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O Senso Comum e o Senso Crítico

Fábio Souza C. Lima

Historiador e filósofo, especialista em Educação, professor

Conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela.

Confúcio

Ao conseguir realizar alguma coisa ou desenvolver um pensamento, o fato de negar nossos preconceitos e questionar sobre o saber com que estamos lidando nos leva a uma atitude crítica, filosófica. Daí podemos olhar mais uma vez para trás e refletir sobre senso de julgamento que tivemos ao realizar esses movimentos. Grosso modo, podemos relacionar o termo “senso” à palavra “direção”, ao sentido que tomamos nas nossas decisões. No caso do Senso Comum, tomando uma postura platônica, nossa direção aponta para decisões que se baseiam nos nossos cinco sentidos (paladar, olfato, visão, tato, audição). Ao verem ou ouvirem, por exemplo, é comum encontrarmos pessoas que respondem tão rápido que mal deixam seu interlocutor terminar uma frase. Essas pessoas também costumam tirar conclusões precipitadas sobre os mais variados assuntos, desde programas de entretenimento na televisão até decisões políticas importantes que influirão sobre o futuro.

O senso comum não se preocupa em buscar informações sobre os assuntos que está a julgar. Preocupa-se apenas em proferir uma sentença conclusiva, definitiva e que julga ser irrefutável. “Os políticos são bandidos”; “não gosto de política”. Pessoas que baseiam sua direção no senso comum não se preocupam em pesquisar o que os políticos de sua câmara de vereadores, por exemplo, fazem todos os dias. Em tempos de internet, em que as pautas de discussão são colocadas diariamente a público, em que o acesso ao gabinete de qualquer parlamentar é facilitado pelas contas de e-mail, Orkut, Facebook e até Twitter, a falta de interesse em buscar, em pesquisar fica mais evidente. Trata-se de dizer o mais cômodo: “são bandidos”.

Não procurar saber que na política reside a capacidade de negociação e conversa é acreditar que os temas e assuntos mais comuns devem ser resolvidos com truculência, com brigas. São essas pessoas que normalmente se reúnem em bares para reclamar de coisas que não querem resolver. Dizem: “ninguém faz nada!”. Você já ouviu isso? O grupo normalmente concorda com a expressão. É um pensamento resignado, conformado com sua condição, sem vontade de tomar as rédeas da situação e mudar seus caminhos. Mas se há um buraco enorme na rua, em frente à minha casa, não é obrigação da prefeitura tampá-lo? Mas e se não for tampado? Você diria, diante de um jornalista ávido por uma notícia triste: “ninguém faz nada”, ou diria “a culpa é minha, pois quem colocou esse prefeito lá fui eu, quem votou nos vereadores que deveriam fiscalizar o prefeito e separar recursos para cuidar das nossas ruas fui eu. Eu é que deveria fiscalizá-los diariamente”?

Platão, ao escrever o Mito da Caverna, relacionou os homens presos ao mundo do senso comum, que, portanto, reside no mundo sensível, dos sentidos, daquilo que “é o que todo mundo fala”, “é o que todo mundo faz”. Um mundo até certo ponto ingênuo, de ideias prontas, de um pensamento sempre confiante, certo de que está proferindo sempre uma resposta definitiva: “a grande verdade é que...”.

Por outro lado, o senso crítico parte do princípio do estudo do como conhecer (epistemologia), do uso da razão e, como já expusemos, da capacidade de avaliar, julgar e discernir com equilíbrio. O crítico tem o seu pensamento ligado ao futuro, como o primeiro liberto.

Eis um quadro resumido das qualificações de que tratamos:

Senso comum
(Doxa; opinião; crença)
Senso crítico
(Episteme; saber racional)
Mundo sensível; pensamento passivo, pensado, ingênuo, adaptativo, de grupo, ligado ao passado, confiante, de ideias constituídas, prontas.
Pessoas de personalidade conformista, resinada, conservadora.
Mundo inteligível; pensamento ativo, transformador, pensante, pessoal, de idéias constituintes, sempre em ação e mudança.
Pessoas de personalidade revolucionária, sediciosa, contestadora.
Preconceitos; ideologias; passividade e atuação ligada ao instinto animal. Reflexão, ideários, ação, pensamento racional, atitude filosófica.

Talvez “a grande verdade” seja que a “grande verdade” não existe, pelo menos entre os homens. Podemos realizar, para provar isso, um breve experimento: ao ler este texto, imagine que há algumas pessoas em torno de você. Imagine que uma dessas pessoas, que está a dez metros à sua frente, diga: “Ele(a) tem um computador diante de si”; que outra, que está mais próxima, diga: “Ele(a) está se entretendo com a leitura”; que outra ainda, ao seu lado, diga: “Ele(a) está estudando filosofia”; e que uma pessoa que está logo atrás de você diga: “Ele(a) está sentado, não sei o que está olhando, mas parece que não presta a atenção a qualquer coisa”. E então, quem você acredita que está falando a verdade?

A rigor, todos podem estar falando a verdade, pois ela depende do ponto de vista. Todos podem estar falar realmente o que estão vendo, e isso corresponde à verdade de cada um que está vendo você. A verdade absoluta ou a grande verdade caberia apenas a uma entidade super poderosa, onipresente, onipotente e onisciente, capaz de ver você por todos os ângulos e saber o que está se passando na sua cabeça. Muitas religiões chamam essa entidade de Deus.

Parece que a grande verdade, o saber absoluto, não nos cabe. Mas a necessidade de explicar o mundo e tudo o que nos rodeia se faz presente. Então o que fazer? A resposta é: buscar saber! Filosofar.

Referências

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

PLATÃO. A República. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 2000.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

PLATÃO. Diálogos. Teeteto-Crátilo. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora UFPA, 2001.

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Publicado em 21 de junho de 2011

Publicado em 21 de junho de 2011

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