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Texto e contexto: a Linguística aplicada ao ensino de Língua Portuguesa

Silvio Profirio da Silva

Graduando em Letras (UFRPE)

Este texto analisa as contribuições/implicações dos postulados da Linguística Contemporânea para o ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente, abordando as alterações que ocorrem na metodologia de ensino dessa disciplina em virtude dos reflexos das investigações linguísticas.

Segundo Bezerra (2010, p. 39), "tradicionalmente, o ensino de Língua Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da gramática normativa, em sua perspectiva prescritiva (quando se impõe um conjunto de regras a ser seguido)". Nessa ótica, o ensino de Língua Portuguesa foi norteado por uma concepção puramente normativa, concedendo primazia ao padrão culto da língua [modelo homogêneo, monolítico e uniforme]. Com base nessa concepção de ensino, priorizava-se a abordagem de exercícios de análise e de classificação de termos da gramática normativa a partir de frases soltas, isoladas e descontextualizadas.

Contudo, "vários trabalhos, sobretudo a partir de 1980, têm procurado discutir o modo como se vem processando o ensino de língua no Brasil e apontam para algumas questões de nível conceitual e metodológico" (Santos, 2002, p. 1). Dentro dessa perspectiva, percebe-se que a década de 1980 foi palco da eclosão de diversos estudos da Linguística Contemporânea [estudos da Corrente Funcionalista, da Linguística de Texto, da Análise do Discurso, da Pragmática, da Sociolinguística etc.]. Todos esses estudos ocasionaram mudanças significativas nos parâmetros norteadores do ensino dessa disciplina e, por conseguinte, na prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa. "Passou-se, assim, a prescrever que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção textual. Desloca-se o eixo do ensino voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas" (Santos, 2002, p. 30-31).

Com isso, o ensino dessa disciplina vem, nos últimos anos, passando por diversas modificações. Uma delas diz respeito ao uso do texto e do contexto como objetos de ensino, como sinaliza Santos (2007, p. 787). É nesse cenário que se fala em gramática contextualizada e/ou Análise Linguística, por meio das quais o tratamento dado aos conteúdos dessa disciplina passa a ser abordado a partir de situações reais de comunicação, o que leva para os bancos escolares o ensino contextualizado da gramática, conforme ressaltam Cereja e Magalhães (2005, p. 3-4). Isto é, "o texto considerado no contexto em que se dá a produção do enunciado lingüístico" (Cereja; Magalhães, 2005, p. 3). Partindo desse pressuposto, surge agora uma abordagem de cunho/teor contextual que aborda termos da gramática inseridos/inclusos numa situação comunicativa, ou seja, a fala dos mais diversos atores sociais por intermédio de inúmeros gêneros textuais escritos ou imagéticos [charges, quadrinhos, tirinhas etc.].

Essas novas abordagens oriundas dos estudos linguísticos têm sido adotadas pelos órgãos que elaboram provas de vestibular e exames de âmbito nacional, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio - Enem. As mais recentes provas de vestibular, em diversos estados brasileiros e esses exames de nível nacional lançam mão de uma perspectiva contextual, ou seja, textual-discursiva, o que acarreta um novo enfoque/tratamento dado aos conteúdos de Língua Portuguesa. Um exemplo que pode ilustrar essa proposta diz respeito às questões relativas ao uso de conectivos. As mais recentes provas abordam o uso de conjunções e seus sentidos semânticos [adição, adversidade, explicação, conclusão, causa, concessão, conformidade, consequência, tempo etc.] tendo como base o texto e diversos gêneros textuais [charges, tirinhas, histórias em quadrinhos – HQs etc.].

A partir dessa dimensão textual-discursiva, o sentido dessas conjunções pode ser alterado, como, por exemplo, a conjunção “e”, que em geral é classificada como aditiva, mas pode empregar em um determinado contexto o sentido semântico de adversidade [contraposição ou oposição] ou de consequência. Podemos mencionar, ainda, a conjunção “mas”, que em geral é classificada como adversativa, porém pode exercer um sentido de adição, caso esteja acompanhada da palavra também. Outro conector que pode exercer diversos sentidos, de acordo com o contexto no qual está inserido, é a conjunção como. Ela pode evidenciar variados sentidos: causa, explicação, adição [quando acompanhada da palavra também], comparação, conformidade etc. Esses são apenas alguns exemplos que refletem as contribuições das vertentes dos estudos linguísticos, mais especificamente da Corrente Funcionalista, da Linguística Textual, da Análise do Discurso e da Pragmática. Essas corrente contribuíram substancialmente para a inserção de uma perspectiva de ensino que se volta para aspectos contextuais e discursivos da língua (Santos, 2007).

Exemplo de Gramática Contextualizada, por meio de gêneros textuais imagéticos (charges, tirinhas, propagandas, imagens, ilustrações etc.) apresentado em CEREJA; MAGALHÃES, 2005
Imagem 1. Exemplo de Gramática Contextualizada, por meio de gêneros textuais imagéticos (charges, tirinhas, propagandas, imagens, ilustrações etc.) apresentado em CEREJA; MAGALHÃES, 2005

Aponta-se, ainda, neste texto, um exemplo de Gramática Contextualizada tendo como base diversos gêneros textuais [charges, revistas em quadrinhos – HQs, propagandas, tirinhas etc.]. Nessas figuras ocorre o uso de pronomes demonstrativos relacionados ao texto. Em outras palavras, o uso de pronomes anafóricos e catafóricos. Na primeira imagem (esquerda), ocorre a utilização do pronome anafórico (anterior/retrospectivo), que tem como referente textual algo que foi mencionado; na segunda imagem (direita), ocorre o uso do pronome catafórico (posterior/prospectivo), que tem como referente textual algo que ainda será mencionado posteriormente no texto. Contudo, nessa ilustração, é usado o pronome nisso, quando deveria ser utilizado o pronome nisto, que apontaria para a imagem. Percebe-se, também, que o exercício proposto na gramática em tela tem por objetivo levar o aluno a perceber a diferenciação no uso de tais pronomes.

Desloca-se, assim, o eixo do ensino voltado para a memorização de regras e nomenclaturas da gramática de prestígio para um ensino cuja finalidade é o desenvolvimento da competência linguístico-textual, isto é, o desenvolvimento da capacidade de produzir e interpretar textos em contextos sócio-históricos verdadeiramente constituídos (Santos, 2002, p. 31).

Nesse sentido, a Linguística, a partir de suas teorias, contribuiu de forma relevante para uma nova compreensão do que é o ensino de Língua Portuguesa, o que ocasionou diversas alterações no objeto e, acima de tudo, na metodologia de ensino dessa disciplina, inserindo, assim, uma perspectiva textual-discursiva na prática pedagógica. É nesse contexto que o ensino de língua [seja ela portuguesa ou estrangeira] "volta a atenção para os aspectos discursivos da linguagem" (Santos, 2002, p. 3).

Referências

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

CARDOSO, S. H. B. Discurso e Ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo: Atual, 2005.

SANTOS, Carmi Ferraz. O ensino da leitura e a formação em serviço do professor. Revista Teias, Rio de Janeiro, ano 3, v. 05, p. 29-34, jan./jun., 2002. Disponível em: http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php?journal=revistateias&page=article&op=view&path%5B%5D=95.

SANTOS, Carmi Ferraz. A formação em serviço do professor e as mudanças no ensino de Língua Portuguesa. Revista Educação Temática Digital - ETD, Campinas, v. 3, n. 2, p. 27-37, jun. 2002. Disponível em: http://www.fe.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/viewArticle/1794

SANTOS, Carmi Ferraz. Letramento e ensino de História: os gêneros textuais no livro didático de História. In: Anais do 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Santa Catarina, 2007. Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/33.pdf

SILVA, S. P. Texto e ensino: as mudanças no ensino de Língua Portuguesa e o discurso da dificuldade de interpretação de textos de alunos das escolas da rede pública de ensino. Revista P@rtes, São Paulo, v. set., 2011. Disponível em: http://www.partes.com.br/educacao/textoeensino.asp.

Publicado em 04/10/2011

Publicado em 04 de outubro de 2011

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