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Rizomas e dialética – o mundo não é chato nem binário
Alexandre Amorim
O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve há poucos dias no Brasil.
País tropical que não sentiu em seu próprio solo as revoluções europeias como as guerras mundiais ou o bolchevismo, o Brasil teve em sua estrutura os ecos desses movimentos. Zizek é um pensador desses movimentos e, por aqui, falou deles com recheio de referências pop. Nós, brasileiros, nos acostumamos a ser cosmopolitas, talvez por nossa origem colonialista, em que hábitos e cultura estrangeiros também colorem nossos matizes; mesmo que longe do olho do furacão, o marxismo também nos atingiu.
E Zizek é um de seus atuais defensores. Caiu no senso comum a frase “o comunismo acabou”, desde a queda do muro de Berlim e da fragmentação da União Soviética. Mas o pensador não parece concordar: o comunismo não é necessariamente apenas o que se aplicou na social-democracia. “Para mim, comunismo é o nome de um problema. Todos esses problemas são problemas de algo comum (“problems of commons”), de algo que deveria ser compartilhado por todos nós. É uma alegação muito modesta”, afirma o filósofo, em entrevista recente ao jornal O Globo.
Assim, Zizek se insere no pensamento pós-moderno, apesar de sua obstinação em não aceitar tal rótulo.
E essa inserção se dá tão-somente porque, ao definir o comunismo como um “problema”, o pensador esloveno desfigura o pensamento dialético como pensamento binário. Se a fórmula básica da dialética é o diálogo, para a formação de uma tese, devemos nos ater ao termo diálogo em sua formação: conhecimento pela palavra. O problema básico da dialética marxista é a aceitação do diálogo como algo binário, como luta entre contradições, apenas. A síntese, produto final da dialética, seria a superfície plana de todas as forças contraditórias. Mas a realidade pós-moderna não aceita uma superfície: o mundo não é chato nem formado por forças binárias. Não podemos apenas citar a luta entre o preto e o branco, se também existe o cinza.
Portanto, pensar o comunismo como problema é lançar o comunismo a um universo de significantes muito maior do que apenas uma síntese. A dialética como modelo formador de uma síntese deixa de ser a base do comunismo se este for considerado um “problema”, porque um problema não é gerador de síntese, mas um rizoma – algo que não apenas significa, mas vai procurar novos significados e se relacionar com eles. Gilles Deleuze e Félix Guattari utilizam o termo rizoma para mostrar que não há mais apenas um significante, mas uma raiz rica de vida, que é significante e que se segmenta em novos caminhos, “explodem em fuga”.
Ou seja, quando Zizek defende que o comunismo ainda vive, e não mais como resposta, mas como um problema (porque o comunismo sobrevive para apontar que o capitalismo não é a resposta), essa ideologia sobrevive como rizoma, e não como fruto do materialismo dialético. O comunismo não aponta mais para a social-democracia, mas para uma relação entre si mesmo e o mundo. Se o comunismo nasce da preocupação com a prática que vai fundamentar a dialética de forças, ele mesmo se debate e se relaciona com todas as forças que o cercam e o tangenciam. É um problema que talvez nunca seja resolvido, uma equação muito mais complexa do que qualquer matemática binária.
A dialética não funciona mais como resultado diálogo, mas como inclusiva desse diálogo e de tudo que o cerca. O próprio capitalismo se torna parte desse problema, como vimos antes.
O mundo é redondo; pelo menos elíptico. Gira em torno de si e em torno do Sol, que também gira em torno da galáxia. Mas nada é tão chato quanto acreditar que o mundo só se movimenta de uma mesma forma. A cada volta estamos diferentes, cheios de novos significados e significando coisas novas. Nossas raízes buscam muito mais do que apenas alimento e água.
Publicado em 21 de junho de 2011
Publicado em 21 de junho de 2011
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