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Profissão dos sonhos

Alexandre Amorim

Wilson costumava sonhar com coisas simples. Na maioria das vezes, com problemas relacionados ao trabalho. Seu último sonho, porém, foi sobre desenhar um mapa que explicasse o caminho mais curto entre sua casa e a casa da atriz que ele vira fazendo uma performance em um bar com karaokê.

Wilson acordou feliz, depois daquele sonho. Havia esquecido a pilha de papéis em sua mesa, a cara de enfado de seus colegas e a voz fanhosa de seu chefe. Não lembrava muita coisa sobre o mapa do sonho e isso lhe causava certa ansiedade. Acreditava que as coordenadas oníricas o levariam mesmo até onde morava a atriz, que na noite anterior havia se vestido de uma mistura de femme fatale com palhaça de circo. Um vestido preto colado, saltos altos, batom vermelho sangue, cigarrilha na boca, nariz de palhaço, uma peruca ruiva e um chapéu enorme, azul, verde e laranja. Fez uma apresentação que o incomodou, pelo barulho e espalhafato, mas, depois que tirou o chapéu e a peruca, Wilson se apaixonou por ela. Mesmo ainda com a enorme bola vermelha como nariz.

Como saber onde morava a atriz, que escolhera “Você não serve pra mim”, de Roberto e Erasmo, no cardápio do karaokê, cantando já sem peruca e acessórios? E cantou com um riso de raiva, olhando para o nada. Wilson se apaixonou. Ele, que sempre quis cantar essa música. Que sempre quis ter para quem cantar essa música. Ele, que sempre quis compor e tocar violão. Que não tocava nem em sonhos.

Mas o que ele fez ou não fez não importava. Estava feliz por ter parado de sonhar com o trabalho. Odiava viver à noite o que sofria durante boa parte do dia. Precisava mudar e, pelo menos de modo inconsciente, havia mudado. Levantou, tomou seu banho frio, bebeu seu copo de leite gelado, abriu o jornal, mas não leu.

Foi para o trabalho. Papéis espalhados sobre a mesa, reclamações habituais sobre o tempo, as horas que não passavam, o salário ruim. O chefe faltou, mas amanhã a voz esganiçada voltaria.

O dia demorava a passar. Rabiscou vários mapas, mas rasgava e jogava na lixeira. Algum colega puxava assunto, mas ele não respondia. Uma colega riu de sua cara de distraído. Não era distração.

Wilson resolveu: não ficaria ali nem por mais um minuto. E andar até a porta de saída levaria mais de um minuto. Levantou-se da cadeira, deu três passos até a janela mais próxima da sua mesa. Não importava se o escritório ficava no térreo ou no vigésimo andar de um prédio do centro da cidade. Fosse no térreo, ele poderia ir até o bar de karaokê e propor à atriz que andassem pelas ruas sem rumo, mas que dessem as mãos e, em algum momento, fossem para sua casa.

Publicado em 22/11/2011

Publicado em 22 de novembro de 2011

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