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Entendendo o cinema: produto midiático ou expressão artística?

Janaina Pires Garcia

Doutoranda em Educação (UFRJ), professora de Sociologia

Quais seriam as fronteiras que separariam arte de mídia? Será o cinema uma forma de arte? Ou apenas produto da indústria cultural voltado para as massas? Ou seriam os dois?

Para compreender melhor tudo isso, temos primeiro que entender o que viria a ser mídia. Mídia, para a Sociologia (Boudon e Bourricaud, 2007), seria todo veículo de comunicação que fosse de massa e simultâneo. Considerando essa percepção muito reducionista, opto pela que é dada pela área de comunicação: mídia seria um conjunto de meios de comunicação existentes numa área ou disponíveis para determinada estratégia de comunicação (Garcia Canclini, 2008). Os veículos da mídia, então, classificar-se-iam em duas categorias: mídia impressa (jornal, revista, folheto, outdoor, mala direta, displays, outdoors...) e mídia eletrônica (TV, rádio, cinema, vídeo, CD...).

E o que vem a ser cinema? O cinema aparece como o acabamento no tempo da objetividade fotográfica (Metz, 1980). O filme não se contenta mais em conservar um objeto envolto num único instante. Pela primeira vez, a imagem das coisas é também aquela de sua duração no tempo. A partir do momento que se filma, é necessário fazer escolhas de enquadramento, de luz, de ângulo... Logo, o cinema se constitui numa linguagem. A expressão linguagem cinematográfica tem servido como estratégia para postular a existência do cinema como meio de expressão artística, porque o cinema passa de reprodução das realidades em movimento para linguagem artística baseada na reprodução da realidade.

O cinema reconstrói a realidade de modo inteiramente original, que é a faculdade única do cinema: transformar o mundo em discurso servindo-se do próprio mundo, e não de sinais arbitrários (como faz a literatura) ou semelhantes (como faz a pintura), sinais estes empregados na substituição do mundo.

Mas por que linguagem? Segundo Metz (1980), porque possui códigos específicos que são dotados de um significado. Linguagem fílmica: conjunto de modalidades de língua e estilo que caracterizam o discurso cinematográfico. O cinema possui uma sintaxe: relacionamento dos planos, das cenas, das sequências. E quais são os elementos básicos da linguagem cinematográfica?

  1. a planificação (os diversos tipos de plano – geral, de conjunto, americano, médio, close...);
  2. os movimentos de câmera (travelling, panorâmica...);
  3. angulação (plongée, contre-plongée...);
  4. montagem.

Estes são os elementos determinantes. Mas existem os elementos não determinantes; são os elementos componentes, que também fazem parte da linguagem cinematográfica: fotografia, intérpretes, cenografia. O caráter essencial dessa nova linguagem é a sua universalidade, que evita o obstáculo da multiplicidade de línguas.

Vistas essas observações conceituais, surge a preocupação de como o cinema e todas as outras artes podem ser manipuladas.

Adorno (2009) descreveu muito bem essa preocupação, pois para ele a arte havia se transformado em consumo industrializado e, como tal, padronizado, como tabletes de chocolate ou qualquer outro tipo de produto da indústria. A arte, que teria a capacidade de fazer um retrato sincero da existência humana, foi despersonalizada, inserindo-se na “indústria cultural”. A industrialização da cultura não só padroniza todos os meios de expressão artística como impõe o consumo para todos os tipos de idade, principalmente jovens, que não são instigados à crítica e à observação.

Tal como Adorno e outros pertencentes à Escola de Frankfurt advertem, apropriada pela indústria cultural, transmutada em semiformação, a arte transforma-se em seu oposto. Ao invés de constituir-se num pensamento, manifestação, criação e expressão aberta e livre, desestruturante, contribuindo para a crítica e não para a reprodução da barbárie, seja qual for, uma vez submetida à lógica do mercado, a arte perde as suas possibilidades de criação, circulação e distribuição de conhecimento e sensibilidades. Uma vez instrumentalizada pela indústria cultural e para a indústria cultural, irá servir apenas para a “coisificação” das consciências dos consumidores. Se assim for, desvirtuada pela indústria cultural, a arte perde sua própria natureza, uma vez que não se exprime mais.

Pensando nesse sentido, podemos distinguir dois tipos de cinema: o cinema hollywoodiano – baseado no star system, com todas as regras que lhe são próprias – e um cinema “descolonizado”, que está à margem do sistema. O cinema hollywoodiano hegemônico-imperialista, por impor sua força e seus padrões como se fosse a única forma correta de fazer cinema, usando os termos de Pierre Bourdieu (2009), exercendo uma violência simbólica, estaria se adequando à lógica da indústria cultural. E o cinema “descolonizado”, por não possuir regra específica, rompe com os modelos estereotipados, o que o desvincula da produção em série. Cinema esse de Jean Luc Godard, Kurosawa, Antonioni e Kim-ki-Duk, entre outros, o que o aproxima do conceito de cinema como linguagem e como arte.

Na época em que vivemos, dita pós-moderna, devemos privilegiar a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural, e não mais nos prender à padronização do conhecimento e da produção.

Publicado em 20/09/2011

Publicado em 20 de setembro de 2011

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