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Aulas de Deleuze para todos – a experiência do filósofo na Universidade de Paris 8 Vincennes-Saint Denis

Mariana Cruz

O Centro Universitário Experimental de Vincennes, fundado em 1969, surgiu como uma resposta aos eventos de maio de 1968. A instituição, situada perto de Paris, tornou-se espaço de discussão e liberdade de pensamento naqueles anos de chumbo, sendo por isso palco de violentos confrontos políticos ocorridos no pós-68. Tanto estudantes como professores de Vincennes eram caracterizados por uma postura política e um pensamento mais radical.

O departamento de Filosofia, que normalmente prima por um pensamento destoante do padrão vigente, em Vincennes tinha tal característica mais acentuada ainda. Passaram por lá pensadores como François Châtelet, Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Felix Guattari, Jacques Lacan, Rebérioux Madeleine, Robert Castel, Pierre Lévy. Assim, fica fácil entender por que tal departamento era considerado um dos mais efervescentes e representativos da universidade.

O espírito radical já se encontrava no manancial da universidade, tanto assim que ninguém menos que Michel Foucault foi convidado para participar da sua criação. O filósofo, porém, aceitou apenas estruturar os departamentos de psicanálise (com o lacaniano Serge Leclaire) e de filosofia (com Alan Badiou). E, claro, também deu aulas por lá. Nos primeiros anos de sua criação, a universidade foi vista com maus olhos pelo governo da França. Por tal motivo, o então ministro da Educação, Olivier Guichard, não concedeu validade nacional à licenciatura outorgada por Vincennes, sob a alegação de que a universidade tinha “muitos cursos dedicados à política e ao marxismo”.

Em 1971, dois anos após sua fundação, a Universidade de Vincennes tornou-se Universidade Paris 8 e foi, por fim, concedida sua habilitação para expedir diplomas. Em 1980, a Universidade transferiu-se para Saint-Denis. Um dos cursos mais famosos ministrados por lá foi o de Gilles Deleuze. O filósofo trabalhou na universidade de 1971 a 1987, e lá tratou de diversos temas como Bergson, Kant, Leibniz, Spinoza, cinema etc. Em uma entrevista a Claire Parnet, Deleuze falou sobre sua experiência em dar aulas em Vincennes. Ele afirmou que foi a partir de então que parou de ter um público composto somente por estudantes; era um novo tipo de público, pessoas de todas as idades, diversas profissões, inclusive doentes do hospital psiquiátrico. E era justamente tal variedade de pessoas que parecia dar unidade a Vincennes. Deleuze afirma ter construído sua vida de professor lá. Diz ainda que, se tivesse que ir para outras faculdades não se reconheceria, pois sempre quando visitava outra instituição tinha a sensação de voltar no tempo, de estar regredindo ao século XIX: Em Vincennes, eu falava na frente de pessoas que eram uma mistura de tudo: jovens pintores, pacientes psiquiátricos, músicos, drogados, jovens arquitetos, gente de muitos países. Tudo isso variava de um ano para outro. Num ano, apareciam de repente cinco ou seis australianos. No ano seguinte, não estavam mais lá. Os japoneses eram uma constante, de 15 a 20 todos os anos. Os sul-americanos, os negros, tudo isso é um público inestimável, é um público fantástico”.

Suas aulas ministradas para todos os públicos, filósofos ou não, fizeram-no pensar criticamente na ideia vigente de que filosofia deve ser dirigida somente a estudantes de Filosofia. Por que não pode ser como música, que é dirigida a todos? Ou como a pintura, que não é uma arte dirigida somente a pintores. Isso não significa, porém, que a filosofia, quando dirigida a não filósofos, deva ser facilitada ou dada de maneira mais didática, da mesma forma que a música de Beethoven não é modificada para ser ouvida por não especialistas.

Por tais experiências é que a Universidade Paris 8 Vincennes-Saint Denis se propõe, até hoje, a ser uma instituição aberta a diversos públicos, estudantes de toda parte do planeta. Aliás, não seria essa a função de todas as universidades, tornarem-se "universidade-mundo" de fato?

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26/07/2011

Publicado em 26 de julho de 2011

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