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Outros setembros
Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia do IFRN
Crônicas filosóficas
Neste começo de mês, a humanidade foi varrida pela onda midiática que nos fez lembrar dos dez anos do 11 de Setembro norte-americano. Combatido pela contra informação de esquerda pela lembrança de outro 11 de Setembro (de 1973), que marcou o fim do governo popular chileno de Salvador Allende. Eu, amigo velho, me lembrei de uma curiosa tese, extraída, através de algum malabarismo hermenêutico, da metafísica do velho Hegel sobre o fim da história.
Foi um tal de Fukuyama que apareceu repentinamente no cenário intelectual de fim de milênio pregando um suposto “fim da história”, logo após a queda do muro de Berlim (o 11 de Setembro do socialismo real).
O fato é que a história não parece ter um fim (término) ou mesmo um sentido (fim). Se a gente pensa que as coisas estão completas, firmes, inteiras, se a gente acha que tudo vai ser do jeito que foi antes, se achamos que nada vai mudar e que tudo já foi feito, eis que aparece a inquietante novidade da história surpreendendo aqueles que não são muito ligados às sutilezas irregulares de seu fluxo.
O 11 de Setembro dos norte-americanos aconteceu desse jeito. Quando todos acreditavam que o mundo ia se afogar no tédio do pensamento único, da absoluta falta de alternativa que se seguiu ao colapso dos regimes comunistas, aconteceu algo inesperado, e a segunda grande experiência geopolítica da modernidade, travestida no liberalismo anglo-americano teve seu grande escorregão.
O 11 de setembro de 2001 não derrubou apenas as torres do World Trade Center. Aqueles aviões levaram junto com as almas dos mortos, incinerados pela força catastrófica do colapso das torres gêmeas, a máscara do discurso que alimenta a ideologia liberal.
Embalados pela fobia histérica que se seguiu aos atentados terroristas, os ocidentais jogaram na latrina os cuidados em disfarçar o desrespeito aos tão propalados direitos humanos e as liberdades democráticas. Dez anos depois do 11 de Setembro, a história mostrou mais uma de suas irônicas guinadas.
Hoje, são os povos do Oriente Médio, pelas primaveras árabes que se alastram do norte da África à península arábica, que soterram as teses acadêmicas formatadas a serviço das mitologias políticas de plantão. A noção de que os “orientais” seriam intrinsecamente intolerantes e totalitários e que não poderiam construir, de dentro pra fora, os mecanismos que fundamentariam uma ordem democrática burguesa começou a ruir com as manifestações de rua na Tunísia, no Cairo, na Líbia, na Síria.
O velho modelo franco-americano da revolução popular não é uma exclusividade cultural do Ocidente. Ele também pode nascer em meio às flores do deserto, no norte de uma África berbere, morena, mulçumana.
Os mesmos personagens que há dez anos foram tratados como representantes de uma religião medieval e de uma cultura obscura e violenta que ameaçava fazer o mundo retroceder para o século X são aqueles que hoje ensinam, a uma Terra vazia de utopias, o modo de viver e morrer pela liberdade. Dez 11 de Setembros depois, a história nos ensina que o tempo não para e que outros 11 de Setembro virão. Novas mudanças de curso. Novas supressas, com ou sem catástrofes, com ou sem atentados terroristas, com ou sem guerras de petróleo, com ou sem intolerância cultural e religiosa, com ou sem colapso financeiro, desemprego, crise social, violência.
A história não morre. Ela continua caminhando, no seu andar de bêbado, na sua sina sinuosa de nos surpreender, na sua arte de construir, a cada ano, um novo setembro.
Publicado em 20/09/2011
Publicado em 20 de setembro de 2011
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