Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Mudança de órbita

Luing Argôlo Santos

Algumas pessoas perceberam que, há algum tempo, nosso maior satélite natural, a Lua, havia parado de brilhar. Ela foi minguando, minguando e minguando, até que um dia – e não precisava ser astrólogo para observar – só podíamos avistar um intenso breu em seu lugar. Mas o que porventura estaria acontecendo com nosso querido satélite? O sumiço da Lua foi aos poucos se transformando em espanto internacional. Os astrólogos tentavam explicar, mas admitiam ser incapazes de afirmar o verdadeiro motivo de tal acontecimento.

Desde o início de minha carreira jornalística tive prática em fazer documentários sobre o espaço, mas agora estava empreitado em uma atividade mais que desafiadora: entrevistar a Lua. Não podia me conter de curiosidade para descobrir o que estava ocorrendo com ela. Assim, entrei numa nave espacial com a equipe da TV Apollo 15 com a missão de entrevistá-la. Faríamos uma coletiva ao vivo, que seria transmitida em mais de cento e oitenta países. As expectativas eram grandes na Terra, e eu, quando esse momento foi se aproximando, não conseguia parar de balançar demasiadamente as pernas e ficava sem fôlego diante de tamanha ansiedade.

Assim que nossa nave chegou ao espaço, vi a Lua com uma aparência de amargura notável para qualquer um que se aproximasse dela. Recomendei à equipe que ligasse as câmaras e, em questão de pouco tempo, pronunciei a pergunta cuja resposta todos na Terra estavam curiosos para descobrir.

– Satélite querido de todos os seres humanos! Notei que você não clareia mais nossas noites. Aparentas exorbitante tristeza. O que lhe angustia?

A Lua replicou sem hesitar:

– Não apenas aparento tristeza, meu caro repórter. Estou realmente consternada.

– Conte-nos então o que a aflige, preciosa Lua.

– Senhor repórter, para ser bem direta, afirmo-lhe que o verdadeiro motivo da angústia que venho atravessando é que fui vítima de traições. Fui traída várias vezes e por várias pessoas. Ainda não sei o que há de errado comigo para estar sendo tão desafeiçoada.

– Mas como... Como alguém seria capaz de cometer tal discrepância? Tu és, sem dúvida, o mais cobiçado e venerado de todos os satélites celestes. Teu brilho e esplendor são exuberantes e ornamentas o céu com tua ilustre formosura. Comentam aqueles que já tiveram o prazer de te tocar que a tua gravidade nos faz sentir leves como pássaros a planar sobre teu chão, que tem despertado interesse de tantos povos que, mesmo sem saber a tua real procedência, anseiam conhecer-te. Senti-me honrado quando soube que fui, entre tantos outros, o repórter escolhido para te entrevistar. Essa missão caiu-me como um troféu.

– Muito obrigado pelos elogios, bondoso repórter, mas não sou tão bela como tu dizes. Estou envelhecendo, semelhantemente aos terráqueos. Além disso, meu brilho está sendo ofuscado a cada dia por aquelas telas gigantes que se fazem cada vez mais presentes em suas salas de estar. Até aquela telinha que vocês costumam encostar no ouvido e falar por horas está recebendo mais atenção do que eu quando estou na fase mais bonita.

– Então é disso que estás com ciúmes, ó grandiosa Lua? Como passas constantemente por modificações, não seriam tais sentimentos também reações de uma dessas fases?

– Afirmo-lhe com toda certeza que não! Se isso fosse apenas uma fase, já teria passado há muito tempo. Entretanto, sinto-me dessa maneira há dias-luz. Somente agora decidi, de uma vez por todas, parar de brilhar. Esse também é um dos motivos para eu estar me afastando da Terra em média 3 cm por ano. Estou perdendo a atração gravitacional pelos habitantes desse planeta. Tenho me sentido feia ultimamente. Tento não demonstrar minha autopiedade, mas é de fato assim que me sinto. É terrível a sensação de ser rejeitada, desprezada e, ainda por cima, desamada pelos humanos. Vejo que todos aqueles que um dia se enamoraram por mim me trocaram pelo brilho daqueles aparelhos que eles fazem constante e rotineiro uso. Observo tudo daqui de cima. Sinto saudades do tempo em que eles eram lunáticos pela minha beleza. Passavam horas me contemplando. Naquela época, eu ainda inspirava frases de amor, belíssimas poesias e boêmios românticos que cantavam canções que encantavam multidões.

E continuou:

– Outro dia, o irmão Sol e meu velho amigo mar estavam se queixando pelo mesmo motivo. Eles me disseram que observam sempre os humanos correndo de um lado para outro e nem prestam mais atenção aos espetáculos que damos diariamente. No meu palco (o céu), fazia eclipses, ficava cheia, esvaziava e rodopiava sobre meu eixo de rotação. Entretanto, tudo isso já não faz mais sentido, uma vez que meus espectadores estão se esvaindo. Como sinto falta do tempo em que eu ficava cheia de brilho e cheia de admiradores! Inspirava lindos e duradouros romances. Como me consternam essas novas práticas humanas!

Lamentou-se:

– Espero que algum dia eles enjoem daquelas máquinas que roubam todo o seu tempo e voltem a me namorar, se é que eu já não estou velha demais para ter essa pretensão. Uma vez senti até vontade de ir ao planeta Terra para olhar de baixo e verificar se, por acaso, havia perdido minha luminosidade. Como não pude fazer isso (e acredito que não era esse o problema), resolvi parar de brilhar e mudar de órbita aos poucos. Talvez em algum lugar distante daqui eu volte a encontrar algum planeta em que eu seja uma de suas principais atrações.

Publicado em 14/06/2011

Publicado em 14 de junho de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.