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Proposta pedagógica Waldorf: ali se colhe o que se planta!

Mariana Cruz

O Jardim-Escola Michaelis, situado em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, é uma das onze escolas no Brasil que seguem a pedagogia Waldorf. Para saber uma pouco mais sobre tal “proposta pedagógica” entrevistamos Denise Rocha Domingues, diretora do Jardim-Escola Michaelis.

Educação Pública – O Jardim-Escola Michaelis segue a pedagogia Waldorf; no que consiste tal pedagogia? Qual sua relação com a Antroposofia?

A pedagogia Waldorf, longe de ser uma pedagogia alternativa, é uma alternativa para quem busca uma educação que tem uma visão mais integrada do desenvolvimento humano e norteia sua prática a partir dessa visão. A grande distinção entre a pedagogia Waldorf e as pedagogias mais tradicionais é a estruturação curricular a partir de um estudo do desenvolvimento humano em três esferas: corpo, alma e espírito. A relação da pedagogia Waldorf com a Antroposofia existe na medida em que esta “entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo. Centrando seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o científico, o cultural e o artístico, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação prática concreta. Sobre a base de sua investigação científica e fiel à ideia do homem como unidade, Rudolf Steiner elaborou uma concepção do ser humano e da vida que deu origem a novos impulsos em todos os setores do conhecimento humano: a Pedagogia, a Medicina, a Arquitetura, a agricultura, a organização social, a arte etc.". É importante lembrar que o Jardim-Escola Michaelis é uma instituição sem fins lucrativos e tem como modelo de administração a autogestão a partir do consenso entre as esferas administrativa, pedagógica e do conselho de pais. Nosso projeto político-pedagógico dá outros esclarecimentos acerca da estrutura organizacional das Escolas Waldorf; ele “busca colocar em prática os princípios da Trimembração Social propostos por Rudolf Steiner: o princípio da liberdade, no âmbito da atividade cultural; o de igualdade, no âmbito jurídico-administrativo; e o de fraternidade, no que diz respeito ao econômico. Segundo esses princípios, a Escola Waldorf é concebida como um micro-organismo social, à imagem do macro-organismo social, em que se diferenciam três subsistemas ou esferas relativamente autônomas, que se inter-relacionam em um balanceado equilíbrio. Entende-se por esfera pedagógica toda atividade concernente à tarefa pedagógica propriamente dita”.

Educação Pública – Como é o dia a dia das crianças que estudam no Jardim-Escola Michaelis?

No Jardim-Escola Michaelis temos a Educação Infantil e o Ensino Fundamental até o 3º ano (a cada ano aumentamos um, numa perspectiva de crescimento orgânico). Cada um desses segmentos tem rotina e elementos pedagógicos distintos. No primeiro segmento, a intenção é que a escola tenha ainda um jeitinho de casa, com ritmo bem definido, ambiente acolhedor, brinquedos que alimentam a criatividade e a capacidade imaginativa da criança. Atividades artísticas, trabalhos manuais, ajuda na arrumação da sala e no preparo do lanche. A professora busca trazer para a sala de aula aquilo que vive na natureza, representando por meio de sementes e imagens o gesto e as qualidades de cada estação do ano. O conteúdo programático é oferecido como uma brincadeira a partir de rodas, cirandas, dramatizações e canções. O "fazer com sentido" e "aprender fazendo" norteiam a prática dos professores. No Ensino Fundamental mantém-se o ritmo e o ambiente acolhedor, agora com cara de escola, com mesas, cadeiras, mas ainda muito focado no processo de ensino-aprendizagem de um organismo integrado em físico-emocional e cognitivo interagindo e apoiando todo o processo. Nesse segmento, a arte é o grande norte do currículo e permeia todo o conteúdo.

Educação Pública – O nome Michaelis tem alguma relação com o método pedagógico da escola? E o nome Waldorf, qual o significado?

O nome Michaelis não tem relação com o método em si; aliás, a pedagogia Waldorf não se considera um método, por compreender esse conceito como algo pronto e acabado, mas sim uma proposta pedagógica que possui uma identidade, um norte em constante processo de maturação e desenvolvimento. O nome está relacionado a um dos vários arquétipos em que buscamos nos inspirar: Michaelis vem do Arcanjo Miguel, relacionado à coragem, à luta do bem contra o mal. Já a origem do nome Waldorf é uma longa história. Em meio ao caos social e econômico que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e após a derrubada das formas sociais existentes, algumas pessoas buscaram construir o futuro da Europa a partir de novas orientações. Nessas circunstâncias, Rudolf Steiner tentou contribuir com novas perspectivas para as primeiras tentativas de autogestão, impulsionando no seio do movimento social de iniciativas da cidadania, em Württemberg, na Alemanha, os princípios da Trimembração do Organismo Social; de tal impulso fundou-se a Escola Waldorf. O nome Waldorf foi retirado de uma fábrica de cigarros, Waldorf/Astoria, em Stuttgart, Alemanha, cujo diretor, Emil Molt, era um comprometido colaborador do Movimento pela Trimembração do Organismo Social. Em virtude da sugestão de Rudolf Steiner, de que os trabalhadores da fábrica deveriam conhecer melhor o propósito de seu trabalho específico e, desse modo, conseguir uma relação mais humana com respeito a ele, Emil Molt, em princípios de 1919, determinou que se proferissem palestras para seus empregados sobre temas sociais e educativos. Como consequência, surgiu entre os trabalhadores o desejo de que seus filhos recebessem uma educação escolar mais adequada às reais necessidades do desenvolvimento humano na modernidade. Por causa disso, Molt dirigiu-se a Steiner e pediu-lhe que ajudasse a organizar, segundo sua concepção socioantropológica, uma escola para os filhos dos operários de sua fábrica. Depois de um intenso estudo sobre pedagogia, didática e metodologia com os docentes que trabalharam com Steiner, para a elaboração da sua proposta pedagógica, em setembro de 1919 começou a funcionar a primeira escola Waldorf, em Stuttgart, Alemanha, com 12 docentes e 256 alunos.

Essa iniciativa foi considerada por testemunhas da época como o ponto culminante e a concretização dos princípios do Movimento para a Trimembração Social. Como escola livre, a escola Waldorf tornava real o impulso da autogestão; como escola para crianças de qualquer procedência, capacidade, raça, religião, plasmava a ideia da coeducação social.

Educação Pública – Quantas Escolas Waldorf existem hoje e como estão distribuídas?

Existem hoje mais de 700 Escolas Waldorf, distribuídas da seguinte maneira:

Nas Américas: 123.

Argentina 4
Brasil 11
Canadá 12
Colômbia 2
Chile 2
Equador 1
EEUU 86
México 2
Peru 2
Uruguai 1

Na África, 13.

África do Sul 11
Egito 1
Quênia 1

Na Ásia, 4.

Israel 3
Japão 1

Na Europa, 549.

Alemanha 167
Áustria 10
Bélgica 20
Croácia 1
República Tcheca 7
Dinamarca 16
Escócia 4
Eslovênia 1
Espanha 2
Estônia 7
Finlândia 19
França 13
Geórgia 1
Grã-Bretanha 24
Holanda 96
Hungria 13
Irlanda 2
Itália 13
Liechtenstein 1
Lituânia 4
Luxemburgo 1
Moldávia 1
Noruega 26
Polônia 3
Portugal 1
Romênia 10
Rússia 18
Suécia 33
Suíça 37

Na Oceania, 37.

Austrália (inclusive Tasmânia) 30
Nova Zelândia 7

Educação Pública – Vocês têm contato com os ex-alunos da escola? Como é a relação com eles? O que eles dizem da escola?

Temos contato com alguns. A maioria tem boa relação com a escola, relação de quem tem boas recordações do período que passou aqui.

Educação Pública – Existe algum curso especializado em pedagogia Waldorf? Qual o pré-requisito para se tornar um professor do Jardim-Escola Michaelis?

Existem vários cursos de formação em pedagogia Waldorf pelo Brasil; em geral eles acontecem em um final de semana por mês, mais duas semanas de imersão por ano com a duração de três anos e meio, ou em quatro semanas de imersão ao longo do ano, com a mesma duração. O único lugar onde há um curso regular com aulas durante os dias da semana é em São Paulo, onde o movimento da pedagogia Waldorf é bem sedimentado. Para o ano de 2012 estamos planejando o início de um curso de formação de professores aqui no Rio de Janeiro, na sede atual do Jardim-Escola Michaelis. Para ser professor do Jardim-Escola Michaelis, precisa, além da formação acadêmica em Pedagogia com habilitação no segmento escolhido, ter cursado ou estar cursando a formação em pedagogia Waldorf.

Educação Pública – Como é o processo de avaliação dos alunos do Jardim-Escola Michaelis?

Como consta em nosso projeto político-pedagógico, consideramos a avaliação um processo diagnóstico, formativo, dialógico e participativo de acompanhamento do desenvolvimento e crescimento do aluno, na busca do equilíbrio harmonioso entre o querer, sentir e pensar. É um processo pedagógico pelo qual se verifica continuamente o progresso da aprendizagem, o desenvolvimento global do aluno, o movimento da criança em direção à sua capacitação e autonomia, ao seu próprio destino e à conquista de liberdade. Além de acompanhar e compreender os avanços, limites e dificuldades dos alunos na aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes, ela deve subsidiar o trabalho pedagógico no aperfeiçoamento da prática docente por meio do redirecionamento do processo ensino-aprendizagem, se necessário. É importante destacar o sentido investigativo e reflexivo do professor sobre as manifestações dos alunos em direção a novos níveis de realização, integridade e senso de liberdade, quando se fala em avaliação. As Escolas Waldorf entendem a sistemática de avaliação como um processo contínuo, dinâmico e cumulativo do desempenho do aluno, com preponderância dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Os aspectos qualitativos referem-se à articulação de conteúdos relevantes com as habilidades e atitudes requeridas para o desenvolvimento, pois, no contexto da sociedade contemporânea, não basta o volume ou a qualidade de conhecimentos. É necessário que os alunos saibam utilizá-los na solução de problemas, na criação de alternativas, na participação em vida de comunidade, na compreensão e reflexão produtiva sobre a realidade, ou seja, no seu pensar, no seu sentir e no seu agir. Acompanhando todos os momentos do ensino-aprendizagem, a avaliação permite que se obtenham informações sobre os progressos e dificuldades dos alunos, adquirindo assim sua verdadeira importância no relacionamento efetivo entre professor-aluno. Nas Escolas Waldorf, o processo de avaliação contínua culmina com a redação de um boletim descritivo que caracteriza o processo de desenvolvimento do educando em seus múltiplos aspectos e que concorre para a formação de uma imagem mais abrangente do aluno. Tal boletim representa uma caracterização do aluno, um diagnóstico sobre suas possibilidades em relação à sua contribuição social; uma proposta de metas e orientações para os próximos passos da aprendizagem; um juízo comparativo dos níveis alcançados e uma análise do trabalho realizado pelo aluno, do ponto de vista global. No boletim, o professor de classe elabora ainda, com base nas observações feitas durante o ano, para cada aluno, um verso que o acompanhará durante todo o ano seguinte. Nesse verso que a criança falará perante a classe uma vez por semana, o professor procura, conforme as necessidades do aluno, passar uma mensagem que lhe faça surgir a força moral para prosseguir no seu processo de aprendizagem de forma harmoniosa. Busca-se que o conteúdo da avaliação considere o processo de desenvolvimento da criança e refira-se à assimilação de conhecimentos, à aquisição e ao desenvolvimento de habilidades, em termos de real vivência, aceitação e a fixação de atitudes, que possam exprimir a integração e adaptação à comunidade, mediante a formação de valores básicos, que garantam a integração ao grupo e o desenvolvimento individual. Assim, os critérios na seleção de instrumentos de avaliação consideram a natureza da disciplina, as particularidades de cada nível de desenvolvimento do aluno, o tipo e o grau de aprendizagem que se esperam.

Nesse sentido, os critérios e instrumentos são os mais variados possíveis:

  • Exercícios em casa e classe, trabalho individual, trabalho em grupo, pesquisa, relatório, experiências em laboratório, construção de objetos, modelagem, pintura, desenho, estudo de caso, estudo do meio, seminário, produção de texto, elaboração de cadernos e livros, jogos diversificados, provas etc.;
  • Observação do professor, considerando no aluno a atenção, o interesse, o senso de responsabilidade, a aplicação ao estudo e pontualidade no cumprimento das tarefas, a participação nos trabalhos de classe e extraclasse, o esforço e o progresso, dentro do equilíbrio harmonioso entre o querer, sentir e pensar.

Para o professor, a avaliação deve subsidiá-lo com elementos para uma reflexão contínua sobre a sua prática, sobre a criação de novos instrumentos de trabalho e a retomada de aspectos que devem ser revistos, ajustados ou reconhecidos como adequados para o processo de aprendizagem individual ou em grupo.

Para o aluno, a avaliação é o instrumento de tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades para a reorganização de sua ação na tarefa de aprender e atuar.

Para a escola, a avaliação possibilita a definição de prioridades e permite localizar quais aspectos educacionais demandam maior apoio, como a formação de professores, suprimentos de materiais, instalações etc.

Também para os pais a avaliação tem grande significado: conscientizá-los continuamente a respeito do desenvolvimentode seus filhos, com o objetivo de obter maior participação e colaboração no processo educativo e formativo do aluno.

Para saber mais sobre a Antroposofia e as Escolas Waldorf, visite os sites da Sociedade Antroposófica do Brasil (www.sab.org.br) e da Federação das Escolas Waldorf (www.fewb.org.br).

Veja entrevistas sobre outras escolas:
Visões sobre a Educação Infantil
Uma escola de crianças arteiras

19/07/2011

Publicado em 19 de julho de 2011

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