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O ser humano: da concepção criacionista à holostêmica
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Especialista em Supervisão Escolar, biólogo, pesquisador do Grupo de Estudos em Educação Ambiental, professor da Educação Básica
O ser humano, como entidade biológica, cultural e histórica, conseguiu sobreviver como espécie e evoluiu ao longo de milhares de anos em virtude de sua capacidade de modificar o ambiente em razão de suas necessidades devido a um conjunto fisiológico-anatômico que também evoluiu concomitantemente: o telencéfalo, a postura bípede e o polegar opositor (Capra, 2006; Córdula, 1999a).
Somos seres altamente complexos, capazes de sonhar, imaginar e projetar em nossas mentes mundo, realidades, utopias e tudo o mais que a capacidade humana permitir. Algumas dessas utopias tornam-se realidade a partir de nossas mãos habilidosas com polegares opositores, que permitem movimentos precisos, manipulação de ferramentas e construção daquilo que concebemos na cognição (Córdula, 1999b).
Nossa evolução cultural e científica decorre de nossa curiosidade e da elaboração de pensamentos complexos, cognição; eles evoluem juntamente com o biológico ao longo de nossa história (Córdula, 1999b). Com isso, concepções do ser humano foram caracterizadas por essas premissas, indo do criacionismo da religião cristã à concepção holostêmica, que trilha em sua gênese um novo olhar sobre o Homo sapiens sapiens.
O criacionismo propõe o ser humano feito à imagem e semelhança do Deus universal a partir de sua simples vontade, a partir do substrato do planeta, como é postulado pela religião cristã (Campos, 2011).
Com Charles Darwin (2003), temos a concepção biológica da vida e, como consequência, do próprio ser humano. Segundo ela, evoluímos e somos provenientes de um ancestral primata primitivo, o que, como teoria, tem suas provas nos registros fósseis, mas entra em choque com os dogmas cristãos sobre nossa origem, persistindo tal conflito até os dias atuais.
Com o modelo cartesiano da ciência metódica e mecanicista, a vida é reduzida a partes (reducionismo), ou seja, fragmentada para sua melhor compreensão, teoria que, na realidade, peca ao tirar a globalidade dos efeitos e fenômenos que regem a vida e colocando o ser humano como organismo formado por sistemas fisiológicos (Capra, 2006).
Posteriormente, o modelo ecológico lança novo paradigma para compreensão da vida, mas ainda em seu arcabouço temos a presença do reducionismo; ele entende e coloca nossa espécie como parte de um sistema ramificado e interdependente que mantém a vida no planeta (Capra, 1996) por meio de teias tênues de fluxo de energia e matéria – fatores abióticos e bióticos – que equilibram e permitem a vida (Córdula, 2010d).
Para Maturana e Varela (1997), no entanto, a organização cíclica dos seres vivos é denominada autopoiese, com vários níveis organizacionais e diferentes ordens hierárquicas. Os autores consideram os organismos como autopoiéticos moleculares, abrindo um novo caminho para o entendimento de nossa espécie, considerando níveis biológicos elementares até processos complexos de cogno-consciência. Mas, quando adentramos concepções mais abertas, temos o ser humano holonômico como parte integrante de uma ritmicidade que permite o fluxo da vida, estando constantemente em movimento, se moldando, adaptando, evoluindo e buscando a homeostase do sistema (Capra, 2006). Posteriormente, transforma-se na concepção sistêmica da vida, em que todos os fatores vivos e não vivos estão influenciando, sendo influenciados e propiciam a vida neste planeta, que também é considerado uma entidade viva, Gaia (Lovelock, 2006). O ser humano sistêmico é parte integrante do planeta e está a todo momento influenciando e sendo influenciando por tudo a sua volta, como fenômenos locais e globais; pela falta de entendimento de sua própria complexidade e da vida, acabou provocando efeitos ambientais e sociais sem precedentes, que levaram, em escala global, ao caos socioambiental em que estamos mergulhados (Capra, 2006; Córdula, 2010d).
Visando colocar o ser humano como protagonista na reversão da crise socioambiental, temos o holismo, que atribui a concepção máxima da vida, reconhecendo e integrada à cultura, à economia, à política e a outras ciências, juntamente com a espiritualidade, num patamar de extrema complexidade para a vida, em ligações tão frágeis que se desfazem a todo o momento; mas, como todo sistema, está integrado em diversos níveis, de menores a maiores, que conseguem se equalizar e entrar em homeostase novamente (Capra, 1996; 2006). Nessa visão, temos tanta importância vital quanto toda e qualquer forma de vida, bem como todo o planeta, para poder conseguir entender o passado, o presente e determinar o nosso futuro (Córdula, 2011).
Por outro lado, é um ser possuidor de sonhos e manifestações emocionais, muitas vezes por uma vida sofrida e repleta de desejos. Mesmo assim, temos tido muitas conquistas nas últimas décadas, buscando o inexplorável, consequência de uma altíssima curiosidade, conferindo um sentido próprio de busca de respostas para nossas indagações acerca do funcionamento dos cosmos (microcosmos – nosso organismo, ecossistema etc. – e macrocosmos – o planeta, o universo etc.) (Córdula, 2010c, p. 1).
Por fim, chegamos ao limiar deste trabalho, que é a visão holostêmica, que enfatiza a essência vital de tudo no planeta, buscando a manutenção do estado de harmonia suprema entre todos os fenômenos naturais, espirituais e físicos que regem a Terra. Esta concepção da vida e do ser humano busca a condensação entre a concepção sistêmica, holística, espiritual e afetiva. A essência afetiva e espiritual está sendo apartada da essência humana, que se tornou incompleta, razão pela qual entra em conflito consigo, com o próximo e com o ambiente natural (Córdula, 2010). Por isso, uma crise global, social e ambiental.
A holostemia visa reintegrar o ser humano à sua essência completa, como entidade biológica, evolutiva, espiritual, natural, cultural, social, política, histórica e antropológica. A sua proposta pedagógica é exatamente resgatar em todas as disciplinas e em todos os níveis de ensino a essência humana há muito perdida, desmaterializando a necessidade do ter, para ser uma sociedade humana igualitária e visualizada de uma ótica de entidade única que pertence ao sistema vivo chamado Terra (Córdula, 2010c).
Nesse sentido, devemos primeiramente descobrir o mundo vivenciado pela ótica do alunado, para, através de sua leitura (Freire, 2001), estimulá-lo a uma releitura e colocá-lo sobre uma autoavaliação crítico-social e problematizadora (Pozo, 1998), sensibilizando-o e, por meio de atividades socializadoras, resgatar sua humanescência há muito fragmentada (Cavalcanti, 2010), com atividades prazerosas e estimulantes utilizando técnicas e procedimentos diversificados, que vão além do simples conhecimento didático do domínio educacional, no qual podemos incluir as dinâmicas de grupo e a as atividades lúdicas, que, combinadas, passam a ser um repertório de extrema importância no seio escolar e ampliam a capacidade dos alunos de abstrair sua realidade, de somar esforços com um único objetivo, trabalhando em equipe, e quebrar o paradigma da individualidade tão presente hoje por inúmeros fatores que entranharam em nossa sociedade e influenciam negativamente a condição humanista do ser humano (Córdula, 2011a).
A afetividade ressurge catalisadora do processo de entendimento, pois retira toda a roupagem individualista e materialista imposta a nós mesmos por esse modo de vida insustentável para trazer uma sustentabilidade real e harmônica com o universo interior e exterior, para garantir assim um futuro para este planeta e para nós mesmos (Córdula, 2010b; 2011b).
REFERÊNCIAS
CAMPOS, P. C. Ecologia humana: o pressuposto da ética na preservação do meio ambiente. Disponível em: http://www.razonypalabra.org.mx/libros/libros/ecologiaetica.pdf. Acesso em 21 abr. 2011.
CAPRA, F. A teia da vida. Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.
CAPRA, F. O ponto de mutação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2006.
CAVALCANTI, K. B. (org.). Pedagogia vivencial humanescente. Curitiba: CRV, 2010.
CÓRDULA, E. B. L. O Que Somos? In: GUERRA, R. A. T. (org.). Educação ambiental: textos de apoio. João Pessoa: Editora UFPB, 1999a, p. 111-113.
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CÓRDULA, E. B. L. A Criança, a flor e a esperança. Revista Eletrônica Educação Ambiental em Ação, n° 33, ano IX, set-nov/2010. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=895&class=20. Acesso em: 8 set. 2010a.
CÓRDULA, E. B. L. Educação Ambiental Integradora (EAI): unindo saberes em prol da problemática do lixo. Revista Eletrônica Brasileira de Educação Ambiental, vol. 5, n° 1, 2010, p. 96-103. Disponível em: http://www.seer.furg.br/ojs/index.php/revbea/issue/view/211/showToc. Acesso em: 9 dez. 2010b.
CÓRDULA, E. B. L. O ser humano: peça-chave de todo o processo. In: CÓRDULA, E. B. L. Educação Ambiental Integradora - EAI. [CD-ROM] Cabedelo: EBLC, 2010c.
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CÓRDULA, E. B. L. Dinâmica da ecossocialização compartilhada. Revista Eletrônica Educação Ambiental em Ação, n° 35, ano IX, mar-maio/2011a. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=978&class=02. Acesso em: 14 mar. 2011.
CÓRDULA, E. B. L. Educação socioambiental em textos: da sensibilização, à reflexão, à ação. Cabedelo: EBLC, 2011.
DARWIN, C. A origem das espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza. Trad. Mesquita Paul. Disponível em: http://ecologia.ib.usp.br/ffa/arquivos/abril/darwin1.pdf. Acesso em: 20 abr. 2011.
FREIRE, P. Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra. Estudos avançados, nº 15 (42), 2001, p.259-268. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n42/v15n42a13.pdf. Acesso em: 21 abr. 2011.
LOVELOCK, J. A vingança de Gaia. Trad. Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006a.
MATURANA, H.; VARELA, F. De máquinas e seres vivos: autopoiese – a organização do vivo. 3ª ed. Trad. Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
POZO, I. J. (org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
Publicado em 31 de maio de 2011
Publicado em 31 de maio de 2011
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