital). Esteticamente é bem elaborado, harmonioso e mantém o vínculo com o primeiro filme – tanto no uso de fundo preto, com detalhes de luz nas roupas e ambientes como no design dos veículos de transporte e armas de guerra. Muito interessante foi a criação do interior da “casa” de Kevin Flynn no Grid. Com portas de desenho clássico, lustre de cristal e móveis ao estilo clássico, dão ao ambiente um toque barroco, mais humano, que contrasta com os efeitos e as luzes do ambiente clean (limpo) do sistema.

O que logicamente acontece é a modernização e a execução de ações e efeitos que não foram feitos em 1982 porque não havia tecnologia para tanto – como é o caso das explosões, da iluminação e do acabamento dos materiais e do cenário (todo digital). Comparando algumas cenas das duas produções, A odisseia parece um rascunho, um teste de animação bem simplório de O legado. Mas é bem interessante reconhecer as motos, as naves e ambientes na nova produção e observar como eles finalmente puderam ser bem finalizados. Afinal, no primeiro filme trabalhou uma equipe de arte invejável – Syd Mead, (designer conceitual de Blade Runner), responsável pelo design; Jean Giraud (o conhecido desenhista Moebius), responsável pelos figurinos e cenários; e Peter Lloyd na concepção dos ambientes – que realizou um trabalho que, mesmo com o passar o tempo, não pode ser desprezado.

A nave de reconhecimento da produção de 1982 e de 2010.
A nave de reconhecimento da produção de 1982 e de 2010.
Kevin Flynn (Jeff Bridges) e Yori (Cindy Morgan), no filme de 1982, e Quorra (Olivia Wilde) e Sam Flynn (Garrett Hedlund), no filme de 2010.
Kevin Flynn (Jeff Bridges) e Yori (Cindy Morgan), no filme de 1982, e Quorra (Olivia Wilde) e Sam Flynn (Garrett Hedlund), no filme de 2010.

Assim como o filme de 1982, que apresentava influências de produções que lhe foram anteriores – como Guerra nas Estrelas (1977), principalmente na conceitualização dos figurinos – O legado mantém a linha de forma ampliada. É possível observar influências do próprio Guerra nas Estrelas (na cena de perseguição de naves e na apresentação dos exércitos de softwares); de Blade Runner (1982), quando Sam e Quorra – humano e não humano – seguem por uma estrada arborizada; e mesmo na disputa entre Clu e Kevin Flynn – um software e um humano; do Carlitos de Charles Chaplin (com o personagem Castor, interpretado pelo ator Michael Sheen, imitando seus saltos e movimentos com a bengala); e dos inimigos de Batman (Castor parece uma mistura de Coringa, Charada e, ao mesmo tempo, Boy George – cantor britânico que fez sucesso nos anos 1980).

Michael Sheen é Castor, em Tron – o legado.
Michael Sheen é Castor, em Tron – o legado.

A questão metafísica que permeava A odisseia é abordada de forma mais direta, o que fica claro no final do filme. Kevin Flynn é um usuário, e por isso possui poderes, uma energia “de usuário” – de criador. Todo aquele mundo só existe porque ele o criou. Quorra é um software de uma classe diferente, os “ISO”, que não foram escritos, mas simplesmente “sugiram” do sistema – explicação do próprio personagem de Jeff Bridges para o filho numa das cenas do filme. Mas ela adora o usuário Flynn como um deus, o que ele realmente é para aquele ambiente. Aliás, este é um paralelo com a própria condição do animador: os programas estão para o programador como o filme de animação está para o animador.

Enfim, Tron – o legado não é um remake; é uma continuação direta e plausível de Tron, uma odisseia eletrônica. O ritmo do filme não é contínuo; apresenta alguns altos e baixos intercalados com cenas de pura ação – com destaque para a sequência da perseguição das naves e da corrida das motocicletas de luz. Roteirizado por Edward Kitsis e Adam Horowitz (da série de TV Lost), tem Darren Gilford, responsável pela produção de arte e a dupla francesa Daft Punk na trilha sonora (de boa qualidade). E, apesar de ser uma produção Disney e de no Brasil ter sessões dubladas nos primeiros horários de exibição, não tem o como alvo o público infantil – que logo se cansa e incomoda quem está mergulhado no Grid.

Obs.: Para quem é louco pelo filme, é possível baixar um modelo em papel da nave de reconhecimento do filme, imprimir, cortar e montar. Está disponível em: http://www.starshipmodeler.com/tech/ms_tron.htm.

Referências

BARBOSA JÚNIOR, Alberto L. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac, 2005.

Filme 'TRON: Legacy' dá vida a mundo de videogame. Cinema. 27/07/2010. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/filme-tron-legacy-da-vida-a-mundo-de-videogame. Acesso em 05/01/2011.

TRON: Legacy. Disponível em: http://disney.go.com/tron/. Acesso em: 05/01/2011.

WHITE, James. The Story Of Tron Legacy. Disponível em: http://www.empireonline.com/features/the-story-of-tron-legacy/default.asp. Acesso em: 05/01/2011.

WHITE, James. Tron: The Beginner's Guide. Disponível em: http://www.empireonline.com/features/tron-beginners-guide. Acesso em: 05/01/2011.

Ficha técnica do filme:

  • Título: Tron – o legado
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Joseph Kosinski
  • Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz
  • Produtores: Steven Lisberger, Sean Bailey e John Lasseter
  • Produção artística: Barren Clifford
  • Atores principais: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde, Bruce Boxleitner, Michael Sheen
  • Diretor de fotografia: Claudio Miranda
  • Edição: James Haygood
  • Música original: Daft Punk

Publicado em 11/01/2011

Publicado em 11 de janeiro de 2011

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