Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

O que sobrou do império

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia do IFRN

A Europa é um continente velho e decadente.

Antes que você, eurófilo militante, possa me trucidar com impropérios impublicáveis, gostaria de dizer que a frase aí de cima não é minha. Quem a pronunciou foi o pensador alemão Peter Sloterdijk: um europeu da gema.

Em um livro (traduzido para o português como Se a Europa acordar), Sloterdijk faz um diagnóstico interessante das pretensões de grandeza eurocêntrica. Sua tese parece ser a de que a Europa abdicou do protagonismo político global, na medida em que permitiu que duas de suas mais radicais experiências de modernidade (o liberalismo inglês e o socialismo franco-alemão) dividissem o mundo durante o século XX, construindo um campo de batalha ideológico que rachou a humanidade por mais de setenta anos e deslocou o polo de poder político para além das fronteiras do continente.

A Europa assistiu ao conflito dessas experiências e permitiu que o eixo geopolítico do globo se deslocasse de seu centro. Por sua passividade, ansiosa diante de seus próprios dilemas interiores, congelada em meio à saudade do Império Romano e de sua unidade nunca recuperada, traumatizada pelas duas grandes guerras e pela barbárie sinistra que viu frutificar em seu solo, a Europa viu no século XX sua força de influência decair.

Se fosse um dos BRICs a dizer a frase que abre este artigo, talvez soasse revanchismo de colonizado ou mesmo algum delírio multiculturalista terceiro-mundista. Mas não. Ela vem de um pensador que está no centro do Velho Mundo, que pensa seu continente e seus impasses com o olhar frio da razão, com a faca de ponta da Filosofia acostumada a abrir o bucho das fantasias políticas mais sólidas.

Vendo o mundo parar diante da TV para assistir ao casamento do herdeiro do trono da Inglaterra é que a gente percebe o quanto que a frase de Sloterdijk parece fazer sentido. Aquela pompa, aquela circunstância, mais do que nunca, expõe o que sobrou daquele império em cujo território o sol nunca se punha.

Se levarmos em consideração que a URSS foi uma experiência de fronteira e que os EUA são um amálgama de culturas e tribos diversas, vamos perceber que é ali, na velha Inglaterra de William e Harry, de Guilherme, o conquistador, e de Harold (o rei saxão morto na batalha de Hastings), que a Europa guarda hoje as sobras de um tempo em que o mundo era guiado por seus modelos.

Nós, brasileiros (especialmente os intelectuais), padecemos de um certo fetiche eurófilo. Sonhamos com os gregos. Deliramos com as grandezas perdidas da Igreja Romana. Cultivamos a nostalgia do velho império dos césares. Dormimos com a cabeça em Versalhes e acordamos alucinados com a arte que ornamenta os palácios de Florença. Buscamos, afoitos, em cada pedaço velho de papel de batismo um pezinho na nobreza portuguesa, para achar, no Palácio Nacional de Sintra, lá na Sala dos Brasões, o desenho de nosso sobrenome. Um atestado qualquer que nos pudesse retirar dessa selva de beleza e caos e nos servir de passaporte para podermos retornar à nossa casa adormecida do outro lado do Atlântico.

A monarquia britânica tem papel fundamental para a Europa. Mesmo que o mundo não seja mais aquilo, mesmo que tudo já seja diferente e os senhores da Terra falem outras línguas, tenham outros sotaques ou cultivem outros gostos, mesmo assim, eles estão lá. Em suas carruagens, com seus uniformes militares, seus anéis de diamante e o peso de uma tradição que virou figura, símbolo, imagem perdida nas esquinas da história. Para um Ocidente acostumado a sepultar o poder de seus reis sem lhes tirar a majestade, a realeza britânica é um ornamento essencial. Nem que seja só de enfeite, por um dia. Para inglês ver.

Publicado em 30/08/2011

Publicado em 30 de agosto de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.