Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Dois ouvidos, nenhum fone e eu
Tatiana Serra
Prestes a fazer 35 anos de idade, vejo-me num processo mais intenso de autoanálise e reflexão sobre a minha vida. Se fosse só isso, seria ótimo e eu estaria em ideal evolução como ser humano. Porém em vez de só refletir sobre mim mesma, tenho me deparado com uma considerável intolerância, característica que até então não fazia parte da minha personalidade, não dessa maneira tão exacerbada – assim como os indesejáveis fios de cabelo branco, que nascem fortes como os fios de náilon. Estaria eu me deparando com minha persona ou me livrando dela?
Às vezes, tamanha é minha intolerância que não me resta outra atitude senão expor, impor ou “explodir” o que está me incomodando... Como boa libriana em busca de equilíbrio (mas fugindo de toda e qualquer balança), na maioria das vezes tento ponderar entre a imparcialidade e a explosão. Também tento afirmar para mim mesma que estou mais seletiva e não descontroladamente intolerante. Isso não deixa de ser verdade, só que não é a única, infelizmente. Uma vez ou outra, chego a me perguntar se meus 70 anos estão chegando antes dos 35. Será?
Já culpei até a TPM e, para não supervalorizar esse momento, tento me apegar a outra característica, esta sim sempre presente em minha vida: o bom-humor – pelo menos mais presente do que essa recente intolerância, apesar de, confesso, meu humor andar mais para ácido do que para doce... Noutro dia me deparei com uma das coisas que mais me irritam no momento, o barulho excessivo. Senti na pele, ou melhor, no ouvido o que é a “moda do andar sem fone”. Se você não está ligando o nome à pessoa, logo vai entender. Sabe aquele som que, sem pedir licença, invade seus ouvidos? Você está no ônibus e um funk toma conta do ambiente, normalmente ouvido por alguém sem fone que resolve sentar justo do seu lado. Acho que você já sabe do que estou falando. Pois é, foi isso que me aconteceu às 6 horas da manhã de uma segunda-feira.
Juro que, ao ver aquele menino de seus 13 anos segurando seu celular com o som no último volume, cheguei a esperar uns minutos, achando que ele pudesse se ligar e desligar o som. Mas foi em vão. Então, não me contive e acabei falando, mas só para ele e discretamente, embora os passageiros, todos muito incomodados, mas mudos, esperassem um escândalo meu. Pedi com educação que ele colocasse o fone ou desligasse o som... O menino, coitado, estava todo constrangido e só balançava a cabeça concordando com tudo que eu dizia. Ele me olhou com tanta ingenuidade que pude ver que ele não fazia aquilo por um desrespeito consciente, e sim porque todo mundo faz. E sabemos que o “todo mundo faz” é justificativa para muitos excessos. A resposta do menino me deu liberdade para ir além de agradecê-lo pela gentileza. Terminei a “conversa” aconselhando que ele passasse a usar o fone, porque ninguém tem o direito de impor seu gosto musical aos outros. E ele ficou lá, balançando a cabeça.
Em seguida, me senti aliviada com o quase silêncio, mas fiquei me perguntando que verdade é essa que estava eu querendo impor a alguém, assim como o menino do funk. De qualquer forma, aquele momento valeu pela conquista de um merecido quase silêncio para aquela quase madrugada de uma segunda-feira e para mais uma reflexão nos meus quase 35 anos.
Publicado em 19/07/2011
Publicado em 19 de julho de 2011
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.