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Uma escola de crianças arteiras

Mariana Cruz

Uma escola que não segue uma pedagogia definida; um lugar onde as crianças podem assistir a aulas nas salas das outras crianças – caso achem mais interessante – e onde a “obrigação” é pintar, brincar e fazer arte, muita arte. Lá as palavras de ordem são afeto, criatividade, curiosidade e liberdade. É mais ou menos assim que as diretoras do Tabladinho definem esse espaço situado no Jardim Botânico, na zona sul do Rio de Janeiro. Para saber um pouco mais sobre essa escola fundada na década de 1970 (mas que muito tempo antes já existia como um espaço aonde as crianças iam para brincar e criar), a revista Educação Pública fez uma entrevista com a pedagoga Lúcia Motta e a historiadora, antropóloga e especialista em Educação Infantil Inês Motta – ambas há pelo menos 30 anos à frente do Tabladinho:

Educação Pública – Qual a relação entre a escola de Teatro Tablado e o Tabladinho?

Inês – O Tabladinho não é o Tablado. As fundadoras do Tabladinho foram Aracy Mourthé, Edelvira Fernandes e Vera Motta. A Edelvira e a Vera eram muito amigas da Maria Clara Machado (a Aracy era irmã); elas tinham sido bandeirantes juntas, isso começou lá na década de 1940. Como bandeirantes, elas conheceram este espaço, que era o espaço onde o Patronato Operário da Gávea, beneficente, funcionava. Na década de 50, a Maria Clara Machado fundou o Teatro Tablado; elas participam da fundação do Teatro Tablado, e aí essas três quiseram fazer um trabalho com crianças que fosse diferente do que era oferecido nas escolas na época. Nenhuma das três era artista plástica, mas tinham muito contato com vários artistas de várias áreas aqui no Teatro Tablado (o Tablado fica mesmo prédio que o Tabladinho).


Lúcia – Era uma época de muita efervescência artística.... Aí já estava chegando aos anos 60.

Inês – Nos anos 60 elas começaram esse trabalho. Elas chamavam até de clube, que era para crianças mais velhas que vinham uma vez por semana pra cá. Não era uma escola. Era o lugar de muitas brincadeiras, onde se lidava com artes plásticas, teatro, era uma coisa muito prazerosa, muito alegre. E era muito diferente das escolas na época.

Educação Pública – Como foi essa “virada”? Como o Tabladinho se transformou em escola?

Inês - Primeiro nós fomos alunas do “clube”; a gente está aqui desde que a gente existe. Na década de 1970 o Patronato fez uma obra e construiu um segundo andar. Então essas três resolveram fazer um terceiro andar, ainda para o tal do “clube”, e junto a essas instalações novas surgiram amigos que não queriam colocar os filhos em uma escola tradicional. Então surgiu uma primeira turma de dois anos que era atendida diariamente. Mas as fundadoras se negaram, durante muitos anos, a dizer que era uma escola. Passaram a atender essas crianças diariamente com uma forma de pensar educação sem seguir corrente nenhuma, seguindo o que elas acreditavam que era dar grande importância à arte, ao teatro, às artes plásticas, à brincadeira, à alegria. Aqui era (e é) um lugar muito prazeroso.

Educação Pública – Como é o dia a dia das crianças aqui? O que ficou daquela época?

Inês – Nos anos 1970, quando aconteceu aquele boom libertário, o Tabladinho, de certa forma, já tinha tradição. Então, nesse aspecto podemos dizer que nem nos anos 70 o Tabladinho era uma coisa “nova”, já tinha mais de dez anos. Podemos dizer que o Tabladinho é uma escola de tradição, que tem uma tradição de muitos anos. É tradicional no sentido de que vem de geração em geração e durante todos esses anos a gente manteve essa crença na importância da alegria, do grande prazer do contato com a arte.


Lúcia – Da descoberta do conhecimento como uma coisa prazerosa.

Educação Pública – O que vocês consideram importante na Educação Infantil da atualidade?

Inês – O que a gente pode dar para esses meninos e meninas do século XXI? Acho que a gente pode mostrar para eles a alegria, o prazer de ser curioso, o prazer da procura. Eles devem se tornar pessoas que gostem de procurar, porque ninguém mais decora nada; assim eles devem ter o prazer de descobrir, da descoberta.

Educação Pública – Que forma vocês encontram para estimular isso?

Inês – Acho que tem uma coisa de explorar as várias linguagens. A gente aqui trabalha muito com artes plásticas, muito com teatro, muito com música, contação de historias, com brincadeira. Tudo isso a gente considera uma linguagem. Também trabalhamos com jardinagem, na medida do possível. A gente não tem aqui o canteiro que a gente queria ter: um quintal de terra, mas a gente tem lá a nossa hortinha, o nosso canteirinho. Procuramos explorar as várias linguagens; a gente acredita que a criança tem que ter um contato com isso tudo.

Lúcia – E a leitura e a escrita não são linguagens tão priorizadas por nós, pois são linguagens iguais às outras, pois quanto mais ricos forem os trabalhos com essas diferentes formas de linguagem, mais qualidade eles tiverem, mais diversidade, mais rica essa criança vai ser.



Educação Pública – Como vocês veem as crianças de hoje em dia em relação ao consumo?

Inês – Esse mundo é assim, tem essa coisa do consumismo que não dá para negar; também tem coisas ótimas, não é só uma coisa péssima. As crianças sendo vistas como pessoas, produtoras de cultura. Agora, que não fique só no consumismo, mas aí não é uma coisa só com as crianças; é com todos nós. Que a gente consiga mostrar para elas valores e linguagens diferentes, ricas, que não estejam só ligadas ao consumismo. O consumismo vai fazer parte da vida delas. São meninos e meninas que moram na zona sul do Rio de Janeiro; isso faz parte da vida deles, não há como negar. Agora, que a vida delas seja mais rica, que a gente possa mostrar um leque muito mais amplo.


Educação Pública – Há quem torça o nariz para escolas com uma pedagogia mais aberta, por associar a liberdade à falta de limite, à bagunça. Como vocês lidam com esse tipo de crítica?

Inês – Existe uma grande diferença entre ter liberdade e não ter limites. O limite é colocado, ele é bem claro; o limite principal é: “você não pode ir até onde você invada o outro”; esse é o limite principal, esse é o bom senso geral. As pessoas têm um pouco de dificuldade de entender que aqui tem limites. E limites muito claros. A liberdade pede muito mais respeito e responsabilidade. O fato de eu pertencer a uma turma e querer ouvir a história que está sendo contada na outra turma só vai me enriquecer. Não há nada de ruim nisso, eu não posso chegar lá e atrapalhar o que está acontecendo, mas participar daquilo que tá acontecendo claro que eu posso. Isso é rico, isso é prazeroso. Isso é bom. E depois eu vou voltar para a minha turma. A criança dificilmente não volta para turma dela. Ela vai, participa de alguma coisa e volta, ela sabe onde é o lugar dela. Ela sabe quem são os adultos que lidam no dia a dia com ela. Mas ela também conhece todo o resto da escola. Ela é muito bem recebida pelas outras turmas, as crianças se recebem muito bem. São todos muito carinhosos. A gente tenta e gosta que aqui seja um lugar de muita afetividade. Até os adultos que trabalham aqui, achamos importante que sejam pessoas muito afetivas, porque isso passa para as crianças e aí elas também serão afetivas entre elas e na relação com os outros. Não tem aquela coisa do mais velho ser autoritário com o menor. E essa coisa das diferenças... É muito difícil conviver com as diferenças, mas também não é tão difícil quanto parece se você, desde pequeno, aprender que a diferença existe e que ela está aí e que você respeita ela: que um é maior e outro é menor, um é gordo e outro é magro, um é preto e outro é branco. Queria deixar clara uma coisa a respeito dessa ideia: o fato de a criança poder circular, poder participar de outra turma não significa que ela não tenha uma rotina muito bem estabelecida e muito clara; só significa que essa rotina não é uma prisão, que ele pode sair. E então às vezes as pessoas nos perguntam:”não sai todo mundo?” E a gente mostra: “mas a porta aberta, a turma aqui, você vendo a coisa acontecer”. Não sai todo mundo porque eles foram criados dentro disso. Se sair todo mundo é porque aquela proposta não está sendo interessante, então a gente tem que rever a proposta.

Educação Pública – Para finalizar, o que vocês consideram uma criança feliz?

Lúcia – Uma criança sem medo, sem vergonha de mostrar o que pensa, de se colocar, de mostrar sua opinião, sem medo de rir, de chorar, de ser ela mesma.

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Proposta pedagógica Waldorf: ali se colhe o que se planta!
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27/09/2011

Publicado em 27 de setembro de 2011

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