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Pensando em uma outra forma de Educação

Janaina Pires Garcia

Doutoranda em Educação (PPGE/UFRJ), professora de Sociologia no Ensino Médio

A educação desempenha papel fundamental na formação do indivíduo, pois ela constitui no íntimo das interações do mundo adulto com as crianças e adolescentes as condições essenciais da existência numa sociedade; logo, uma das suas principais finalidades consiste em promover o ser social.

A relevância da educação não é uma questão atual. Desde a Grécia antiga (Ghiraldelli, 2003) os filósofos gregos do período clássico deram, de forma quase unânime, importância singular à educação. Sabemos, por exemplo, que os sofistas foram educadores profissionais. Eles teorizaram sobre o valor e o sentido de educar, ainda que seus principais escritos não tenham chegado até nós. Entre eles, Antifonte (Ghiraldelli, 2003), que afirma, segundo um fragmento conservado, ser a educação o que há de principal para os seres humanos e que, quando se semeia em um corpo jovem uma nobre educação, ela floresce para sempre, faça chuva ou faça sol. Platão (2001) se questionava como enfrentar o problema da degradação dos jovens e o que fazer para canalizar melhores naturezas para o melhor projeto político. A chave para a interpretação desse problema é educativa: esses jovens se corromperam porque não receberam a atenção e o cuidado que mereciam de quem governava o conjunto. Platão (2001) afirma que é necessário, então, pensar um outro cuidado, outra criança, outra educação, uma experiência infantil de verdade e da justiça que preserve e cultive o que nessas naturezas há de melhor e o ponha a serviço do bem comum.

Os primeiros momentos são os mais importantes da vida, já dizia Sócrates (Platão, 1987). Por isso não se permitirá que as crianças escutem os relatos que contêm mentiras, opiniões e valores contrários aos que se espera deles no futuro. Porque se pensa a vida como uma sequência em desenvolvimento, como um devir progressivo, como um fruto que resultará das sementes plantadas; tudo que venha depois dependerá desses primeiros passos. As marcas que se recebem na mais tenra idade são difíceis de ser modificadas e corrigidas mais tarde. Por isso deve-se cuidar especificamente desses primeiros traços, por sua importância extraordinária para conduzir alguém para a virtude.

Nesses traços platônicos está retratada a imagem da infância que ainda acompanha o pensamento educacional. É fundamental, segundo Platão (2001), que nos ocupemos das crianças e de sua educação, não tanto pelo o que os pequenos são, mas pelo que deles devirá, pelo que se gerará em um tempo posterior. A educação da infância tem projeções políticas: uma boa educação garante um cidadão prudente. É certo que há naturezas mais dispostas para a virtude, mas também é verdade que uma boa educação pode corrigir uma má natureza e que uma educação inadequada faz estragos nas melhores naturezas. A natureza dos seres humanos não está dada de uma vez por todas, mas vai se constituindo em função de certa educação que a transforma de geração em geração. Uma criação e uma educação valiosas produzem boas naturezas e estas, valendo-se de tal educação, se tornam melhores que as anteriores e assim sucessivamente.

Nesse sentindo, Nietzsche, que acompanha o pensamento platônico, na Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida (1976) e na Terceira consideração intempestiva: Schopenhauer educador (1976), pensa um novo tipo de educação ministrada pelos estabelecimentos de ensino de sua época e percebe que esta visa formar determinados tipos de homem para os interesses do Estado, da ciência e do mercado; ou seja, a educação possui finalidade clara e limitada, e uma das suas premissas é a potencialização de características comum dos sujeitos, a fim de que possam movimentar as engrenagens da sociedade em detrimento do desenvolvimento das singularidades e do potencial criativo. Uma característica marcante dessa educação é o uso excessivo da memória como técnica didática. Como alternativa a esse tipo de educação, Nietzsche propõe a educação e o cultivo de si, não como um individualismo exacerbado – tão em voga nos tempos atuais, fomentado pelo neoliberalismo –, mas um adestramento de si, das forças plásticas, das características próprias de cada sujeito e de seu potencial criativo, por meio de uma educação que promova as capacidades intelectuais, artísticas, emotivas e físicas de cada discente.

Nietzsche é considerado geralmente como filósofo da vida, pois a coloca como referencial para as suas avaliações. Ele afirma que a sociedade pós-platônica estaria baseada em valores antivitais. Tal análise revela que a civilização ocidental, a partir de Platão, fundamentou seus valores com base numa visão dualista que cindia o homem e o mundo. Dessa maneira, o homem estaria condicionado por uma série de dicotomias, como corpo/alma, essência/aparência, razão/instinto e o mundo em mundo inteligível/mundo sensível.

Nessa perspectiva dicotômica, sempre um dos polos (essência, razão, alma e mundo inteligível) seria priorizado em detrimento do outro polo (corpo, aparência, instinto, mundo sensível, respectivamente). Ao estruturar-se sobre tais valores, a sociedade ocidental, para Nietzsche, afastou-se paulatinamente da vida ao afirmar suas crenças em parâmetros metafísicos e, principalmente, por negar os critérios considerados pelo filósofo como vitais para o vigor de uma cultura: a afirmação do corpo, da terra, dos instintos e a exaltação da força plástica do homem.

Nietzsche (1974) percebeu que essa estrutura dualista influenciou todas as esferas da cultura, assim como todos seus monumentos e instituições, dentre os quais o Estado, a religião e os estabelecimentos de ensino. Em sua análise genealógica, o autor apresentou não só a origem de tais valores, mas também desvelou o caráter antivital que impregnou tais esferas da cultura. Por isso, ele pôde perceber como a educação ministrada nos estabelecimentos de ensino era baseada nesses valores antivitais e se tornou uma das ferramentas mais eficazes não só para promover a separação entre o homem e vida como também para o empobrecimento da existência. Constatou como a educação fazia com que a força e a criação – aspectos considerados típicos do homem forte, que possui excedente de potência – fossem submetidas em prol do desenvolvimento de homens massificados, em série, de características que fossem comuns a todos os sujeitos, submetendo suas singularidades. Essa tendência uniformizadora levou a que a memória fosse uma das formas mais utilizadas para educar.

A partir dessas considerações de Nietzsche comecei a refletir como se poderia construir uma educação mais vital, uma educação que não privilegiasse a memória nem uma forma mecânica. Uma educação que fosse capaz de desenvolver no indivíduo outras capacidades de percepção, mais reflexiva e sensível.

Além de Friedrich Nietzsche, outro filósofo, Jean François Lyotard, de origem francesa e mais contemporâneo (1924-1998), se preocupou com uma outra forma de educação e com o estatuto do saber nas sociedades ditas pós-modernas e pós-industriais.

Em sua obra A condição pós-moderna, Lyotard aponta que o objeto de seu estudo é a modificação na natureza mesma da ciência (e da universidade) provocada pelo impacto das transformações tecnológicas sobre o saber nas sociedades pós-industriais mais desenvolvidas, denominada cultura “pós-moderna” a partir do final do século XX.

Para ele, as universidades e demais instituições de ensino estavam preocupadas em formar competências, e não mais ideais: a transmissão dos saberes não aparece mais como destinada a formar um grupo capaz de guiar a nação a sua emancipação, mas sim de fornecer ao sistema jogadores capazes de assegurar convenientemente seu papel junto aos postos pragmáticos de que necessitam as instituições.

Lyotard, preocupado com as grandes possibilidades de informação e comunicação patrocinadas pelas novas tecnologias, que considera uma importante fonte de produção, procura analisar o conhecimento à luz destas, relacionando com elas sua produção, disseminação e uso (Harvey, 2007). Para o filósofo francês, o saber humano sempre foi envolvido por narrativas que lhe deram sentido e legitimidade. Tradicionalmente, o saber popular, mediante suas fábulas edificantes ou pragmáticas e tornadas legítimas pela autoridade do narrador, antigo ouvinte, encontrava em seu próprio contexto cultural competência e aplicabilidade.

Posteriormente, o saber (moderno-científico) foi legitimado pelo discurso científico ou filosófico. Esse mesmo saber, com suas regras de linguagem, seus códigos inacessíveis, tornou-se cada vez mais um componente social restrito a pequenos grupos, ao mesmo tempo que adquiriu características cognitivas ou prescritivas cuja aplicabilidade se efetivou por meio do consenso dos próprios cientistas.

Para o autor, ciência e sociedade se constituem, em nossa contemporaneidade, numa complexa rede de “jogos de linguagem” (Lyotard,1998), com seus próprios conteúdos e regras de legitimação, sem possibilidade de entendimento. A interpretação homogênea dos acontecimentos, que no início da Era Moderna se dava por narrativas científicas ou filosóficas legitimadoras do saber, perdeu sua validade. Para Lyotard, o conhecimento hoje está sempre se codificando e recodificando das mais diferentes maneiras, em função da transformação das condições técnicas e sociais da comunicação.

Ao contrário de Nietzsche, que percebe uma educação mecânica em sua época, mas que não propõe uma solução, Lyotard (1998), consciente da “mercantilização” do saber nas sociedades contemporâneas, isto é, um saber que virou produto de troca, busca uma alternativa em um dos aspectos mais positivos da pós-modernidade: o reconhecimento e o convívio harmonioso com as diferenças. No campo dos saberes, o reconhecimento das diferenças passa pelo o que ele chama de “paralogia”(Lyotard,1998), que significa que um bom saber é aquele que percebe anomalias e constrói novos conceitos. O que legitima o saber seria seu aspecto mais criativo. Descobrir, em uma infinidade de informações que bombardeiam a todo instante nossos sentidos, aquelas que são relevantes e se tornarão conhecimento.

Esse novo tipo de ciência não vai depositar sua confiança na lógica, pois se caracteriza pelo raciocínio imperfeito, propositadamente contraditório, que vai ocupar o papel da legitimação do saber na era da fragmentação pós-moderna. No horizonte de possibilidades da “paralogia”, Lyotard coloca a capacidade de transformação das próprias estruturas da razão. Declarando o critério de validação pelo consenso como insuficiente, pelo fato de estar atrelado à metanarrativa da emancipação, o filósofo deposita a confiança no “pequeno relato” (Lyotard, 1993) como a forma por excelência que vai orientar a invenção imaginativa. Para ele, a invenção sempre nasce do dissenso, e dessa forma, ele deposita a esperança no fato de que o conhecimento pós-moderno abriria nossa sensibilidade para a diferença e aumentaria nossa potencialidade de tolerar o não ortodoxo e o incomensurável.

Assim, percebe-se que a informatização tecnológica do saber, ocorrida a partir da Revolução Industrial, e a telematização, circulação de imagens e sons, determinam a aceleração intensa dos conhecimentos que modificam nossa vida cotidiana, conforme as idéias retratadas por Lyotard. Ficam-nos algumas perguntas: diante disso, é possível acompanhar esse movimento constante de tantas informações na sociedade hoje? Como a escola está reagindo frente a tudo isso?

As consequências da evolução das novas tecnologias, centradas na comunicação de massa, na difusão do conhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no ensino – como previra McLuhan já em 1969 –, pelo menos na maioria das nações.

A educação opera com a linguagem escrita, e a nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma nova linguagem: a da televisão e a da informática, particularmente a linguagem da internet. A cultura do papel representa talvez o maior obstáculo ao uso intensivo da internet; por isso os jovens que ainda não internalizaram inteiramente a cultura do papel adaptam-se com mais facilidade que os adultos ao uso do computador. Eles já nascem com essa nova cultura, a cultura digital.

Os sistemas educacionais, na minha opinião, ainda não conseguiram avaliar suficientemente o impacto da comunicação audiovisual e da informática, seja para informar, seja para bitolar ou controlar as mentes. Trabalhamos muito, ainda, com recursos tradicionais que têm pouco apelo para as crianças e jovens. Os que defendem a informatização da educação sustentam que é preciso mudar profundamente os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvolver a memória. Para ele, a função da escola será cada vez mais ensinar a pensar criticamente. Para isso, é preciso dominar mais metodologias e linguagens – inclusive a linguagem eletrônica.

Infelizmente, a escola contemporânea parece ter embarcado plenamente na imagem de que é o estudo da cultura escrita ocidental que deve ser objeto de estudo nas escolas. Os suportes gráficos – o livro, o caderno e o quadro-negro – ainda constituem a tecnologia básica das salas de aula.

Nossa civilização se fundava antes sobre os escritos e a palavra; nossa vida mental e o processo essencial que é a comunicação entre os homens repousavam principalmente sobre a reflexão e o raciocínio discursivos. Pois tudo que os outros querem nos comunicar deve ser primeiro analisado de maneira lógica e racional, e decomposto em elementos que são em seguida reunidos de novo no quadro das estruturas gramaticais. Mas a aparição de outras formas de linguagem colocou à nossa disposição um modo de comunicação não discursivo que implica a adoção de novas regras em matéria de pensamento e de raciocínio e orienta nosso espírito em direção a outros processos de aquisição de conhecimento.

As crianças e jovens de hoje escapam ao isolamento geográfico, social e cultural que sofriam as gerações anteriores. Estas, por sua vez, só conheciam sua cidade natal e não possuíam outros horizontes. A tela do computador, da televisão e do cinema, por exemplo, fez de nós cidadãos do mundo. A juventude de nossa época se encontra colocada de forma mais frequente e direta na presença de ideias, de tradições e normas diferentes do seu meio de origem; ela se coloca igualmente colocada diante do que se chama “novas linguagens”.

Em razão da extensão cada vez maior que adquirem os meios de informação e, em particular, os meios de informação visual, é indispensável atribuir um lugar entre as atividades e assuntos de interesse que influenciam o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes.

Nesse sentido, proponho pensar outra forma de educação, mais “vital”, nas palavras de Nietzsche, e menos mecânica, que construa o saber, o conhecimento por meio da experiência ao mesmo tempo sensível, cognitiva, sociocultural e técnica que é a fornecida pelas novas tecnologias.

Logo, podemos pensar como essas novas tecnologias vêm entrando no contexto escolar observando como as instituições de ensino reagem a isso. Qual impacto isso causa na escola? Como a escola reage à “crise do saber” (Lyotard, 1998)? Será através da inserção dessas novas tecnologias? E se for, quais linguagens são utilizadas? Como as novas tecnologias, nesse contexto, ajudariam numa educação menos mecânica, que pudesse desenvolver no indivíduo outras capacidades de percepção? Seria uma educação mais reflexiva e crítica?

Como Lyotard afirma na entrevista a Kechikian (1993, p. 50), desse ponto de vista a finalidade que atribuiria à educação seria "tornar as pessoas mais sensíveis às diferenças, fazê-las sair do pensamento massificante", sendo necessário formar o espírito para a complexidade na contemporaneidade. Na entrevista, Lyotard argumenta também que, se tivesse que pensar num sistema educativo para a realização dessa finalidade, ele o formularia à luz de uma política da resistência, isto é, uma resistência ao pior, "quer dizer manter um número de ideias a favor e contra tudo", mesmo que elas não possam ser aplicadas de imediato. Ele defende, em síntese, uma “adaptação ao complexo”, refreando aquilo que tende ao maciço e ao simplista e que, na perspectiva de sua “rescrita da modernidade”, se converteu à pós-modernidade. Desse modo, o filósofo francês problematiza qualquer pedagogia que se pretenda iluminista, com exceção daquela que elabora o trabalho de luto ou de perlaboração do humanismo nos termos da “rescrita da modernidade”, perspectivando politicamente uma educação capaz de resistir ao totalitarismo e de tornar as pessoas sensíveis às diferenças.

Dessa maneira, podemos observar como os dois filósofos, Nietzsche e Lyotard, pensam uma outra forma de educação. Ainda que seja tardiamente, a experiência com esse outro tipo de educação proposta pelos dois autores poderia levar os indivíduos ao reconhecimento de sua incompletude, da insatisfação que ela gera e que faz buscar a criação. Isso implicaria o compartilhamento de uma sensibilidade incomunicável e o reconhecimento de uma menoridade intelectual que, ao invés de gerar imobilização, levaria a uma atitude de resistência ao existente e de ruptura com ele, por meio da criação de outros modos de pensar e de agir sobre e no mundo.

Referências bibliográficas

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GHIRALDELLI, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira. Barueri, São Paulo: Manole, 2003.

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KECHIKIAN, A. Os filósofos e a educação. Lisboa: Colibri, 1993, p. 47-53.

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LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

LYOTARD, Jean François. O pós-moderno explicado às crianças: correspondência 1982-1985. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

McLUHAN, Marshall. O meio é a mensagem. São Paulo: Record, 1969.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Considerações Intempestivas. Lisboa: Presença, 1976.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sur l’avenir de nos établissements d’enseignment. Paris: Gallimard, 1974.

PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001.

PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

Publicado em 09/08/2011.

Publicado em 09 de agosto de 2011

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