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As manifestações da USP

Alexandre Amorim

O campus da Cidade Universitária da USP, entidade educacional mantida pelo Estado de São Paulo, foi palco de manifestações de estudantes durante os meses de outubro e novembro. Muitos acham que o fato gerador de tais atos foi a detenção de estudantes por porte de maconha. A história vem de bastante antes.

O Brasil tem um histórico de repressão militar, e a Polícia Militar – justa ou injustamente – também não goza de boa fama entre a maioria da população. Abusos repressivos são constantes não apenas contra atos políticos, mas também contra o cidadão comum. Além disso, a USP já fez uso da repressão policial em acontecimentos políticos, como em 2007, na Faculdade de Direito, e na greve de professores e funcionários de 2009, ambas com uso de bombas e balas de efeito moral. A invasão policial de 2007 foi solicitada pelo atual reitor da universidade, João Grandino Rodas.

Em maio deste ano, um aluno foi vítima de sequestro e latrocínio em pleno estacionamento da Faculdade de Economia e Administração. Após o crime, a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar e a reitoria da USP assinaram convênio prevendo ajuda da PM à Guarda Universitária no policiamento do campus.

Acontece que esses policiais reprimiram e prenderam, em outubro, três alunos usuários de maconha dentro da universidade. Os campi universitários não são locais isentos de lei, e o artigo 16 da Lei Antitóxico, de 1976, prevê “detenção de seis meses a dois anos” e multa para aquele que “adquirir, guardar ou trouxer consigo, para uso próprio, substância entorpecente”. A interpretação dessa lei é controversa e, talvez por isso, algumas centenas de estudantes sentiram-se motivados a invadir a Faculdade de Letras e Ciências Humanas para protestar. Mas, pelo histórico PM-USP, o motivo não foi apenas defender o uso livre de drogas leves na universidade – é necessário também se precaver contra o uso da força para coibir ideias.

Em plena complexidade do século XXI, em que precisamos nos adaptar a uma tecnologia renovada a cada semana e ainda nos acostumar com o fim das fronteiras entre antigas ideologias, a mídia nacional e os movimentos organizados resolveram colocar a direita e a esquerda em combate no campus da USP.

De um lado, estudantes reivindicam o direito a um território livre da repressão policial, que, sob a alegação de prover segurança, desestabiliza qualquer possibilidade de manifestação contra a política vigente na USP. De outro lado, estudantes da mesma universidade argumentam contra o modo antidemocrático exercido pelos primeiros para determinar os tipos de manifestação a serem utilizados. Como se vê, é uma questão bem menos simples do que uma briga infantil entre usuários de maconha metidos a hippies e burgueses fascistoides. Até porque essas classificações, além de reducionistas, são preconceituosas e aumentam ainda mais a rixa entre os oponentes. E alimentar brigas e preconceitos mediante a simplificação de um conflito só serve para vender mais jornal e manipular a opinião pública.

A universidade é um local de pesquisa e fomentação ao pensamento. Há quem considere um campus universitário lugar sagrado justamente por isso. Não é. É local público, que deve estar aberto a todo tipo de pensamento – e esses pensamentos, por sua vez, devem estar sujeitos às críticas que porventura sejam feitas. A universidade não está livre da democracia – apesar de ter nascido de modo elitista. Por isso, o debate entre as partes, na USP, deve ser continuado, mas não conduzido do jeito que está. É impossível debater o funcionamento de uma instituição como a USP utilizando argumentos como: “os manifestantes usam roupas de grife”, “querem apenas defender o uso de entorpecentes” ou “quem é contra as manifestações é nazista”.

Dos recentes episódios na USP, duas lições se aprendem:

  • Fica claro que a representação estudantil não pode ser desprezada. E esse desprezo é dado inclusive pelos próprios alunos, quando deixam de participar nas tomadas de decisão e nas reivindicações feitas ao longo do ano. A participação é fundamental para que haja representação – do contrário, os nichos representativos dos alunos serão sempre tomados por minorias.
  • O modelo de segurança nos campi universitários públicos deve ser revisto. Não é possível utilizar um instrumento que serve à repressão política para a segurança desses próprios manifestantes.

Mas, antes de tudo, é preciso pensar no que ocorreu em São Paulo como um embate de ideias, não de troca de acusações vazias. A universidade é local de debate, e o debate deve ter um nível que faça esse local ser respeitado.

29/11/2011

Publicado em 29 de novembro de 2011

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