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Cultura visual - instrumento de cidadania
Ivone Boechat
Na Antiguidade, o profeta Habacuque, que viveu 600 anos antes de Cristo, previu o valor da mensagem escrita em tábuas, como ele mesmo recomendou que se fizesse, ”para que lesse aquele que correndo passasse por ali”. É, sem dúvida, a contribuição do cientista prevendo a ditadura da pressa e o poder da arte objetiva na comunicação de um outdoor.
Confúcio (551-479 a.C), sabendo que a arte explica a filosofia através de símbolos e mitos, ensina que “a educação do homem deve começar pela poesia, ser fortificada pela conduta justa e consumar-se na música”.
Ao longo dos anos, com a evolução científica, o valor das artes na educação se confirmou com tanta veemência que permite ao educador a interpretação de poesias, músicas e metáforas e inseri-las na sua rotina pedagógica para enriquecer e estimular a descoberta.
Michelangelo (1475-1564) afirmava: “Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a veem”. Ao terminar de esculpir sua obra Moisés, disse: “Eu apenas o libertei da pedra. Não faço esculturas; na verdade, elas sempre estiveram lá. Eu apenas retiro os excessos”.
O educador vê muito além das marcas deixadas pela herança genética, das tendências e dos traumas. Ele vai se preparando para buscar todos os recursos que possam ajudar a restaurar o homem, a burilar seu caráter, a reproduzi-lo. As artes têm um manancial de opções para aperfeiçoar o homem, ampliar sua visão e torná-lo capaz de tecer uma nova perspectiva de vida.
Kant (1724-1804) revela que “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”.
A humanidade muitas vezes é pressionada por avisos, banners, propagandas, fotos, pichações, ilustrações, slides, tatuagens, comerciais, filmes, roupas personalizadas capazes até de convencer o que é moda, o que é chique, o que é moral. O processo de coerção, antes lento, sem imagens, se escancarou aos olhos do mundo, ao vivo, em tempo real, sem autoria, anônimo. É aí que se sente a falta do educador, orientando, selecionando, criticando. É preciso ensinar a ver! Essa postura se torna uma emergência, porque os analfabetismos se atropelam na estrada do avanço tecnológico da informação. Que se implante a cultura visual.
Como está na revista Nova Escola, “A Cultura visual – nome desse novo campo de estudo – propõe que as atividades ligadas à arte passem a ir além de pinturas e esculturas, incorporando publicidade, objetos de uso cotidiano, moda, arquitetura, videoclipes e tantas representações visuais quantas o homem é capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano para a sala de aula, explorando a experiência dos estudantes e sua realidade”.
Belidson Dias diz que “Arte-educação passa por uma mudança radical em direção à educação da cultura visual ao desenvolver novas práticas, epistemologias, identidades, subjetividades, agências e entendimentos do cotidiano. Sugere que a inclusão da educação em cultura visual possa dar visibilidade e efetivamente auxiliar a compreensão das representações visuais de gêneros e sexualidades na sociedade”.
Nas depressões sociais, a arte se apresenta como válvula social para amenizar as pressões. Goethe (1749-1832) afirmou que “Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte”.
A educação está desafiada a acelerar seu ritmo na olimpíada pedagógica, chegar primeiro e, competentemente, preparar as emoções da sociedade, ajudando-a a tomar posse das conquistas, decifrar mistérios e prosseguir.
Partindo do pressuposto de que educar é provocar, a educação tem como objetivo sensibilizar o homem para despertar e mobilizar suas potencialidades. Jamais um projeto será pedagógico se ele reprimir, discriminar, bloquear a criatividade. Picasso (1881-1973) advertiu: “Toda criança é um artista, a educação deve mantê-la artista mesmo depois de crescida”.
A humanidade exige a presença de “alfabetizadores” capazes de ajudá-la a ler e a interpretar não somente o código de redes, sites, Twiter, MSN, e-mail, Facebook, blogs, Orkut, mas sobretudo tornar-se um alfabetizado social, ou seja, um letrado cultural para interpretar a cultura das épocas, e, principalmente, produzir ciência para transcender, como concluiu Nietzsche: ”Temos a arte para não morrer da verdade”.
As críticas de Nietzsche (1844-1900) ao sistema educativo de massas tal como estava a despontar no seu tempo justificavam-se porque ele via no Estado-educador e na generalização da educação estatal os principais instrumentos da vitória da moral de escravos. Para não se desviar do caminho da educação, Nietzsche adverte que “A educação pública estatal visava criar rebanhos dóceis, conformistas e ignorantes”.
Estes grandes mestres das artes plásticas deixaram estilos, pistas e marcas capazes de romper as fronteiras do tempo e do espaço: Edgar Degas (1834-1917), o fascínio pelo balé; Edouard Manet (1840-1926), o impressionismo; Renoir (1841-1919) a sensualidade; Salvador Dali (1904-1989), o surrealismo.
A educação que aponta para o ensino e a pesquisa das artes ajuda a construir uma vida significativa numa perspectiva social mais ampla e mais profunda. De conhecedor de artistas e estilos, o aluno passa a leitor, intérprete e crítico de todas as imagens presentes no seu cotidiano.
"O professor tem que despertar o olhar curioso, para o aluno desvendar, interrogar e produzir alternativas frente às representações do universo visual", afirma Fernando Hernández, professor da Faculdade de Belas Artes de Barcelona, na Espanha.
A educação deve contribuir para que o homem desta era da metainformação e da interface selecione sites, se interesse pela diversidade cultural, saiba apreciar um som e identificá-lo, compartilhe ritmos, tenha ouvidos para apreciar uma ópera, identifique o diretor do filme, se interesse pela literatura universal, reconheça a música popular brasileira de todos os tempos, sem classificá-la como velha ou atual.
Imagens em movimento (televisão, videoclipe, videogame, internet, cinema etc.) são chamadas de "efêmeras". Por isso devem ser trabalhadas de maneira especial na educação. O educador tem o dever de orientar através de diversas atividades planejadas, estimulando a seleção e a crítica.
Segundo Jean Piaget (1896-1980), "A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe".
Edgar Morin (1921-) diz que “O professor precisa ser muito mais do que um conselheiro, deve ser uma ponte entre a informação e o entendimento, um estimulador de curiosidade para que o aluno viaje sozinho no conhecimento obtido nos livros e nas redes de computador”.
Referências
BUORO, Anamelia Bueno. Olhos Que Pintam - A Leitura da Imagem e o Ensino da Arte. São Paulo: Cortez.
BOECHAT, Boechat. Nós da educação. Rio de Janeiro: Reproart.
DIAS, Belidson. O I/Mundo da Educação em Cultura visual-UnB. Brasília: FAC-Cultura.
FRANZ, Teresinha Sueli. Educação para uma compreensão crítica da arte. São Paulo: Letras Contemporâneas.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed.
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. A língua do mundo - poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD.
Publicado em 21 de junho de 2011
Publicado em 21 de junho de 2011
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