Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Agrotóxicos: uma praga para a saúde do homem

Mariana Cruz

“Você é o que você come”. Frases como essa sempre nos fazem repensar o tipo de alimentação que temos. Se nossa dieta for à base de frituras, gorduras saturadas, açúcar ou sal em excesso, algum bom amigo há de nos alertar que está mais do que na hora de substituir tais itens por frutas, legumes, hortaliças, a fim de que todos os problemas relacionados à qualidade da alimentação estejam resolvidos, certo? Errado. O problema é que, dependendo da procedência de tais alimentos, eles podem ser tão ou mais danosos que um X-tudo vendido em algum trailer na Central do Brasil. Não é à toa que muitos agricultores se negam a consumir alguns dos produtos plantados por suas próprias mãos, devido à grande quantidade de agrotóxicos que as empresas que lhes vendem as sementes os obrigam a pulverizar nas plantações, como mostra O veneno está na mesa, documentário de Silvio Tendler.

Logo no início da película somos informados de mais um recorde pertencente ao Brasil, já detentor de tantos primeiros lugares no panorama mundial (o país que mais venceu copas do mundo, que tem a maior floresta tropical do mundo, que consome mais leite condensado): temos o desagradável posto de, desde 2008, sermos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. No documentário, os especialistas chamam a atenção sobre a falsa ideia (que é vendida como verdade) de que os agrotóxicos são uma necessidade inevitável. Pesquisas comprovam que em produtos como soja, batata, feijão, tomate, trigo, algodão foi encontrado o agrotóxico metamidofós, que causa, entre outras coisas, lapsos de memória em crianças, perda de movimento e danos ao feto. Tal veneno já foi proibido nos Estados Unidos, na China, em países da Europa e na África. Será que também podemos concorrer ao posto de país com a população mais resistente a venenos?

A partir dos depoimentos de agricultores, professores universitários e pesquisadores, somos situados historicamente sobre como tudo começou: a chamada “Revolução verde”, iniciada após a Segunda Guerra Mundial, trouxe a promessa de comida na mesa de todos. Assim foi que, na década de 1960, houve intensificação na produção de agrotóxicos. Tais produtos são denominados pelo setor industrial, eufemisticamente, “defensivos agrícolas” ou “agroquímicos”, enquanto agricultores, ecologistas e pesquisadores utilizam termos como pesticidas, praguicidas ou biocidas.

Hoje, o Brasil produz e opera mais de quatrocentos tipos de agrotóxicos registrados. O grande problema, por vezes, não é o emprego desses produtos nos alimentos e sim a quantidade cavalar utilizada – muito acima da permitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esta, ao tentar proibir o uso de um produto com alto grau de periculosidade como o metamidofós, por exemplo, passa por sérios entraves, como sucessivas petições, embargos, manobras e outras injunções da área judicial por parte das empresas, com o objetivo de emperrar o processo.

Em um dos depoimentos do filme, um lavrador afirma que a tecnologia de hoje permite que o índice de contaminação seja menor do que dez, quinze anos atrás, o que faz com que não ocorram, atualmente, tantas intoxicações agudas como outrora, mas que, ao longo dos anos, aparecem as consequências da lida constante com os agrotóxicos: quase sempre na forma de doenças crônicas.

Outra denúncia aparece no dempoimento do engenheiro agrônomo Sebastião Pacheco, ao falar sobre a venda de DDT, que gera às empresas mais de US$ 6 trilhões. Diz ele que quando a empresa Ciba-Geigy desenvolveu o DDT, em 1945, sua produção era dirigida não só contra as pragas da agricultura como também contra as doenças do homem – era usada em sanitarismo. Sebastião faz então a provocadora pergunta: “para que se preocupar com o câncer do próximo? São US$ 6 trilhões!”.

Em uma entrevista concedida por Pacheco à Revista do Instituto Humanitas Unisinos, ao responder uma pergunta sobre como e onde são feitos os testes com agrotóxicos, ele relata: “A Suíça, um país extremamente rico, tem a primeira maior empresa de agrotóxicos do mun­do, chamada Ciba-Geigy. Essa compa­nhia, na década de 1980, utilizou crianças latino-americanas como cobaias para testar um agrotóxico comprovadamen­te causador do câncer em seres huma­nos. Na Suíça – já estive lá –, existe um movimento muito forte de jovens e ambientalistas para que as empresas não usem animais em pesquisas labora­toriais. Não querem usar animais, mas utilizam crianças. Eu estava na Alema­nha quando isso foi denunciado, e o gerente da empresa suíça disse que, a partir daquele momento, as pesquisas deles não usariam mais papel timbra­do, porque os relatórios foram feitos nesses papeis e ali estavam registradas todas as pesquisas feitas com crianças na América Latina”.

Nessa entrevista ficamos sabendo que os venenos deixaram de ser utili­zados em grandes quantidades na Eu­ropa a partir de 1970, e todas as fábricas de agrotóxicos situadas na Europa e nos Estados Unidos foram transferidas para Índia, Brasil, Ar­gentina, México e China, países cujos governos aceitam de braços abertos essas empresas, oferecendo inclusive terrenos e condições para que elas fun­cionem bem.

Uma das explicações sobre o aumento gradual de uso de agrotóxicos é apontada por um agricultor que aparece no filme: “a cada ano surge uma nova praga; para cada praga, deve ter um produto diferente”. Em seguida aparece uma repotagem feita pela Rede Globo de Televisão que mostra que, de uns anos para cá, o uso de defensivos agrícolas quase dobrou no Paraná. Antes eram duas aplicações diárias, em média; agora, chegam a quatro e, no caso da soja, oito aplicações. Isso faz com que, em 10 anos, a venda de agrotóxicos tenha aumentado 140%, um índice que é praticamente o dobro do crescimento da produção de grãos, que ficou em 75%.

Assim, o argumento de que o uso de agrotóxicos “pode fazer chegar mais comida na mesa da população” perde o valor, uma vez que a qualidade de tais alimentos passa a ser questionada. Tal aumento de produção está atrelado ao aumento de doenças como câncer e intoxicações, além dos danos à natureza cujas consequências já estamos sofrendo e tenderão a se intensificar para as gerações futuras. Diante desse quadro, Marcelo Porto, professor da Fiocruz, relata que, se formos colocar na balança, tais prejuízos são muito maiores. É como se boa parte das vantagens advindas da soja barata trouxesse como ônus o câncer e o acréscimo do número de infecções atendidas pelo SUS. Mas nada disso é contabilizado.

Os danos causados pelos agrotóxicos ocorrem não somente em quem os consome nos alimentos como também naqueles que os plantam, uma vez que eles são praticamente “obrigados” pelas empresas a comprar esses produtos e sementes transgênicas, o que faz com que as sementes crioulas tornem-se cada vez mais escassas. Na matéria Você sabe o que é semente crioula?, o engenheiro agrícola e educador popular Valdemar Arl explica, com propriedade, o que são e qual a importância de tais sementes: “as sementes não podem ser privatizadas ou contaminadas com genes estranhos à espécie, como acontece nos transgênicos, nem tornar-se objeto de dominação dos povos por parte de corporações empresariais. (...) As sementes são patrimônio da humanidade, pois são um legado de nossos antepassados. (...) Uma grande quantidade de espécies que usamos na nossa alimentação é nativa das Américas e foram deixadas pelos indígenas (astecas, maias, incas e outros), como milho, batata, mandioca, feijão, algodão, tomate, pimenta, amendoim, cacau, abóbora e outros. Outras foram trazidas de outros continentes, como o trigo e o arroz, mas já por centenas de anos são conservadas e melhoradas pelas famílias agricultoras. Essas sementes que são conservadas e melhoradas pelas famílias de agricultores são chamadas sementes crioulas”.

Conclui-se, assim, que o mito de que a agricultura orgânica não tem condições de nutrir a humanidade é de interesse das grandes empresas. É importante ressaltar, porém, que trabalhar com agricultura orgânica não significa apenas deixar de lado a química; é mais do que isso, é trabalhar com a vida do solo, uma vez que o uso continuado de agrotóxicos danifica o solo. E pode extinguir todo e qualquer tipo de plantação, transgênica ou orgânica.

A tecnologia deve, então, trabalhar conforme a natureza – e não contra ela.

Sites consultados:

http://www.ihu.unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1244487067.6703pdf.pdf

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set2403.pdf

Links para o filme "O veneno está na mesa":

Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=WYUn7Q5cpJ8&NR=1

Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=NdBmSkVHu2s&feature=related

Parte 3: http://www.youtube.com/watch?v=5EBJKZfZSlc&feature=related

Parte 4: http://www.youtube.com/watch?v=AdD3VPCXWJA&feature=related

Publicado em 16/08/2011

Publicado em 16 de agosto de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.