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Um diálogo que mudou minha vida

Luing Argôlo Santos

No fim da tarde de sexta-feira, como já era rotina minha, havia parado na lanchonete da esquina para tomar um cafezinho, que eu considerava sagrado, antes de voltar para o trabalho. Ao sentar, o garçom já sabia meu rotineiro pedido. Bastou apenas que eu acenasse para ele vir me servir. Notei que naquele dia havia dois senhores sentados à mesa, conversando com um entusiasmo que contagiava quem presenciasse a cena.

Ambos tinham fisionomias bem diferentes das pessoas que frequentemente visitavam aquele lugar. Eram bastante idosos, porém ainda cheios de vigor. O aspecto dos dois era de pessoas sofridas e castigadas pelo tempo. Assemelhavam-se com militares aposentados que serviram na guerra. Entretanto, se olhássemos com atenção, podíamos perceber que eles outrora eram jovens de bela aparência e continuam a ser senhores de muita elegância. Foi essa a sensação que tive ao analisá-los disfarçadamente. Tais características estimularam minha curiosidade. Descobri, escutando-os conversar com o garçom, que o mais velho se chamava Amor, e o outro, que possuía uma aparência física bastante parecida com a do primeiro, Altruísmo.

Meus filhos costumam me criticar, dizendo que tenho ouvidos de tuberculosa, pois volta e meia escuto algumas de suas conversas particulares. Muitas vezes é sem querer, mas hoje confesso que estava deveras interessada em escutar os pormenores daquele bate-papo. Fingi que estava prestando atenção às pessoas que passavam na rua e me empreendi em ouvir aquele curioso diálogo. Lembro-me de Altruísmo perguntar:

– Amor, anuncia-se por aí que tu és a salvação para todos os problemas do mundo, inclusive a violência. Ainda ontem estava escutando algumas músicas que falam sobre ti. Elas afirmam enfaticamente que você é o sentido de existirmos e que o mundo seria melhor se todas as pessoas tivessem intimidade contigo. Por causa disso, além do fato de sempre ter sido seu admirador, decidi marcar esse encontro para poder aprofundar nossos laços de amizade.

– Na verdade, Altruísmo, eu também sempre tive o desejo de te conhecer, respondeu Amor. Ouvi dizer que você era um indivíduo espontâneo (e estou comprovando isso agora), que gostava de fazer as pessoas felizes e que se importava mais com os outros do que consigo mesmo. Tenho ouvido muitos boatos a seu respeito (sempre sobre suas qualidades, pois odeio a difamação). Disseram-me outro dia que você divide todos os seus bens com os pobres e só trabalha com o intuito de ajudá-los. Isso é uma postura admirável! As pessoas deste mundo têm muito a aprender com você.

Enquanto eu tentava ouvir o restante da conversa, passou uma motocicleta com um ronco perturbador (bem peculiar de cidade grande), e só consegui ouvir Altruísmo repetir para Amor que o admirava em demasia. Então, o último, com toda a sua discrição e serenidade, se pronunciou:

– Não sou nada sem você!

Aquela foi a única frase que saiu de sua boca naquele momento. Senti-me então hipnotizada por alguns instantes e não escutei mais nada, nem proferi uma única palavra por horas. Vaguei em milhares de pensamentos, refletindo naquelas cinco modestas palavras. Até hoje posso me lembrar daquele pacífico tom de voz.

Alguns dias depois, antes de ir para o trabalho, meu marido me pediu um favor que me recusei a fazer. Nós nos despedimos e eu, como de costume, falei que o amava. Quando comecei caminhar para o trabalho, percebi a incoerência das últimas palavras que havia proferido. Só a partir daí minha vida se encheu de significado e pude então entender o verdadeiro sentido daquela frase.

Publicado em 26/07/2011

Publicado em 26 de julho de 2011

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