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Psicomotricidade: pensamento e ação
Fátima Alves
Fonoaudióloga, psicomotricista, professora de graduação e pós-graduação
O Pensador de Auguste Rodin
Segundo Descartes (1596-1650), "a essência do homem é pensar". Por isso dizia: "Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente".
O movimento leva o corpo ao pensamento. A psicomotricidade tem por objetivo levar a criança a pensar antes de agir. O corpo e o movimento caminham juntos para fazer a criança pensar e reagir com intenção, descobrir o sabor da busca do saber. O movimento permite modelar o mundo numa aprendizagem palpável, buscando metas, planos e desejos, e assim passa a ser construtivo e construto do conhecimento.
Pela sistematização do estudo do movimento, procura-se a compreensão do homem e a vinculação entre a ciência (seu corpo teórico e coerência e a prática profissional) e a técnica (sua operacionalidade e eficiência). Desponta da necessidade de conhecer o ser humano através da sua motricidade a partir dos vínculos de dependência da cultura e da política, estabelecendo cientificamente relações de significação e organização entre o real e o possível (Lagrange, 1977, p.197).
O corpo é a essência, essência da ação. Interpretação de cada movimento e referência do prazer e satisfação. Isso é Psicomotricidade. Psicomotricidade que deve ser mencionada, estudada, reconhecida e abrilhantada nas resenhas do conhecimento da Educação. Psicomotricidade como organização do desenvolvimento das capacidades física, intelectual, psíquica e social. A sala de aula pode e deve ser um caminho para a interpretação da Psicomotricidade como ação pedagógica, valorizando todas as possibilidades apreendidas através do corpo por cada criança.
A Psicomotricidade dentro da sala de aula favorece o desenvolvimento da criança pelo pensamento, movimento e emoção. Integra essa criança, que abrange todas as aprendizagens necessárias para a progressão de cada etapa de seu desenvolvimento. Podemos promover atividades que façam com que a criança tenha consciência dos movimentos que seu corpo realiza de maneira expressiva e integrada com a emoção.
Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização (ABP, 2011).
A grande intenção da Psicomotricidade quando realizada em sala de aula deve ser fazer com que a criança perceba suas possibilidades através de cada ação realizada. Entender a qualidade dessa ação e fazer seu corpo integrar-se num tempo e num espaço, dando a ele função para se habilitar em diferentes modelos, critérios e realizações. É valorizar cada área fundamental para o desenvolvimento das capacidades motoras dessa criança, como a coordenação motora, o tônus, a postura, equilíbrio, a respiração, o esquema corporal, a lateralidade, o relaxamento, a orientação e estruturação espaço-temporal, o ritmo e as percepções. Isso facilita a expressão, a comunicação, trabalhando o limite, a agressividade, a afetividade e desenvolvendo a corporeidade.
Realizações de uma coordenação instintiva e ligada a uma união harmoniosa de movimentos e que facilita a integridade e a maturação do sistema nervoso, o que faz a criança descobrir o mundo que a rodeia. Dessa forma, permite a conservação voluntária de cada atitude e contribui para a elaboração e a conscientização do esquema corporal, tornando, assim, a execução dos movimentos mais controlada e precisa, sem esquecer a harmonia de cada gesto.
É de extrema importância capacitar-se nas habilidades apreendidas; ressalte-se que cada área deve ser desenvolvida para apreensão dessas habilidades. O tônus é uma delas; ele é essencial para aquisição de movimentos mais coordenados. Tendo dificuldade na tonicidade, com certeza a criança terá problemas na imagem sensorial de cada ação em movimento.
No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o tônus integra toda a história dialética das informações exteriores e inter-relaciona-as para dar origem à fenomenologia do comportamento humano (Fonseca, 1998, p. 233).
A postura é de fundamental importância para todo um diálogo corporal com perfeita harmonização de movimentos. Ela consiste numa relação estável entre a criança e seu meio, resultando numa perfeita harmonia e estabilidade, fazendo a criança permanecer dentro de seu espaço e utilizando o tempo necessário. A postura deve transmitir confiança; deve ter posicionamento adequado. Ela, quando adequada, é fundamental para formar uma figura harmônica. Dessa forma, torna-se importante para a execução de movimentos, para o equilíbrio e controle corporal.
O equilíbrio oferece estruturação do corpo e dá mais capacidade de concentração. É mais abstrato e facilita a aprendizagem e os mecanismos neuropsicomotores.
A respiração tem que se fazer presente nas ações e faz compreender cada movimento, seja ele interno ou externo. Sua presença é fundamental para a construção do esquema corporal, que é importante para o processo educativo, para a percepção do mundo em que a criança vive e para a linguagem que ela estabelece com seu próprio corpo. A criança tem que perceber seu corpo por meio dos sentidos. O corpo precisa sentir para perceber e saber como fazer. Essa criança tem que entender a relação que esse corpo tem com o ambiente e com os objetos para estabelecer as diferenças e formar sua própria imagem corporal, que é um componente psíquico.
Esquema corporal é o reconhecimento imediato do nosso corpo em função da inter-relação das suas partes com o espaço e com os objetos que o rodeiam, tanto no estado de repouso como de movimento (Le Boulch, 1984).
É partindo do seu próprio corpo que a criança estabelece as noções de distância, de profundidade, de espaço e percebe a imagem de si em relação aos objetos, ao outro, percepção que favorece a noção dos dois lados de seu corpo, passando a dominar um deles e dando preferência para utilizá-lo, para tornar-se destro ou canhoto. Isso é lateralidade. É fundamental que não haja interferência nesse processo de reconhecimento e dominância lateral. A ciriança é que tem que descobrir e estabelecer essa dominância. O que podemos perceber é que a criança discrimina, distingue, compreende e domina sua lateralidade. A lateralidade pode ser homogênea, cruzada, ambidestra e contrariada.
Os transtornos psicomotores – como a lateralidade e a estruturação do esquema corporal – são, de certa forma, responsáveis pela síndrome da dislexia (Romero, 1988, p. 9).
O relaxamento proporciona o conhecimento corporal mais eficaz e ajuda na descontração, procurando regularizar os ritmos do corpo. Pode ser utilizado em sala de aula, favorecendo a aprendizagem, já que, realizando o relaxamento, permite a eficácia da percepção e do controle corporal. Um bom relaxamento não faz dormir, e sim conscientizar-se de cada parte do corpo em ação em harmonia.
Com a tomada de consciência do outro e dos objetos, a criança passa ter mais organização. Ela se organiza perante o que a cerca e as coisas entre si. Prepara e alcança a abstração, oferecendo recursos para sua aprendizagem. Organizando e estruturando-se, passa a determinar as noções de: “em cima”, “embaixo”, “alto”, “baixo”, “direita”, “esquerda”, “à frente”, “atrás” e utiliza: antes, depois, agora, manhã, tarde, noite, ontem, hoje, amanhã, rápido, lento, forte, fraco, alto, baixo, envolvendo ritmo.
O ritmo é a maneira como reagimos. É a realização dos nossos gestos no dia a dia. Cada um de nós tem o seu ritmo. Cada criança é uma criança. Cada uma delas responderá em seu ritmo próprio. Isso quer dizer que não devemos impor à criança um ritmo que não lhe pertença. Essa imposição leva a criança a não explorar outras formas para ter consciência corporal como também estabelecer o conhecimento de si própria. Cada ritmo possui padronização e velocidade.
Uma das funções fundamentais para o desenvolvimento de uma criança é a percepção, que tem como objetivo a capacidade de reconhecer e compreender estímulos, e são executados mediante as cinco percepções: tátil, visual, auditiva, olfativa e gustativa. Ligada à atenção, à consciência e à memória, possibilita a discriminação, mediando o que sente e o que pensa.
As percepções favorecem a discriminação, o reconhecimento das diferenças. Com isso, a criança integra satisfação, prazer em suas atitudes, em suas ações envolvendo o pensamento, a linguagem, os movimentos e as emoções. As percepções possibilitam que a criança desenvolva sua posição no espaço, suas relações espaciais, sua coordenação visomotora, a constância de percepção e a figura-fundo.
Princípios da Percepção - Fonte: Wikipédia
A psicomotricidade favorece a expressão, e essa expressão deve fazer com que a criança demonstre seus sentimentos e suas dificuldades, internalizando os conceitos abstratos, desenvolvendo sua imaginação e autenticidade, aumentando assim seu processo criativo e sua capacidade de comunicar-se, capacidades que são essenciais ao processo educativo e à consciência corporal para estabelecer relações com o outro e com os objetos. Deve existir satisfação nesse processo, até mesmo para entender melhor os significados transmitidos.
É importante que o educador saiba que seus alunos se comunicam muito através de seus corpos. Por isso a importância de um diálogo entre professor e aluno.
Como educadores, sejamos capazes de ver, ouvir, perceber, sentir e falar. A afetividade tem que caminhar junto a todos os processos que têm como objetivo a interação do aluno com a escola, do aluno com o professor. A afetividade é fator essencial, muito necessário, e leva à estimulação, devendo permanecer na vida de cada um. Dessa forma, entendemos que a afetividade dá possibilidades, que devem remeter às relações significantes com o corpo, com as sensações e com o que se pode produzir e realizar. A afetividade dá ênfase à comunicação entre tudo e todos e faz o jogo corporal ser espontâneo.
A função relacional da Psicomotricidade estuda, interpreta e trabalha a agressividade, que muitas vezes é demonstrada por conflitos, reações que se tornam obstáculos para a criança não se afirmar e ter desejos. Muitas vezes essa agressividade faz parte do componente afetivo da criança.
A partir de um autoconceito e de uma regulação emocional inadequados durante os primeiros anos da pré-escola, pode-se tornar um sério problema social à medida que o tempo passa (Berger, 2003, p. 202).
Devemos ser sabedores de que ninguém agride por agredir simplesmente. Muitas vezes a agressividade é uma forma de comunicação, é um meio de dar e receber. A agressividade em excesso deve ser sinalizada e limitada. A identidade é afirmada e assumida muitas vezes pela agressividade. Podemos trabalhá-la com jogos e objetos simbólicos.
O limite é o equilíbrio entre o permitir e o proibir e ele se refere às noções espaciais, temporais através do movimento intencional e prazeroso.
Grünspum (1980) sugere alguns princípios disciplinares para orientar e adequar sem exageros o educador e o educando:
- Lembrar que o controle é necessário e importante até certo ponto e em algumas fases da vida (até que a criança comece a perceber que pode se controlar), flexibilizando conforme as situações;
- Desenvolver na criança organização, respeito e trabalho em grupo, com responsabilidade;
- Se houver necessidade de repreensão, fazê-la verbalmente e com diálogo entre as partes, apenas demonstrando insatisfação com o comportamento emitido, sem gritos, crises nervosas e associação a possíveis insatisfações anteriores;
- Manter boa autopercepção na relação com o educando, procurando perceber também sua parte nas atitudes e determinados comportamentos manifestados pelo educando.
A grande intenção da Psicomotricidade é fazer a criança vivenciar seu corpo na relação com o outro e com o mundo. Isso é corporeidade, que dá qualidade de vida por meio de movimentos e pela estruturação da imagem do corpo. Ela vai se construindo pelas experiências sensório-motoras, constituídas pelas emoções. Uma maneira de trabalhar a corporeidade é com atividades de comunicação não verbal e do jogo simbólico. Dessa forma, a corporeidade é desenvolvida, estabelecida e não é esquecida.
Merleau-Ponty (1990) define a corporeidade como “a dimensão da situação do homem como ser no mundo”. Para Santin (1992), a corporeidade humana deve ir mais além; precisa considerar a sensibilidade afetiva, as emoções, os sentimentos, os impulsos sensíveis e o senso estético, que precisam ser desenvolvidos, cultivados, orientados, estimulados e fortalecidos.
O corpo se expressa, dialoga e se comunica com outros corpos. A relação desses corpos se manifesta pelas funções que revelam sentimentos de desejo e frustração.
Referências
BERGER, K. S. O Desenvolvimento da Pessoa: da infância à adolescência. Rio de Janeiro: LTC, 2003.
FONSECA, Vítor da. Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
GRÜNSPUN, H. Diagnóstico dos distúrbios psicossomáticos da criança. In: GRÜNSPUN, H. Distúrbios psicossomáticos da criança. São Paulo: Atheneu, 1980.
LAGRANGE, G. Manual de psicomotricidade. Lisboa: (s.e.), 1977.
LE BOULCH, J. Educação psicomotora: a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo de cursos. Campinas: Papirus, 1990.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000.
MERLEAU-PONTY, M. O homem e a comunicação: a prosa do mundo. São Paulo: Cosac Naify, 2002.
ROMERO, Eliane. Lateralidade e rendimento escolar. Sprint, v. 6, 1988.
SANTIN, Silvino. Perspectivas na visão da corporeidade. In: MOREIRA, Wagner W. Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.
Publicado em 22 de novembro de 2011
Publicado em 22 de novembro de 2011
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