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Língua, usos e ensino: a abordagem da variação linguística no Enem
Silvio Profirio da Silva
Graduando de Letras (UFRPE)
Durante décadas, o ensino de Língua Portuguesa esteve centrado predominantemente na abordagem da Gramática Normativa. Com base nesse enfoque, a prática docente dessa disciplina voltou-se para a abordagem das variantes formais (o padrão culto da língua), que constituía o dialeto de prestígio. Contudo, a partir da década de 1980, ocorreram diversas modificações (oriundas dos estudos da Linguística Contemporânea) no ensino de língua. Dentre essas alterações, podemos citar a mudança na concepção de língua, que passa a ser concebida em uma perspectiva de plasticidade, isto é, a língua em sua multiplicidade de usos. Com isso, surge “uma nova visão, que reconhece a diversidade do português em diversos níveis” (Cardoso, 2003, p. 27). Essa nova perspectiva tem sido adotada em diversos processos seletivos, como é o caso do Enem.
Segundo a autora (2003, p. 28), “a língua falada em um país não é um sistema homogêneo, mas um complexo de variedades determinadas por fatores regionais e situacionais”. É nessa perspectiva que as mais recentes provas do Enem são orientadas por uma concepção de heterogênea de língua, o que culmina na abordagem das variedades linguísticas (inclusive, as menos prestigiadas socialmente). Mas afinal, o que é variação linguística? Quais os seus tipos? Primeiramente, ela consiste na forma como a língua muda em função de diversos fatores, como o grupo social, o tempo, a profissão, o espaço geográfico, o sexo, a etnia e a situação comunicativa. Partindo desse pressuposto, as variantes linguísticas dividem-se em dois tipos. O primeiro tipo é “a variação dialetal (ou dialetos)”. Neste tipo, a mudança na língua ocorre em virtude de aspectos: sociais (classe/grupos), regionais (espaço geográfico), temporais, faixa etária, profissionais, étnicos etc. (Travaglia, 1997). Uma ocorrência que pode ilustrar esse conceito é o fato de alguns objetos terem seus nomes alterados em decorrência da região (espaço geográfico) onde ocorrem. São exemplos disso:
- charque (Nordeste) x carne seca (Sudeste)
- jerimum (Nordeste) x abóbora (Sudeste)
- macaxeira (Nordeste) x aipim, mandioquinha, mandioca (outras regiões), entre outros.
Além desse caso, podemos citar a diferenciação na linguagem feminina e masculina, a diferenciação na linguagem de pessoas de idades diferentes, a diferenciação na linguagem profissional (entre um advogado, um médico, um policial, um operador de telemarketing etc.), a diferenciação na linguagem dos grupos (entre os skatistas e os emos, por exemplo).
O segundo tipo é a variação de registro (ou de estilo, estilística, situacional). Nesse tipo, a mudança na língua acontece em vista da situação comunicativa, ou seja, o falante adéqua sua fala por conta do momento comunicativo (ouvinte). Por exemplo, a linguagem que utilizamos em momentos informais (conversas com parentes, vizinhos, amigos etc.) não é a mesma que utilizamos em momentos que requerem os usos formais da língua (apresentação, entrevista de emprego etc.). Todos esses aspectos são abordados por Alkmim (2003) e por Travaglia (1997). Em geral, os momentos informais permitem construções que fogem da Gramática Normativa, o que está em sintonia com Cardoso (2003, p. 28), que afirma que “as variedades linguísticas devem ser utilizadas de maneira diferenciada, de acordo com a situação de comunicação”.
A temática da variação linguística vem sendo abordada em diversos processos seletivos, como nas provas de vestibular e, acima de tudo, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As mais recentes provas de Língua Portuguesa do Enem trazem questões com situações reais de comunicação (diálogos, quadrinhos, tirinhas etc.) que retratam a diferenciação da linguagem em função de diversos fatores. Algumas dessas questões requerem que o aluno perceba, nesses gêneros textuais, as marcas de informalidade, como é o caso do tá (em detrimento do está), o pra (em detrimento do para), o uso de marcadores discursivos da oralidade (ah, né, qual é, hein, hum etc.), teve/tive (em detrimento de esteve/estive) etc. Por exemplo: a questão 110 da última prova do Enem (p. 12) requeria que o participante do exame percebesse que o personagem (Calvin) usa, no último quadrinho, uma ocorrência linguística informal. Outras questões requeriam que o participante do exame percebesse que os personagens utilizam tanto a variante formal, como a informal. Todos esses exemplos ilustram situações reais de comunicação, em que ocorre o uso de registros formais e informais.
Nesse sentido, a escola precisa abrir espaço para as variantes linguísticas, extinguindo, assim, a prática docente que se volta para as variedades mais prestigiadas socialmente (norma culta), em detrimento das variantes de menor prestígio (Cardoso, 2003). Tal posicionamento se faz necessário para formar um falante competente (que utiliza a língua de forma heterogênea) e, sobretudo, para preparar os alunos para os mais diversos momentos com que irão se deparar, como é o caso do Enem e das provas de vestibular.
Referências
CARDOSO, Sílvia H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.ALKMIM, Tânia M. Sociolinguística. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Ana C. (orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2003.
TRAVAGLIA, Luiz. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997.
Publicado em 23/08/2011
Publicado em 23 de agosto de 2011
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