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Joe Sacco e o jornalismo em quadrinhos

Juliana Maria Carvalho

Professora e redatora

Referência mundial quando se trata de unir histórias em quadrinhos e jornalismo, Joe Sacco esteve na FLIP para participar da mesa-redonda “A História em HQ”. O autor nasceu em 1960 em Malta, mas logo se mudou para Austrália e EUA. Suas obras mais recentes são reportagens em HQ sobre guerras e conflitos políticos contemporâneos, como o Livro Palestina: uma nação ocupada; sua segunda parte, Palestina: na Faixa de Gaza e Área de Segurança: Gorazde.

Para escrever esses livros, Sacco mudou-se para Israel e passou a observar de perto aquilo que realmente influenciava a vida das pessoas. Ele já recebeu importantes prêmios nas áreas em que atua, como o American Books Award em 1996 e, no Brasil, o prêmio HQ Mix de melhor graphic novel estrangeira em 2000. Tanto reconhecimento o levou a ser comparado ao americano Art Spiegelman, o único quadrinista a receber o Prêmio Pulitzer de Jornalismo.

Sobre os dois volumes da série Palestina, o autor diz que simpatiza com a causa daquele povo, mas sem ativismo: "Tento dar voz a eles, ainda que isso às vezes seja prejudicial à minha imagem. Não sinto que deveria ser um representante do povo palestino. Meu papel é fazer quadrinhos, uma crônica do tempo em que vivemos". O autor diz ainda que, nos dois volumes, já há algumas coisas que estão ultrapassadas, mas no final é uma história sobre ocupação. A população ainda vive basicamente a mesma situação, e ele crê que isso piorou desde que fez os livros. Especialmente no primeiro volume, Sacco brinca com a ironia, já que o humor sempre fez parte de seu trabalho. No último livro, Notas sobre Gaza, há um pouco mais de humor, mas não o suficiente para deixá-lo equilibrado.

Na transição dos quadrinhos de humor para os quadrinhos jornalísticos, nota-se também que o traço do autor ficou mais realista, o que ele julgava necessário para que seu trabalho fosse considerado jornalismo sério. Esse é, porém, um caminho com volta, já que Sacco gostaria de voltar a trabalhar com humor.

Em sua participação na FLIP, falou sobre a forte influência da história de sua família em sua obra. Seus pais cresceram em Malta, que foi fortemente bombardeada na Segunda Guerra Mundial. O autor contou que ouvia na mesa muitas histórias sobre a guerra, sobre a vida de seus pais como civis no meio da guerra. Em relação ao conflito palestino-israelense, seu interesse não era ver gente atirando, mas o que o motivou foi uma questão de justiça. Ele tinha raiva da ocupação dos EUA, tinha raiva dos impostos que pagava, pois seu país apoia Israel com esse dinheiro. Seu principal interesse era relatar como as vidas das pessoas eram afetadas diariamente, e não só aquilo que se lê exaustivamente nos jornais.

Sobre o trabalho de quadrinista, Sacco enfatizou que a história em quadrinhos apresenta múltiplas imagens, e isso não é só falar de imagem. Ele mostrou cenas em que o passado e o presente estavam lado a lado na mesma página, o que permite que o leitor fique indo e vindo. “Eu posso levar o leitor de volta ao passado se eu fizer as perguntas corretas e as pesquisas corretas com fotos, sobre os uniformes, prédios e coisas assim”, diz. Ele enfatiza que, com múltiplas imagens, você consegue colocar muita informação visual que pareceria estranha em prosa; como exemplo, cita o período em que estava em Gaza pela primeira vez, há quase 20 anos: “havia grandes chuvas, tempestades e lama em toda parte. Se isso for escrito em prosa, pode ser mencionado uma vez, mas não se menciona novamente à medida que a história evolui. Nos quadrinhos existem as múltiplas imagens, então no cenário sempre é possível mostrar a lama, as inundações de uma imagem para outra, não importa o que está acontecendo à frente. Posso desenhar dois personagens conversando sobre um jogo de futebol, por exemplo, mas o leitor sempre verá a lama e a inundação, no próximo quadrinho novamente, e isso vai segui-lo. Um escritor que escreva prosa não vai ficar lembrando o leitor a todo momento: aliás tinha lama, aliás, tinha lama e sucessivamente. Não há como isso acontecer na prosa, e creio que os quadrinhos ajudam a criar essa atmosfera.

Em entrevista dada a um grande jornal, Sacco falou sobre seu método de composição. Disse se comportar como qualquer jornalista, fazendo pesquisa prévia dos lugares sobre os quais vai desenhar, e muito mais entrevistas do que o necessário para a versão final. "O jornalista é como um médico. Um remove órgãos; o outro, histórias. O que faço é tentar conduzir a forma de narrar do entrevistado." Enquanto conversa, ele busca informações visuais para compor a história. Por isso, acaba fazendo perguntas inusitadas do tipo "como você segurava a arma na época?".

Para não ser traído pela memória, já que leva até sete anos para concluir um livro, leva sempre consigo uma câmera fotográfica. "Minhas fotos servem como referências. Também escrevo notas para mim mesmo que servem como lembretes. 'Desenhar crianças', por exemplo."

Os quadrinhos de Sacco representam um estilo jornalístico que pode ser amplamente aproveitado em sala de aula. Os dois volumes de Palestina e Notas sobre Gaza são indispensáveis em uma biblioteca para adolescentes e jovens e muito úteis para entender os conflitos naquela região. Os jovens se sentem mais atraídos pelo ritmo veloz e pelas imagens dos quadrinhos, um gênero híbrido que não deixa o texto escrito de lado. As aulas de História e Geografia podem ficar muito mais ricas e interessantes com a utilização desse material fantástico. Que tal apresentar esse autor e esse novo gênero aos seus alunos?

Publicado em 13/09/2011

Publicado em 13 de setembro de 2011

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