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A voz dos invencíveis A estrutura jurídico-administrativa do Império no Brasil
Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva
A polícia no império, organização e policiamento dos excluídos
Bronislaw Geremek apresentou dois planos de realidades sociais para abordar a problemática da exclusão social: socioculturais e socioeconômicas. Elas ocorrem quando um indivíduo ou mesmo um grupo/corpo social e sociocultural autônomo, podendo participar de um determinado conjunto de relações de produção, coloca-se na condição de excluído da hierarquia de valores dessa sociedade. E, pela recusa, afasta-se também do referencial que a ordena, razão pela qual acaba assumindo a condição que fazemos questão de frisar, a de excluído social. Nesse caso, ela pode codificar as passagens da cidadania plena para a marginal, e desta para a de excluído, estabelecendo para isso até mesmo o ritual de tal mudança.
Geremek também levantava a hipótese de que nem toda marginalidade pode ser considerada vil, já que existiram algumas positivas. No caso brasileiro, por exemplo, os vínculos de dependência entre a população oriunda da escravidão, fossem eles libertos ou escravos, eram muito fortes e geravam ligações perigosas, tanto para dominadores como para dominados. No Segundo Reinado, o declínio paulatino da escravidão garantiu novas formas de relações que ainda lembravam as antigas. Os “escravos ao ganho”mantinham acentuada dependência no interior do espaço urbano. O mesmo ocorria com o liberto e até com o brasileiro livre.
Michele Perrot fala de uma camada de pessoas excluídas socialmente pelo analfabetismo. As formas de tratamento que a sociedade lhes impõe, negando-lhes a palavra,não promovem sua destruição. Outro elemento do elenco de ingredientes do excluído social é a vergonha social. Tais pessoas acabavam vivendo em grupos, constituindo os denominados bandos de companheiros.
Maria Helena P. T. Machado defende a existência de uma camada de trabalhadores informais e flutuantes na cidade de São Paulo entre 1890 a 1914. Registrou que o aumento demográfico e o desenvolvimento econômico possibilitaram esse aparecimento tipológico do que denominava “trabalhadores casuais”, apresentando, como consequência, “o inchaço do setor informal da economia, o crescimento desmedido de formas múltiplas de trabalho temporário, do subemprego e do emprego flutuante”.
Já o professor Thomas H. Holloway, no livro Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX, tratava da relação da interminável questão polícia versus resistência à repressão na cidade, apresentando quadros estatísticos onde são claros os volumes de prisões efetuadas. Entretanto, não se preocupou em verificar os mesmos dados numa tabela mais sequencial, em que os intervalos de tempo para o período são menores, como a que mostramos. Holloway não trata da corporificação do “grupismo”, por nós denominado “sociedade paralela”, em que a resistência se cristalizava. Apenas observa a instituição policial e seus problemas. Em nossa pesquisa investigamos essa instituição com lente ampliadora dos problemas menores ocultos em suas ações e relações com a sociedade paralela, porquanto nos ajuda a conhecer melhor o marginal.
No que se refere à defesa da ordem, à construção de um perfil do que chamamos sociedade tradicional, temos que seus pensamentos e comportamentos, bem como a forma pela qual se processaram as mudanças no quadro institucional, tanto em termos da administração quanto da ideologia do poder, são condição indispensável para que se possa abordar o excluído social e a sociedade da cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX.
Ao regulamentar alguns artigos do Ato Adicional de 1834, a Lei nº 105, de 1o de maio de 1840, caracterizou-se como um avanço. Já a Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, acabava por reformar todo o Código de Processo Criminal do Brasil, modificando seus ritos e restringindo os avanços na interpretação da lei. Este último instrumento legal apresentou-se como um grande corte nas conquistas jurídicas do governo regencial. Tais transformações acentuaram o processo de centralização administrativa, cujo ápice seria atingido em meados de 1850.
Nenhuma dessas mudanças alterava os fundamentos escravistas e individualistas da ordem vigente. Todos os ministérios foram, de uma forma ou de outra, instrumentos voluntários e hábeis desse processo de centralização.
A já histórica violência que se instaurara na cidade do Rio de Janeiro acentuou-se – como se acentua até os nossos dias. Alguns autores informam que a desordem daquela época era crescente. Havia um Judiciário extremamente comprometido com o poder político, o que dificultava o desenrolar da punição dos crimes na fase imperial, o que talvez tenha se reverberado para os nossos dias. O direito de propriedade era constantemente violado. Ocorria, também, forte exacerbação do Poder Judiciário criminal, a polícia que vivia atropelando, despojando, espoliando o súdito da Coroa, comportamento que talvez continue em áreas ou geografias dos excluídos sociais, situado nos perigosos limites entre a ordem e desordem. Havia, portanto, uma polícia cujo desempenho oscilava entre a corrupção e a violência, como demonstra Raimundo Magalhães Junior:
Uma constituição nacional, direitos sem exercício, interesses sem satisfação, liberdade sem garantias; o direito de propriedade sem segurança porque a justiça civil‚ distribuída por magistrados políticos que sacrificam as paixões de partidos à imparcialidade do julgamento; a justiça criminal entregue a inumeráveis harpias (monstros) de uma polícia que atropela, despoja, e escraviza o cidadão pacífico.
Ao que tudo indica, ninguém causava mais danos ao cidadão que a própria polícia naquela época, roubando-o ou destituindo-o de propriedade e segurança. E, como se não bastasse, escravizava as pessoas à Lei de Reforma do Código de Processo Criminal, um forte instrumento usado indiscriminadamente naquela época. Sua penetração e prestígio foram significativos dentro do aparato judicial, policial e administrativo da Corte, cuja alteração pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, só conseguiu acentuar o caráter centralizador da administração exercida por autoridades de confiança e nomeação do imperador.
A hierarquia para o exercício das atribuições de polícia administrativa e judiciária começava no ministro e secretário de Estado dos Negócios de Estado Justiça da confiança e nomeação do imperador, a ele se seguia o chefe de Polícia da Cidade do Rio de Janeiro, nomeado pelo imperador e deveria nela residir.
O Poder Judiciário sobrepunha-se à autoridade policial, gerando insatisfações, e acabava por permitir que os chefes de polícia tomassem decisões arbitrárias.
Sabe-se que com a Lei de 3 de dezembro de 1841 houve reformulação nas atribuições da polícia. A justiça da Comarca do Rio de Janeiro passou a ter seus juízes nomeados diretamente peloimperador. A comarca compunha-se do Termo ou Julgamento do Município da Corte, com seus juízes de órfãos, e juízes municipais, nomeados pelo imperador. Havia, ainda, o Município Neutro da Corte, dividido em distritos policiais com delegacias, cada uma delas chefiada por um delegado, com seus subdelegados.
Nessa dança entre o poder da ordem e o crime, a qual hoje se agiganta como crime-negócio, tínhamos nos meios jurídicos muita movimentação no sentido de organicidade maior; os escrivães dos subdelegados, aqueles que registravam as ocorrências policiais, lavrando os autos estavam sob nomeação e responsabilidade dos respectivos delegados, investiam-se de presença. A distribuição de tarefas organizava-se dentro do seguinte esquema: um distrito policial na corte abrangia um determinado número de freguesias, e cada uma delas compreendia certo número de distritos, com os seus respectivos juízes de paz escolhidos por processo-eletivo. Cada distrito de paz era dividido nos chamados quarteirões, cada qual confiado à responsabilidade de um elemento conhecido como inspetor de quarteirão, nomeado pelo delegado. Esse inspetor deveria assumir o mínimo de vinte e cinco fogos. A coisa era grandiosa e dava trabalho.
As autoridades atuavam tanto no âmbito policial quanto na área judicial-criminal. Antes da reforma, a competência era do onipresente juiz de paz. Os chefes de polícia, além de julgar contravenções referentes às posturas municipais, fiscalizavam se as câmaras cuidavam eficazmente dos órgãos de polícia que lhes competia organizar, com o auxílio dos delegados, subdelegados, juízes e párocos. Estes elaboravam a estatística geral e criminal da Corte e controlavam sua população fixa ou flutuante. Já no Império a ordem tinha certo trabalho no controle jurídico-político da coisa pública, com encargos e funções variadas e diversificadas. O juiz de paz, todo-poderoso antes da reforma, tinha poucas atribuições.
Em 1842, foram criados na cidade do Rio de Janeiro dois distritos policiais, com suas respectivas delegacias. O primeiro abrangia as freguesias de Sacramento, São José da Candelária, Santa Rita, Santana, Engenho Velho e Glória, ou seja, todas as regiões urbanas, ou freguesias de dentro, com exceção da Lagoa. O outro distrito ocupava-se das demais freguesias, a saber: Jacarepaguá, Inhaúma, Irajá, Campo Grande, Guaratiba, Santa Cruz, Ilha do Governador, Ilha de Paquetá e Lagoa. Todas, com exceção da última, eram localidades suburbanas. Em 1857, a Corte foi desmembrada em três distritos. Fundiram-se, num mesmo distrito, freguesias urbanas e suburbanas. O primeiro distrito incluía as freguesias de Santa Rita, Candelária, Sacramento, Ilha do Governador e Ilha de Paquetá; o segundo, as de São José‚ Santo Antônio, Glória, Lagoa e Jacarepaguá; ao terceiro distrito pertenciam as de Santana, Engenho Velho, São Cristóvão, Inhaúma, Irajá, Campo Grande e o Curato de Santa Cruz. Durante o período que vai de 1857 a 1866, as duas freguesias mais centrais da cidade eram Santa Rita e Santana, que foram várias vezes desmembradas e desdobradas em subdistritos com subdelegacias policiais.
Havia, para os homens empregados no policiamento das freguesias urbanas e suburbanas da Corte, grande dificuldade no cumprimento de suas tarefas. A distribuição das pequenas forças policiais fazia-se através do intrincado labirinto das vielas e pequenas ruas. O arruamento era estabelecido de acordo com as casas, e não o inverso, gerando becos de difícil fluência para as pessoas, porquanto eram redutos e esconderijos da marginalidade. O Rio de Janeiro assim permaneceu até a reforma de Pereira Passos, porém, não conseguiu retirar os tais presentes invencíveis que passariam a habitar o famigerado crime-negócio hoje em dia do tráfico de drogas com o qual nos deparamos em nossa urbanidade de um Rio de todos os Brasis (Carlos Lessa).
Ao observar a distribuição do policiamento na cidade naquela época, podemos notar, segundo o Regulamento dos Guardas Municipais, que a freguesia da Candelária contava com apenas oito guardas, dentre os quais quatro pertenciam exclusivamente à Praça do Mercado. A freguesia do Sacramento possuía seis guardas; a de Santa Rita, apenas cinco; e as do Engenho Velho e Glória tinham quatro cada uma. A da Lagoa dispunha de três; e a de Santana tinha o dobro do efetivo policial. A de São José‚ por sua vez, era policiada por quatro homens. As outras, fora da cidade, continuaram com reduzido número de guardas municipais. Havia preocupação de bem guardar o centro da cidade, pois lá funcionava a maior parte das atividades econômicas, principalmente o comércio.
É lógico que outras razões eram importantes para definir a prioridade de valorizar o centro. Lá se localizava o porto, bem como o governo central, tanto o da Corte quanto o do município do Rio, mas eram tempos de frouxidão, se compararmos com os de hoje, com o crescimento de coisas como favelas e outras. Ainda ali estava concentrada a maioria dos desocupados, a quem se devia reprimir. O centro, enfim, era um espaço convidativo para os criminosos, pois se constituía como aquela área onde se concentravam as vítimas que mais facilmente renderiam lucros em roubos, assaltos etc. ou pequenos ganhos, como se costuma dizer hoje; não nos esqueçamos de que era um Rio bucólico, sem o frenesi de hoje em dia.
As reformas também trouxeram novidades: os cargos de juiz de órfãos e promotor público deixaram de ser da escolha da Câmara Municipal e passaram a depender da vontade do Governo Imperial. O juiz de paz eletivo perdeu suas atribuições policiais e também jurisdição criminal sobre delegados e subdelegados, que eram nomeados e demitidos ao arbítrio do governo. O júri era acusado continuamente de ineficaz, quaisquer que fossem os tribunais. O juiz de direito, a relação e a magistratura passaram a exercer sobre a instituição popular do júri um tipo de inspeção e tutela, como queriam alguns.
Para ser nomeado guarda municipal, era preciso saber ler, escrever e contar, apresentar certidão de nascimento e ser maior de vinte anos. Enquanto estivessem empregados, os guardas não ficariam sujeitos aos recrutamentos. Os substitutos, secretários dos fiscais, só recebiam os vencimentos, porém não tinham participação nas multas. O guarda municipal recebia pequeno soldo, não podendo aceitar dinheiro das partes ou guardar a importância das multas para si, sob pena de demissão e consequente perda do emprego.
A partir de 1858, a força fixa da Guarda Municipal apresentou decréscimo em seu efetivo, tendendo a estabilizar-se em quatrocentos homens. Esse número representava um patamar alto, se comparado ao de 1851. Contudo, o fato de haver menor número de ocorrências policiais teria explicação se tivéssemos queda nos índices de turbulência e criminalidade na cidade. Mas não procede essa hipótese. Os índices de ocorrências policiais em relação ao elemento liberto caem no período que se estende de 1862 até 1870.
Mas a desordem, vagabundagem e turbulência continuaram a ocorrer de forma variada e forte pela cidade. Os estrangeiros, por exemplo, apresentaram de início números assustadores em comparação com os do primeiro biênio (1850/52). Tais dados, entretanto, decaíram de forma brusca, registrando entre 320 e 170 ocorrências policiais nos nove últimos anos do período. Um novo aumento seria constatado em igual período da década de 60.
Em 1851, a força policial fixa era de 356 policiais para um efetivo de 345; em 1858, observamos uma força fixa de 441, representando, portanto, sensível aumento, mas não consta menção sobre o efetivo. Em 1859, a força fixa decai para 419, enquanto o efetivo policial eleva-se para 397 elementos, numa clara política de reservar o direito de mexer, remanejar, demitir e admitir sempre que conviesse. Contudo, parece-nos que o objetivo era a redução dos gastos, porque durante o ano de 1860 essa força fixa decai para 400 policiais e o efetivo para 391.
Para 1863, o contingente da força fixa não foi apresentado; entretanto, o efetivo mantém-se em 391. Em 1870, o número da força fixa mantém o mesmo limite apresentado no ano de 1860, ou seja, 400 homens, mas, o efetivo policial decai para 233, o que, em relação a 1863, constitui-se em substancial redução. O precário contingente policial dificultava a repressão ao crime. Todavia, grande número de policiais concentrava-se na capital do Império.
Em 1850, o governo mandou prosseguir com as obras do segundo raio de penitenciárias, demonstrando preocupação com o crescimento da marginalidade. Porém essa medida não se refletiu nos quadros da polícia. O alegado aumento de espaço da penitenciária consta no Relatório do Chefe de Polícia da Corte do Rio de Janeiro, o Dr. Luiz Gama:
Quisera apresentar um trabalho completo e aproveitar o ensejo para lembrar ao Sr. Ministro a adoção de medidas tendentes a melhorar este importante ramo de serviço público de modo a ser executado com muita facilidade e vantagem. Pouco tempo porém de exercício me inibe de satisfazer tal desejo, reconhecido, de acordo com os ditames da prudência, a necessidade de aguardar os resultados da experiência para fazê-lo com segurança e utilidade.
O retrato da violência no império com os excluídos e consequências no século XX
O sistema de penalidades vigente deixava muito a desejar. Vários estudos feitos na época denunciavam o atraso em que se encontrava toda a prática legal no país. Os erros iam desde a natureza das penas até os fins.
O Código Criminal consagrava as seguintes penas: morte, prisão com trabalho, prisão simples, degredo, desterro, suspensão com e perda do emprego e multa. Todas as pessoas aprisionadas eram passíveis de serem enquadradas numa dessas punições, de acordo com o crime praticado. Vemos que, no final do século XX, também o índice continua a ser grande tanto aqui quanto na América Latina.
O mundo da análise se localiza na história social da escravidão, mais precisamente no processo de constituição da dominação escravista, enfocada como subproduto da dinâmica das relações entre senhores e escravos. Resgatar os comportamentos escravos em sua multiplicidade de formas e configurações históricas, ao longo do tempo, apresenta-se, pois, como tarefa pertinente para atingir a problemática proposta em sua globalidade.
A crise da instituição escravista corroeu lentamente o padrão histórico social e até mesmo o sociocultural profundamente arraigado de fortuna e distinção social. Tratava-se de substituir o braço escravo pelo livre, em etapas, de forma a assegurar a estabilidade da produção frente ao desafio de superar as pressões e conflitos subjacentes ao processo de transição. A camada senhorial preservou, enquanto pôde, o sistema escravista, deixando o da escravidão na mais profunda desocupação social. Ora, para responder à conjuntura externa desfavorável ao regime escravista que se vivenciava, os escravos desenvolviam estratégias de resistência que se refaziam constantemente ao sabor das circunstancias e do tempo.
O professor Boris Fausto, sobre Crime ou Criminalidade,afirmava que já havia notado a mesma problemática, remarcando a peculiaridade dessa categoria. Criminalidade se referia,
ao fenômeno social na sua dimensão mais ampla, permitindo o estabelecimento de padrões através da constatação de regularidade cuja riqueza em certos casos não se encerra em si mesma, como caso individual, mas abre caminho para muitas percepções.
E não se tinha como mudar tal quadro sem a presença de uma força maior que se fizesse presente. Contudo, começar-se-ia a viver um problema gigantesco na fase que se inaugurava, a pós-escravidão, pois a ausência do Estado se faria latente por muito tempo e trazia consigo o mais absoluto quadro de abandono social e sociocultural, sendo a grande germinadora da exclusão social que vemos acontecer em nichos paralelos de hoje, como as favelas fluminenses.
Crime e/ou criminalidade, para o professor Boris Fausto, que já havia notado a mesma problemática, como já evidenciamos, remarcando a peculiaridade desta categoria analítica. Criminalidade se refere ao fenômeno social na sua dimensão mais ampla, permitindo o estabelecimento de padrões mediante a constatação de regularidade cuja riqueza em alguns casos não se encerra em si, como caso solitário e individual, mas descortina-se um caminho para muitas outras percepções. Somente olhando a História do Tempo Presente, defendida pelo professor Alan Minc, é que podemos nos municiar de elementos básicos para a melhor verificação.
À criminalidade sempre se sobrepõe o crime. Crimes como homicídios contra senhores, feitores e capatazes, furtos da produção agrícola e outros, ao decomporem a dinâmica do trabalho escravo e a tessitura da dominação social escravista que a envolvia, desvendam, então, a condição de escravo em sua grandiosa mutabilidade histórica na denominada pós-escravidão, ocupando as brechas abertas pela gradativa decomposição da tipologia de dominação social escravista. Eles apuravam suas formas de luta, ao mesmo tempo que se conscientizavam da sua condição. A abolição encontrou muitos deles ainda em suas “silenciosas lutas, lutas de corpos calados que se reverberaram pela pós-escravidão até os nossos dias, como podemos ver ainda em áreas de excluídos sociais, como favelas de nosso Brasil fluminense”.
Este era o retrato da violência fluminense, tanto na escravidão quanto na pós-escravidão de um Rio dos vários brasis. Violência que se fazia notar em uma variada formação múltipla de culturas conviventes.
Referências
ARQUIVO Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Regulamento dos funcionários: guardas vigias e guardas municipais (1840/1842). Rio de Janeiro: Códice 6-2-37, fls. 125-126.
BARRETO LIMA, Mello; LIMA, Hermeto. História da Polícia do Rio de Janeiro: aspectos da Cidade e da Vida Carioca, 1565/1831. Prefácio de Felinto Miller. V. 1. Rio de Janeiro: A Noite, 1939.
BIBLIOTECA Nacional. Setor de Microfilmes. Relatório dos Chefes de Polícia da Corte do Rio de Janeiro. Dr. Agostinho Luíz da Gama, Rio de Janeiro: 1851-1870.
DIAS, Maria Odília Leite da Silva. Interiorização da metrópole. In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: Dimensões. São Paulo, 1990.
FAUSTO, Boris. Crime e capitalismo. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo, 1983.
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LESSA, Carlos. O Rio dos vários Brasis. Rio de Janeiro: Record. 2003.
Lei e Reforma do Código de Processo Criminal e suas regulamentações. Coleção das leis do Império de 1842. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1862.
MACHADO, Maria Helena P. T. A vida do trabalhador pobre na cidade de São Paulo, 1890 a 1914. Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1984.
MAGALHÃES JUNIOR, Raimundo. Três panfletários do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Índice Geral.
MINC, Alan. A nova Idade Média. São Paulo: Ática, 1991.
MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: Dimensões. São Paulo, 1990.
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Trad. Denise Bottomann, São Paulo: Paz e Terra, 1991.
SANTOS, A. C. M. dos; NARO, Priscilla. O crescimento do Rio de Janeiro: da Cidade Colonial na Corte Imperial. In: As Origens e Constituição das Forças Policiais na cidade do Rio de Janeiro (1831/1889). Relatório anual FINEP/FNDCT/PUC.
SCHMITH, Jean Claude. História dos Marginais. In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História Nova: novos problemas. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Publicado em 06/12/2011
Publicado em 06 de dezembro de 2011
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