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Diversão e arte – entretenimento como vocação e negócio

Alexandre Amorim

Os jornais noticiaram que Maria Bethânia estaria lançando mão da Lei Federal de Incentivo à Cultura (conhecida como Lei Rouanet) para montar um blog em que declamaria poemas em vídeos filmados por Andrucha Waddingnton. A notícia gerou discussão entre a dita classe intelectual: acadêmicos, jornalistas e artistas parecem ter tomado para si o direito de julgar se esse ato era certo ou errado, baseados em argumentos como: “Bethânia não precisa de incentivo fiscal, pois já tem nome e consegue dinheiro facilmente”; “Bethania é uma artista como qualquer outra e pode usar o incentivo”; “um milhão de reais é muito dinheiro para montar um blog”; “o blog vai ser caro porque vai ser de qualidade”; “o dinheiro é do povo, porque é renúncia fiscal”; “o dinheiro é do povo, mas é usado para o povo, através da cultura”.

As razões e argumentos são muitos e não pretendo julgá-los aqui. O que me importa extrair dessa polêmica é um ponto que eu achava pacífico, e que Caetano Veloso, em artigo para O Globo, mostrou que não é: o equilíbrio entre ser artista e seu espaço social.

Em primeiro lugar, devo dizer que considero absurdas duas visões que me parecem lutar entre si: a de que o artista deve ser superior ao resto da sociedade e a de que a função do artista é uma mera função social. Cazuza, na canção Burguesia, dizia que a “burguesia fede”, mas se excluía do odor repelente, porque acreditava que a arte o redimia: “eu sou burguês, mas eu sou artista”. Por outro lado, muitos acreditam que a arte é apenas um bem público, e que só nos deve preocupar a sua função.

O artista é um ser humano; por isso, faz parte da sociedade e sua função é múltipla. Mas é também alguém capaz de apontar, por meios metafóricos e às vezes além da razão, as emoções e comoções dessa sociedade. Leonard Bernstein regendo a Ode à Alegria, de Beethoven, quando o muro de Berlim caiu, foi um artista sintonizado com sua sociedade. Mas também limitou a obra de Beethoven a um momento social, quando na verdade essa obra é muito maior do que apenas a junção das Alemanhas Oriental e Ocidental.

Assim como Platão se perguntava quem deve vigiar os vigilantes e respondia, ingenuamente, que eles mesmos se vigiarão, pois acreditarão ser melhores do que o resto de nós, o artista não pode tomar como superioridade social sua capacidade estética de traduzir sentimentos humanos. A indústria de entretenimento tenta nos vender (e vender aos próprios artistas) um silogismo torto: “a arte faz do homem um ser superior. Logo, o artista é um ser superior ao próprio homem”. Assim, celebridades se formam de maneira artificial. Ao invés de serem respeitadas por traduzir nossas emoções, são idolatradas porque seriam, elas mesmas, maiores do que o resto de nós.

A arte é sublime, conforme se acredita, porque causa em nós sentimentos sublimes. E sublime não significa beleza, apenas, mas elevação. Guernica, de Picasso, não é necessariamente bela, nem o be bop de John Coltrane. Mas nos elevam, porque nos levam a sensações, sentimentos, emoções residentes em nós e que a arte nos faz reencontrar. Mas isso não significa que Cazuza, Coltrane, Picasso, Chico Buarque ou Van Gogh estejam acima de nós. Sua arte está, e nos enleva e nos eleva. E se conseguimos sentir essa arte, é porque somos, também, elevados.

Mas a sociedade não se forma apenas de ideias, sentimentos e arte. E, como o artista vive em sociedade, sua arte torna-se, além de arte, produto de mercado. Arte como entretenimento ou como produto de troca. Guernica promove o sublime, mas o quadro em si tem seu preço. A gravação de Coltrane de My Favorite Things nos eleva, mas seu disco é vendido em supermercados. A música dos Beatles mudou a cabeça de milhões de pessoas, mas quase todas as suas composições foram compradas pela Sony. E o artista não vive de ideias. Ele, também, vive de pão e circo. E se ele é o responsável pelo circo, precisa comprar o pão de alguém.

Por isso, é preciso respeitar o artista como criador de um produto para a sociedade, e esse artista também precisa se ver incluído no mecanismo social. É claro que Bethânia está engajada em um sistema e que não pode apenas se considerar uma artista, livre de críticas em relação a seu comportamento como cidadã. Mas também não há como esquecer que é impossível quantificar a emoção causada por uma leitura de um poema de Fernando Pessoa.

Publicado em 7 de junho de 2011

Publicado em 07 de junho de 2011

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