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O que é um mito?

Fábio Souza C. Lima

Historiador e filósofo, especialista em Educação, professor

Num primeiro momento da história da humanidade, as tentativas de explicação de fenômenos naturais como a chuva e o crescimento das plantas não contavam com experimentos ou tinham cientistas para estudá-los. Ao invés de responder aos jovens com um discurso repleto de argumentos, que poderiam ser experimentados por qualquer um, normalmente usava-se uma história fantástica para dar fim à questão.

A palavra mito, até os séculos IV e V a. C., tinha um peso diferente do que damos a ela hoje. Sua origem, do grego mythos, tem como significado narrar, contar, anunciar... O mito, portanto, constitui-se como uma narração de alguma coisa a alguém. Essa narração é sempre de uma história sagrada, de um tempo primordial, inflamada aos ouvidos dos poetas por musas que, ao cantar, transmitem as verdades absolutas. Era necessário então um narrador, um responsável por transmitir o conhecimento baseado nas histórias fantásticas de deuses e ao menos um ouvinte que acredite piamente nas palavras do seu interlocutor.

Os narradores dessas histórias são os poetas-aedo e poetas-rapsodo. O primeiro, que presenciaria os acontecimentos, era acompanhado de um instrumento musical chamado de forminx; o segundo, que historicamente surgiu mais tarde, declamava poemas em pé, sem o auxílio de instrumentos. Nessa ordem, o mito como poesia passava da musa para o poeta aedo e, mais tarde, para o rapsodo. Eram homens considerados “escolhidos pelos deuses”, cujo pensamento não tinha compromisso com a lógica ou razão, mas suas palavras tinham a força da verdade absoluta (dogmas), pois as coisas que eles diziam, os mythos, eram sagradas, incontestáveis, inquestionáveis.

Os poetas-aedo e rapsodo são as autoridades de um período antes do surgimento da filosofia, antes do surgimento da ciência e que deve contar como se originam todas as coisas, relacionando-as às divindades e ao destino dos homens. Essas gêneses ou genealogias (origem das coisas) são chamadas cosmogonias ou teogonias, pois apresentam-se como uma tentativa de organização do surgimento das coisas. A palavra cosmo ou Kósmos, de origem grega, significa literalmente organização, ordenação. Cosmogonia seria a organização do universo, e teogonia seria organização do saber sobre os deuses. As duas formas nos servem neste processo de estudo. A seguir, veremos que o surgimento da filosofia implicará a transformação desses termos. A cosmogonia vai dar lugar a cosmologia, pois logia, também de origem grega, significa razão, ciência, estudo de algo, conforme descreveremos mais adiante.

Nesse período histórico da região que chamamos hoje de Mediterrâneo, que perdurará até os séculos VI e V a. C., Hesíodo e Homero são os poetas mais conhecidos. O primeiro, viveu em Ascra, no século VII a. C. Escreveu a obra que virou referência para o conhecimento do panteão grego (conjunto de deuses da religião), a Teogonia, também conhecida como Genealogia dos deuses. O segundo viveu no século VIII a. C. e a ele é atribuída A Ilíada, obra cuja origem deriva do outro nome conferido à cidade de Troia, Ílion, e também onde encontramos histórias de vários heróis e semideuses, como Agamenon, Aquiles, Ájax e Odisseu. Homero, além disso, ficou conhecido pela Odisseia, que conta a relação de Odisseu (em latim, Ulisses) com os deuses durante a sua volta para casa, depois da guerra em Troia. No próximo tópico está uma breve relação dos deuses e a origem deste mundo como conhecemos na mitologia grega.

Principais divindades gregas e a origem do homemBibliografia

Entidades primordiais

Caos – Deus do vazio, do indefinido, do antes da criação dos mundos; de forte poder, gerou a si mesmo.

Gaia (Geia ou Gê) – Segunda entidade primordial a surgir sozinha, criou Uranos por vontade de unir-se a um igual. Deusa da Terra. Tinha o poder de prever as coisas e grande capacidade geradora, tendo como filhos toda a geração de Titãs (Urano, Reia, Oceanus (Rios), Mnemosine (Memória), Têmis (Lei), Tétis...), Ciclopes (homens gigantes com apenas um olho) e Hecatônquiros (gigantes com 100 mãos e 50 cabeças).

Urano (Uranus) – Deus do Céu, casado com a própria genitora, Gaia. Assim como a mãe e esposa, tinha capacidade de enxergar o futuro.

Alguns titãs

Cronos (Satuno) – Filho de Urano e Gaia. A pedido da mãe, que queria se libertar das dores que sentia ao parir os filhos de Uranos, Cronos castrou o pai, separando a Terra e o Céu. Assim, jogou os testículos de Uranos no mar, tendo, porém, algumas gotas de sangue caído na terra, fecundando ambas as regiões com muitas espécies. Cronos aprisionou os seus rivais, os Ciclopes e os Hecatônquiros. Uniu-se à sua irmã, Reia, gerando a classe dos Deuses. Foi advertido por Urano de que seria destronado por um de seus filhos. A fim de se prevenir contra qualquer golpe, passou a devorar os filhos assim que nasciam.

Reia – Filha de Urano e Gaia, conhecida como Mãe dos Deuses (Poseidon, Hades, Hera, Hestia, Deméter, Zeus), esconde em uma caverna, com orientação de Gaia, o último de seus filhos, Zeus. Reia engana Cronos, dando-lhe para devorar uma pedra envolta em um pano, representando um de seus filhos.

Prometeu – Significa pré-pensador, aquele que analisa antes de fazer. Em versões diferentes, filho de Jápeto e Ásia, oriundo de Oceanus ou Têmis.

Epimeteu – Irmão de Prometeu e Atlas. Seu nome significa pós-pensador; age e depois pensa. Casou-se com Pandora, que significa possuidora de todos os dons.

Atlas – Irmão de Prometeu e Epimeteu. Esteve com os Titãs na guerra contra Zeus. Derrotado, foi condenado a sustentar a Terra sob suas costas para sempre.

Os primeiros deuses

Zeus (Júpiter ou Jove) – Escondido em uma caverna, tornou-se adulto e desafiou os Titãs numa guerra pelo Universo que durou cem anos. Aconselhado por Gaia, Zeus libertou os Ciclopes e Hecatônquiros, envenenou o pai para que vomitasse os seus irmãos e, após, com a ajuda deles, venceu Cronos. Na vitória, dividiu a conquista com dois irmãos, Poseidon e Hades. Reclamou o Monte Olimpo para si, onde vive com os demais deuses. Zeus tornou os Ciclopes seus ministros, que presentearam Poseidon com o Tridente e ajudaram a Hefesto na concepção dos seus famosos raios. Tornou os Hecatônquiros responsáveis por vigiar os Titãs que poderiam ameaçá-lo, o que inclui o famor Kraken.

Métis (Prudência) – Primeira esposa de Zeus. Conhecida como Deusa da Prudência, a filha de Tétis e Oceanus foi quem forneceu a Zeus o veneno para que Cronos vomitasse os outros filhos. Durante sua união, da mesma forma que aconteceu à Cronos, Zeus foi advertido por Gaia de que Métis daria à luz um filho que roubaria seu trono. Zeus, decidido de que consigo seria diferente, engoliu Métis. Zeus teria então ficado mais perspicaz e inteligente após tal acontecimento.

Hera (Juno) – Deusa dos ciúmes e da família, foi a segunda esposa do Rei dos Deuses. Unindo-se a Zeus, gerou Ares, Hefesto e Hebe, entre outros. Vingativa e ciumenta, tentou derrubar Zeus do trono ao saber de suas inúmeras traições. Hera também seria responsável por fomentar a Guerra de Troia, quando, ao ser preterida pelo príncipe Páris de Troia, que julgou Afrodite a mais bela das deusas, colocou as nações em guerra para se vingar do jovem príncipe.

Deméter (Ceres) – Deusa do trigo, da terra cultivada; donde deriva o termo cereal.

Hestia (Vestia) – Deusa virgem que assegurava o fogo e segurança dos lares.

Poseidon (Netuno) – Tornou-se soberano dos mares após os Titãs serem destronados.

Hades (Plutão) – Deus do Tártaro, o mundo dos mortos.

Outras divindades

Hefesto – Deus do fogo e das habilidades técnicas.

Ares (Marte) – Deus da guerra, filho de Zeus e protegido de Hades.

Afrodite (Vênus) – Deusa do amor, da beleza, esposa de Hefesto e amante de Ares; mãe de Eros.

Apolo – Deus da música, da poesia e da profecia; sua carruagem levava o sol diariamente para o céu. É costumeiramente identificado também com os deuses solares Febo e Hélios.

Ártemis (Diana) – Deusa dos bosques, das montanhas e da caça; irmã gêmea de Apolo;

Palas Atena, Atena ou Ateneia (Minerva) – Nasceu de Métis, que estava dentro do estômago de Zeus. Deusa virgem, nasceu depois de uma grave dor de cabeça de Zeus, que, com auxílio de Hefesto, abriu o próprio crânio para sua retirada. Ateneia é a deusa da estratégia militar e da sabedoria; protetora da cidade de Atenas.

Eros (Cupido ou Amor) – Deus do amor inquieto; filho de Ares e Afrodite. Eros teve um famoso romance com a humana Psique, de onde deriva o termo psicologia.

Hebe – Deusa da juventude.

Ilítia – Deusa que preside os partos.

Hermes (Mercúrio) – Mensageiro dos Deuses.

E o homem?

A história da humanidade tem versões bem diferentes para sua origem dentro da mitologia grega. Numa delas, Gaia, após ter ajudado Zeus em sua rebelião contra Cronos, se revoltou mais uma vez e produziu inúmeros seres andróginos, ou seja, entidades com os dois sexos, duas cabeças, quatro pernas e braços, unidos pela coluna vertebral.

Esses andróginos, saídos do chão, estavam destinados a escalar o Monte Olimpo e destruir Zeus, que, aconselhado por Têmis, lançou raios que dividiram e enfraqueceram as criaturas. Segundo o dramaturgo Aristófanes, que discursa no livro O Banquete, de Platão, esses andróginos poderiam ser masculinos/masculinos, masculinos/femininos ou femininos/femininos, o que explica os amores heterossexual e homossexual. Eles teriam sido separados pela petulância de tentar vencer Zeus, sendo então relegados à fraqueza da vida separada e condenados a buscar as suas metades por todo seu tempo de vida.

Gaia revoltou-se ainda duas vezes contra Zeus, mas foi derrotada. Até que, em um acordo, Gaia se comprometeu a não se levantar mais contra o Rei dos Deuses. Em contrapartida, Gaia foi recebida no Olimpo para viver entre os deuses.

Em outra história que conta a origem da humanidade, a Terra, já acalmada das guerras, foi organizada nas formas que conhecemos hoje: montanhas, morros, rios pequenos, longos, pedras de diversas formas etc. Não se sabe qual deus foi responsável por isso, mas aos Titãs Prometeu e Epimeteu teria sido incumbida a tarefa de criar diversos animais para habitar a Terra. Epimeteu encarregou-se executar a obra com a supervisão do irmão. Foram criados diversos animais do simples barro, e a eles foram dadas qualidades e características diferentes, como carapaças, garras, asas etc. Contudo, ao criar o animal homem, Epimeteu já havia esgotado os dons a presentear. Decidiu então procurar Prometeu para saber o que fazer. Este sugeriu que o homem estivesse acima dos outros animais criados. A sua cabeça deveria ser posta numa posição possível de olhar as estrelas, ou seja, o homem, que não olha para o chão como os outros animais, seria capaz de maravilhar-se, de admirar, de questionar...

Sabendo da criação do homem, Zeus presenteou Epimeteu com a versão feminina do animal criado pelos Titãs. A primeira mulher tinha sido criada no Olimpo, com a ajuda de vários deuses. Entre outros, Afrodite forneceu a beleza, Apolo forneceu a música... Hermes, porém, colocou em sua alma a mentira e a traição. Prometeu advertiu o irmão de que Zeus não era confiável, mas Epimeteu aceitou de bom grado o presente. Dentre os muitos artigos distribuídos na concepção dos animais, Epimeteu não usou nenhum que pudesse ser maligno às suas criações. Guardou cuidadosamente esses artigos ruins em uma caixa em sua residência. Certo dia, tomada de grande curiosidade, Pandora destampa a caixa para olhar o seu interior. Nesse fatídico momento sai da caixa uma multidão de pragas, doenças, mazelas e sentimentos mesquinhos, tomando toda a Terra e atingindo as criações de Epimeteu e Prometeu. Pandora se apressou em fechar a caixa; tudo em vão, conseguiu evitar que apenas um sentimento escapasse: a esperança.

Provavelmente você se perguntou: o que a esperança estava fazendo junto a esses sentimentos malignos? Bem, uma outra versão diz que Zeus teria dado Pandora a Epimeteu de bom grado e ela teria levado junto de si uma caixa com presentes que os deuses deram aos Titãs. Ao abrir a caixa, os sentimentos se esvaíram, com exceção da esperança. Sem dúvida essa é uma versão mais interessante para o uso da expressão “A esperança é a última que morre”!

Contudo, mesmo a capacidade de admirar e questionar não asseguraria ao homem a supremacia diante dos outros animais. Prometeu, então, resolveu roubar o fogo, que até então era exclusivo dos deuses, dando-o aos homens. O domínio da tecnologia do fogo finalmente assegurou o desenvolvimento do animal humano; com ele, o homem construiu armas e ferramentas, cultivou a terra e aqueceu sua casa, tornando-se relativamente independente do clima, e ainda desenvolveu o comércio, ao cunhar moedas. Zeus, porém, inconformado com a atitude de Prometeu, ordenou a Hefesto que aprisionasse o Titã no alto do Monte Cáucaso, onde um abutre, corvo ou águia devoraria diariamente parte do seu fígado. Sabendo da propriedade do órgão de se regenerar, Zeus estabeleceu um castigo de trinta mil anos ao Titã.

Bibliografia

ELIADE, M. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.

Publicado em 09/08/2011

Publicado em 09 de agosto de 2011

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