Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
A educação no campo da(s) violência(s)
Lúcio Alves de Barros
Doutor em Ciências Humanas; professor da Faculdade de Educação da UEMG
O episódio acontecido na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando 12 estudantes foram assassinados, reacendeu a discussão acerca da violência nas escolas. Autoridades, diretores, professores e pais estão meio atordoados ou em luto pelo fato de um homem poder entrar e atirar a esmo dentro de salas de aula. O problema é sério e ninguém há de duvidar disso. Até porque, como a mídia anda atenta, aqui e acolá temos notícias de facas e outras armas rondando escolas. Todavia, é necessário pontuar algumas questões.
Primeiro, é importante evitar o uso e o abuso do conceito de violência. Há tempos os estudiosos do assunto têm chamado atenção para a utilização adequada do termo “violências”, em destaque o s no final. A ideia é ressaltar que não existe um só tipo, perfil ou face da relação que constrange e modifica toda química corporal do outro. Como fato social normal, em certos casos a violência é mesmo necessária, crucial e, por vezes, obrigatória.
Em segundo lugar, é bom deixar evidente que, em relação à violência na educação, me parece óbvio apontar que no mínimo três relações de violências estão presentes no cotidiano escolar:
- “a violência intramuros”, notadamente aquela que se desenrola no interior da escola entre professores, alunos e funcionários;
- “a violência fora dos muros da instituição”, especialmente os casos de conflitos, crimes e tráficos que sabemos que hoje rondam os muros das escolas em busca da presa frágil e ingênua; e
- “a violência contra a escola”, um fenômeno antigo e fácil de verificar quando se tornou normal aos olhos do senso comum ver escolas depredadas, castigadas pelo tempo, pichadas, arrebentadas, maltratadas, sujas, esquecidas pela comunidade, pelas autoridades e, não poucas vezes, vítimas de roubos e acontecimentos inesperados.
Creio que, para muitos desatentos, essas questões podem passar despercebidas e, mesmo quando são lembradas, de acordo com a cultura que se forjou no local, passam rapidamente a ser banalizadas, esquecidas e aceitas naturalmente. Enquanto o problema bater somente na casa do vizinho, poucos vão se mobilizar no intuito de modificar esse quadro.
No caminho da problemática das violências, é bom apontar também a diferença da violência que ocorre nas escolas públicas e nas escolas do setor privado. Na primeira, alunos e professores se acostumaram com a violência difusa, a ansiedade sempre presente e os problemas familiares que não demoram muito a explodir na cara do professor. Obviamente não é possível generalizar: ainda existem escolas públicas bem cuidadas e que estão longe das que andam acompanhadas do medo e da incerteza. Contudo, é preciso apontar para o grande número de alunos em sala, os baixos salários dos professores, as péssimas condições de trabalho, que, na visão de boa parte dos docentes, não deixa de ser uma espécie de “violência simbólica”. No que se refere às instituições privadas, a coisa parece diferente. O aluno agressivo ou “com problemas” tende a receber maior atenção. O cuidado de diretores e supervisores é óbvio; nada como cuidar do capital, mas o efeito parece ser interessante e um ponto importante de prevenção. Em tais escolas ainda não vemos muitos muros pichados, mas são mais do que perceptíveis as várias câmeras e os seguranças de plantão. Devido à seletividade financeira, tudo indica que a elite sabe cuidar melhor das instituições que ela paga.
Curioso, pois os argumentos servem aqui e ali para as instituições de curso superior. Pequenas são as diferenças, como casos de alunos que chamam professores para a “porrada” (é essa a palavra, mesmo) ou que levam armas para a faculdade – que está cheia de colegas que adoram utilizar o famoso chavão “estou pagando”. Esses episódios, na maioria silenciados na direção, têm causado vítimas. Professores andam apanhando, adoecendo, morrendo, e os sindicatos começam a se mobilizar – na base da denúncia anônima – para tentar barrar a onda de agressividade desmedida que raramente não resulta em criminalidade. É bom ressaltar que as universidades públicas parecem ainda ilhas de excelência nesse campo. Não que inexistam casos e mais casos, principalmente entre alunos. Também vemos a prática ostensiva das pichações, mas nada que manche por inteiro a imagem que vive com boa parte do erário público e respaldada por uma elite sedenta de um ensino com qualidade.
Finalmente, cumpre lembrar que o conceito de violência não é o mesmo que o de crime. Os meios de comunicação tendem a não diferenciar os conceitos, chegando mesmo a criar confusão na cabeça das pessoas. De qualquer modo, todo cuidado é pouco. Diferenciar os acontecimentos é bom, pois evita equívocos, lideranças sem fundamento, bancadas e discursos políticos, paranoia, pânico, gastos desnecessários de recursos, reuniões sem qualidade, comissões sem funcionalidade e muitas palavras que, utilizadas e jogadas ao vento como se fossem verdades absolutas, podem atingir subjetividades inocentes e, por ressonância, cansaço e desmotivação – dois sentimentos que tiram da guarita pessoas que poderiam estar ajudando na prevenção e na ostensiva e necessária segurança nossa de cada dia.
Publicado em 31 de maio de 2011
Publicado em 31 de maio de 2011
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.