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Os símbolos matemáticos como signos e seus diferentes significados

Tarliz Liao

Introdução

No sentido de buscar o entendimento sobre a causalidade dos fenômenos associados ao não aprendizado de conteúdos de matemática no ensino fundamental, somam-se contribuições das diversas áreas do conhecimento, as quais têm imprescindível relevância nas pesquisas em Ensino de Matemática. Em especial destaca-se a Psicologia, como referencial para o entendimento dos aspectos mentais associados a esses fenômenos.

Há inúmeros aspectos comuns entre o embasamento vigotskyano e a linguagem matemática, dentre os quais se destaca que para o primeiro a relação homem/mundo é mediada por sistemas simbólicos, enquanto a segunda é um complexo conjunto de conjuntos de sistemas simbólicos, dentre outras definições.

Dessa forma, neste artigo é feito um recorte sobre a questão dos signos (símbolos matemáticos) e de seus significados em dois conjuntos numéricos, naturais e racionais fracionários, com reflexos no segundo. Embora não seja feita uma análise e/ou apresentação do signo e significado segundo a óptica vigotskyana em sua totalidade, buscaram-se nesses elementos recortados os norteadores das questões relativas ao não-entendimento da formação do conceito de frações. Vale ressaltar que o conteúdo frações, além de ser imprescindível e pré-requisito para outros de séries posteriores, é também um dos quais, nas avaliações em larga escala, se constata baixíssima proficiência.

A mediação simbólica

Vigotsky dedicou-se principalmente ao estudo das funções psicológicas superiores, assim chamadas porque se referem a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas, processos voluntários que dão ao sujeito a possibilidade de independência em relação às características do momento e espaço presentes.

Existem três pressupostos que são os fundamentos do pensamento de Vigotsky: as funções psicológicas como produtos de atividade cerebral, levando em conta todo um suporte biológico; a consciência proveniente das práticas sociais (a relação entre indivíduo e mundo exterior) como fruto de um processo histórico; e a relação homem/mundo mediada por sistemas simbólicos. Este último terá relevância maior no desenvolvimento deste artigo.

Segundo Oliveira (1997, p. 24), um conceito central para compreender o fundamento sócio-histórico do funcionamento psicológico é o de mediação, que remete ao terceiro pressuposto vigotskyano: a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, é uma relação mediada; “os sistemas simbólicos são os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo”. Esses sistemas simbólicos são estruturas complexas e articuladas que se organizam por meios de signos e instrumentos, estes últimos chamados elementos mediadores.

Para Oliveira (1997, p. 24), “a presença de elementos mediadores introduz um elo a mais nas relações organismo-meio, tornando-as mais complexas. Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passam a predominar sobre as relações diretas”.

Os instrumentos e os signos

Com inspiração marxista, considerando que as relações dos homens entre si e com a natureza são mediadas pelo trabalho, Vigotsky buscou analisar a função mediadora presente nos instrumentos elaborados para a realização da atividade humana. O instrumento, nesse sentido, é provocador de mudanças externas, pois amplia as possibilidades de intervenções na natureza. É o elemento físico por meio do qual o sujeito regula suas ações sobre objetos também físicos.

Por outro lado, diferenciando-se da natureza física dos instrumentos, para Vigotsky os signos seriam elementos mediadores com a função de regular as ações sobre o psiquismo das pessoas, ferramentas auxiliares no controle das atividades psicológicas. Para Oliveira (1997, p. 36),

os signos não se mantêm como marcas externas isoladas, referentes a objetos avulsos nem como símbolos usados por indivíduos particulares. Passam a ser signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação social.

A linguagem matemática também tem, nos seus signos, elementos que representam quantidades, situações, objetos ou conjuntos. A construção dessa linguagem perpassa a própria história da humanidade; seus signos, provenientes de diversas culturas, foram agrupados no sentido de mensurar número e forma, ideias fundamentais da Matemática cuja formalização linguística foi de fundamental importância para a viabilização da interação social nos seus aspectos comerciais, econômicos e tecnológicos, entre outros.

Os signos (símbolos numéricos) mais primitivos surgiram originalmente para “dar vida” ao conjunto de contagem, mais tarde denominado conjunto dos números naturais, o qual tem conceitos próprios, intrínsecos aos alunos.

Entretanto, pela escassez de outros signos matemáticos, bem como pela preocupação em tornar aquela uma linguagem excessivamente simbólica, criou-se a possibilidade de combinação entre esses signos, gerando novos conjuntos com outros conceitos.

Observa-se que uma das maiores dificuldades existentes no ensino de Matemática está na transposição conceitual de um conjunto a outro, devido ao significado atribuído aos signos.

O significado

Nas relações entre pensamento e linguagem, o significado ocupa lugar central: é componente essencial do signo e, ao mesmo tempo, é um ato de pensamento. Para Oliveira (1997, p. 48), “são os significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no ‘filtro’ por meio do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele”.

As transformações de significado ocorrem não apenas a partir de experiências vividas, mas, principalmente, a partir de definições, referências e ordenações de diferentes sistemas conceituais mediadas pelo conhecimento já consolidado na cultura.

Vigotsky (1998a, p. 73) afirma que “o signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente”. De acordo com Oliveira (1997, p. 37),

é a partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real (e com os signos fornecidos pela cultura) que os indivíduos vão construir seu sistema de signos, o qual consistirá numa espécie de ‘código’ para decifração do mundo.

Uma das principais dificuldades na aprendizagem da linguagem matemática ocorre devido ao fato de esta constituir-se, como citado anteriormente, de um conjunto de conjuntos numéricos, cada qual com propriedades e operações diversas entre si. Esta situação é agravada pela utilização dos mesmos signos nas combinações referentes a cada conjunto.

Comumente – e devido à sequência didática adotada nas escolas brasileiras – a leitura desses signos transporta o aluno para a conceituação de número natural, na qual é intrínseca à operacionalização com suas propriedades. No entanto, um mesmo signo combinado pode representar (na linguagem matemática) mais de uma quantidade ou uma forma, ou seja, pode ter significados diferentes. Exemplifica-se tal situação com os signos 2 e 3, que representam quantidades naturais e 2/3, que é quantidade totalmente diferente das duas primeiras, sendo mesmo menor que 1. O não entendimento dos alunos deve-se à mudança desses significados numa combinação de signos e à cristalização do conceito de número natural.

A falta de abstração na transposição de combinação de signos e ruptura de paradigma de conjunto para conjunto por parte do aluno passa despercebida pela maioria dos professores de Matemática. Estes, em sua maioria, operam nas salas de aula em vários conjuntos simultaneamente, sem a observação do entendimento do aluno em relação à mudança de conjuntos. Tudo isso pode ser ilustrado com o estudo do conjunto dos racionais fracionários. De acordo com Vigotsky (1998b, p. 104),

o desenvolvimento dos conceitos ou dos significados das palavras pressupõe o desenvolvimento de muitas outras funções intelectuais (...). Esses processos psicológicos complexos não podem ser dominados através da aprendizagem inicial. A experiência prática mostra também que o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero.

Os racionais fracionários

É notória, para a comunidade matemática, a importância do estudo de frações, não apenas por sua utilidade no exercício da cidadania, mas também por ser pré-requisito básico para muitos outros conteúdos de séries posteriores, como proporção, razão, porcentagem, regra de três, proporcionalidade, resolução de equações e funções, entre outros.

Devido à sequência didática adotada nas escolas brasileiras, o significado dos signos relativos tanto às propriedades quanto às operações nos naturais fica fortemente marcado na mente do aluno. Assim, há dificuldade para alcançar a abstração necessária à conceituação de frações pelo fato de se tratar de outro conjunto que utiliza os mesmos signos, porém com significados diferentes.

Para o aluno, não parece muito diferente o processo do produto entre duas frações do processo do produto de dois números naturais, no qual apenas se multiplica numerador por numerador e denominador por denominador. Por analogia e dentro dessa lógica de entendimento, muitos, no processo de adição de racionais, passam a somar numerador com numerador e denominador com denominador, o que contraria a propriedade neste. Constata-se a dificuldade do aluno em abstrair o processo de adição/subtração, que acontece de duas formas diferentes: com equivalência de frações (m.m.c.) e na outra somando apenas os numeradores, com um só denominador. O que antes acontecia de um só modo (adição nos naturais), agora pode acontecer de duas maneiras distintas entre si.

Por fim, o problema parece ser grave também em relação à operação de divisão. Nesta, a interpretação “como repartir em partes iguais” dificilmente se aplica. É estranho para o aluno encontrar, em determinadas situações, resultado final maior que os das duas frações envolvidas, fato que não ocorre no conjunto dos naturais. Além disso, é importante ressaltar que a regra para a divisão não faz referência ao significado da operação.

Santos (1997, p. 103) refere-se a conversas com professores afirmando que

fica implícita parte da razão por que essas dificuldades acontecem. Isto ocorre porque a extensão do conceito de número natural para número fracionário é complexa. Torna-se difícil ajustar os conceitos que os alunos possuem de número natural e de quatro operações com os números naturais para fazer uma extensão desses conceitos para o conjunto dos números racionais...

Observa-se, então, que isso possa ser a causa de os alunos não construírem significados para tais operações, tendo dificuldade em memorizar regras, que os mesmos entendem não ter significado. Assim, não há ruptura no “processo de internalização”: os signos relativos ao conjunto dos racionais fracionários mantêm o mesmo significado que o do conjunto dos números naturais.

Ainda segundo Santos (1997),

os conceitos com frações são mais abstratos e difíceis para os alunos. É complicado para o aluno compreender que um número racional é representado por dois símbolos numéricos (a/b, onde a e b são, isoladamente, números) e que esse novo símbolo representa uma nova quantidade – um novo número. Além disso, o aluno tem dificuldades em compreender as mudanças qualitativas que ocorrem com os números racionais.

Conclusão

Incontestavelmente, educar também é favorecer o desenvolvimento. E este só poderá ser alcançado com contribuições das mais diversas áreas do conhecimento. O ensino de Matemática (ou educação matemática) deve buscar suporte nas teorias ou concepções psicológicas e na etnografia dos fenômenos, os quais muitas vezes se confundem.

Houve inúmeros movimentos em prol da aprendizagem em Matemática que fracassaram porque baseados apenas nos princípios da fenomenologia matemática. Dessa forma, acredita-se que analisar um fenômeno qualquer do ponto de vista puramente matemático é recorrer ao século XVII e se reapropriar de um paradigma cartesiano.

Os signos e seus significados na linguagem matemática revelam uma complexidade que se faz notória nos círculos escolares, e o embasamento em Vigotsky esclarece e delimita essa questão.

Nesse sentido, conclui-se que há necessidade de procurar recursos metodológicos que permitam dedicar um tempo maior ao desenvolvimento conceitual de frações, decimais, funções, assim como outros, e buscar suas inter-relações com os processos operatórios. A capacitação de professores dessa área também se torna fundamental, no sentido de promover discussão acerca de todos esses aspectos de não entendimento de objetos matemáticos tanto quanto de estar em contato com as novas metodologias de ensino e de pesquisa.

Bibliografia

OLIVEIRA, M. K. Vigotsky - aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4ª ed. São Paulo: Scipione, 2003.

SANTOS, V. M. P. Avaliação de aprendizagem e raciocínio em Matemática: métodos alternativos – Projeto Fundão. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Publicado em 31 de maio de 2011

Publicado em 31 de maio de 2011

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