Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Filosofia: Conceito e Gênese

Fábio Souza C. Lima

Historiador e filósofo, especialista em Educação, professor

Etimologia

A dúvida é o princípio da sabedoria.

Aristóteles

O termo filosofia é de origem grega. Os historiadores da Filosofia apontam que Pitágoras de Samos (570-497 a.C.) teria sido o responsável por relacionar essa palavra à sabedoria que cabe aos homens e à sabedoria que cabe aos deuses. Filosofia nasce da união de duas outras palavras gregas: philo e sophía. Assim como na primeira parte da palavra filantropo, philo quer dizer “aquele que tem sentimento de amizade ou que tem sentimento de amor fraterno”. Complementando o significado de filantropo, temos antropos, que significa “humano”, ou seja, sentimento de amor pelo humano. Da mesma forma, se aliarmos ao termo philo, o sophía, sendo este último de origem grega e de significado “sabedoria”, então teremos amor pela sabedoria, sentimento de respeito ou amor fraternal pelo saber.

Não somos donos do saber. Isso acontece porque Pitágoras, sensível às imperfeições humanas, apontou que o homem não tem capacidade intelectual para deter em si o conhecimento do todo, isto é, não podemos saber tudo. Porém, dentro do conhecimento inesgotável das coisas, podemos buscar o quanto pudermos e quisermos; podemos amar o saber. Aos deuses caberia o conhecimento pleno, completo e absoluto, pois seriam infinitos em suas capacidades.

Como amigos – e não donos do saber –, não podemos tê-lo para comercializá-lo. Não podemos apontar qual opção é certa ou errada, não podemos dizer que uma verdade, esta ou aquela, é absoluta. Podemos estudar e até apontar os caminhos que conhecemos, mas não podemos decidir pelos outros. Segundo Sócrates, cuja mãe era responsável por realizar os partos na antiga Grécia, o filósofo tem uma missão bem parecida com a de parteira. Dizia ele que a sua mãe era uma parteira de corpos, enquanto a sua responsabilidade era de parir almas.

Nascimento e origens da Filosofia; perspectivas

Meus estudos em Filosofia especulativa, metafísica e ciência podem ser resumidos na imagem de um rato chamado homem que entra e sai de todos os orifícios que encontra no cosmos em busca do Queijo Absoluto.

Benjamin Decasseres

Aos filósofos que existiram antes Sócrates, tendo pensamentos diferentes dele, foi dado o título de “pré-socráticos”. Mesmo antes de o termo filosofia ser criado por Pitágoras (um pré-socrático), a prática filosófica era comum na Hélade (ou Grécia antiga). Tales (640-545 a.C.), nascido na colônia grega Mileto, na Ásia Menor, é considerado o primeiro filósofo ou o primeiro filósofo ocidental. Como os outros pré-socráticos, Tales tentou explicar a realidade com base na natureza, como veremos mais adiante.

Todas as explicações sobre o mundo não conseguem dar conta de como surgiu a Filosofia. Existem três teorias sobre a sua origem: Teoria Ocidental, Teoria Oriental e Teoria Mediana.

A Teoria Ocidental, também conhecida como Milagre Grego, diz que todo o conhecimento foi desenvolvido unicamente pelo povo grego, o que inclui aí as suas colônias. Ao aceitar essa teoria, devemos ficar atentos que aceitamos a ideia de um acontecimento ímpar, realizado por um povo que atingiu um avanço intelectual tão alto que em nenhum momento da história foi igualado por outra civilização.

Na Teoria Oriental, os gregos figurariam como transformadores do pensamento oriental, vindo de nações como Pérsia, Caldeia, Fenícia, Babilônia, Assíria e Egito. Os gregos seriam uma civilização que, por meio de guerras, acordos políticos e, principalmente, de relações comerciais, teriam tido contato com esses povos, adotando e transformando sua cultura. Essa teoria atendeu aos interesses dos pensadores judeus e cristãos desde o final da Antiguidade. Considerada pelos romanos a principal nação da época, o refinamento máximo da moral, poderia ser, de alguma forma, alienada à Bíblia. Os pensadores judeus e cristãos, ao buscar valorizar a fé, consideravam que o pensamento dos principais filósofos da Antiguidade, como Sócrates e Platão, teria origem na ligação que a Grécia mantinha com o Egito, sendo também este o local onde se desenvolveu o pensamento de Moisés.

Muito mais tarde, entre os séculos XIX e XX, o desenvolvimento de estudos arqueológicos, históricos e linguísticos mostrou os exageros das Teorias Oriental e Ocidental, sem porém refutá-las. Surgiu nesse período uma terceira forma de explicar as origens da filosofia: a Teoria Mediana. Os estudos revelam que os principais poetas gregos (Hesíodo e Homero) utilizaram mitos de civilizações que ocuparam aquela região antes de se formarem suas Cidades-Estado (pólis), bem como mitos orientais com os quais tiveram contato por viagens, construindo assim o panteão mitológico helênico, que influiu a vida da população e serviu de princípio para o pensamento transformador da Filosofia. Destarte, cultos religiosos, mitos, organização da sociedade, do trabalho e das moradias, entre outras coisas, podem ser identificados na formação da cultura da sociedade, e claro, do pensamento grego.

Entendemos ainda hoje a ciência como um saber racional, metódico e rigoroso, de forma que possa ser desenvolvido e transmitido em um sistema de ensino.

De qualquer forma, os gregos são responsáveis pelo modelo de razão ocidental, que é universal, regido por regras, normas e leis, mantendo-se atemporal, aceito em todos os tempos e lugares, abrindo as portas para o que é hoje a Filosofia. Desenvolveram a partir daí uma forma de organização dos conhecimentos práticos do cotidiano de muitos povos, tornando-os sistemáticos e racionais, isto é, ciências. Alguns exemplos: o conjunto de práticas acontecidas em rituais misteriosos de cura, franqueados apenas a alguns membros de grupos religiosos fechados, que foram estudados, racionalizados e sistematizados, dando origem ao que é hoje a Medicina. A prática de comerciantes, reis e donos de terra, de medir, calcular e contar, transformados em Matemática, ou as práticas de previsão do futuro, como saber quando choverá, quando virão as cheias ou o sol, transformadas em Astronomia... De fato, a Filosofia como reflexão é a raiz de todas as disciplinas que você estuda agora e estudará no futuro.

Percebemos que, enquanto a Filosofia preocupa-se com a unidade do conhecimento, abordando-o de forma holística, levando em consideração valores morais e até conhecimentos que não podem ser experimentados (como os religiosos), a ciência concentra-se naquilo que pode ser experimentado por todos, tornando-se um sistema. Sendo assim, ao estudar Filosofia você não deve apontar necessariamente que deixou de estudar religião ou ciência, mas sim que, ao optar amar o conhecimento, sua percepção se abriu para múltiplas possibilidades – o que inclui a fé e o conhecimento sistematizado.

Entre os infindáveis conteúdos e campos do conhecimento humano, os gregos também desenvolveram o conceito de pólis ou Cidades-Estado, ou seja, cidade organizada por instituições e leis. Desse desenvolvimento surgiram a política e a polícia, advindas da pólis, mas com práticas diferentes para a organização de uma mesma sociedade: a primeira pela conversa e a segunda pela força. Surgem também os debates públicos, as assembleias, a ideia de participação do cidadão, a democracia...

Evidentemente, o que se mostra é profunda e radical transformação do pensamento oriental e das civilizações que a precederam, nascendo daí o sofisticado pensamento grego.
Contudo, por ora, nós nos deteremos em uma das suas inovações: a humanização dos deuses, muito identificada nas obras de Hesíodo e Homero. Com formas e práticas insondáveis, os deuses orientais e precedentes aos gregos afastavam-se tanto dos homens que era impossível uma identificação direta com eles. Eram usados cabeças e membros de diversos animais e formas, muitas vezes misturados ou aliados a elementos da natureza. Esses deuses contavam com histórias fantásticas, com detalhes sobre suas origens que desafiavam os conhecimentos humanos, colocando-os numa situação tão diferente quando submissa.

A novidade helênica é tornar os deuses divindades parecidas física e moralmente com os homens. Na Ilíada, por exemplo, podemos perceber que os deuses apresentam sentimentos tipicamente humanos, como a raiva, a inveja, o amor carnal, a vaidade e a compaixão, orgulho e ciúme, entre outros. Essas entidades são esculpidas na Antiguidade como humanos com idades diferentes e corpos torneados de acordo com a concepção estética do espaço e tempo em que viveram os escultores.

Fazem parte ainda do panteão grego muitos semideuses, filhos de divindades com humanos, como é o caso de Hércules ou Teseu. Mais tarde, esse movimento de aproximar os deuses dos homens facilitou o trabalho dos filósofos, que se dedicaram a divinizar o homem, ou seja, colocaram o homem no centro das explicações sobre os fenômenos do mundo.

Publicado em 22 de novembro de 2011

Publicado em 22 de novembro de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.