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O prazer em ser professora

Alexandre Amorim

Descrever a img desde que não seja apenas ilustração
Professora Maria do Carmo Procaci e alguns de seus alunos

Maria do Carmo Rezende Procaci Santiago é professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Os leitores, eu imagino, soltam um longo suspiro. Aqueles que têm filhos suspiram porque se lembram dos deveres e das reclamações da prole, que reclama da dificuldade que é flexionar verbos e interpretar textos. Aqueles que conhecem melhor a situação de uma sala de aula suspiram com simpatia e até pena de Maria do Carmo. Língua Portuguesa é fogo. Uma esfinge que todos acham que vai nos devorar. Ser professor é fogo. Quase um ato heroico. Suspiros.

Que se tornam mais profundos e longos quando sabemos que Maria do Carmo veio formada de Juiz de Fora e, no Rio de Janeiro, ainda resolveu estudar Direito. Os mais afoitos se perguntam: mas por que não foi ser advogada e ganhar melhor, ao invés desse sofrimento, que é a batalha do magistério?

Mal sabem eles que essa professora-quase-heroína, além da sala de aula, está envolvida com um projeto, Autonomia Carioca, que luta contra a defasagem etária nas escolas; é consultora para a Fundação Roberto Marinho na formação de professores e tutora da MultiRio e Planetapontocom, além de ter artigos publicados em sites de educação.

Mas para que tanto afinco? Talvez a resposta seja: por ter uma visão mais abrangente do que significa sua profissão, que inclui criatividade, foco no aluno e... amor.

Ainda os mais céticos tentarão argumentar contra. Criatividade e amor são abstrações que surgem de uma utopia impossível em sala de aula, eles dirão. A professora Maria  do Carmo parece discordar – e com propriedade: “escola é lugar de afeto, dignidade, fraternidade, amor ao próximo, amizade, aprender com o outro, saber ouvir, ter um olhar diferenciado para seu aluno, criando assim condições para o desenvolvimento do potencial de cada um, fazendo com que ele se torne um ser humano completo, em suas dimensões sociais, afetivas e intelectuais. São valores que assumem papel fundamental na relação professor, aluno, escola, principalmente no mundo atual”.

Afeto parece ser uma palavra-chave em seu vocabulário e em sua rotina. Como ensina a Psicologia mais tradicional, não basta apenas a cognição e a crítica, mas também o afeto para a formação do ser humano – e essa formação passa pelo aprendizado. A seguir está uma entrevista com a professora.

Educação Pública - Como harmonizar a relação entre professor, aluno e escola, levando em consideração as obrigações curriculares do professor e os limites de recursos de uma escola?

Maria do Carmo - Limites de recursos de uma escola não impedem que a relação entre professor, aluno e escola seja harmoniosa, porque, em minha opinião, se o educador for criativo em relação à metodologia, às obrigações curriculares, fazendo as adaptações necessárias e considerando a realidade, o interesse dos alunos, teremos respostas satisfatórias quanto ao resultado da aprendizagem, ao que queremos que o aluno assimile, alcance, para o seu crescimento como cidadão crítico, participativo e transformador do meio em que vive. Mesmo tendo poucos recursos podemos, a partir deles, ampliar a realidade à nossa volta, transformando-a e colaborando para que a escola seja realmente um espaço de humanização e de construção da ética planetária, com posturas afetivas, cooperativas marcadas pelo compromisso com uma sociedade justa e feliz. Nada é impossível, basta o professor ter vontade, seriedade e compromisso com o que realiza; digo mais: o modo como o conhecimento será apresentado ao educando é que influi em todo o processo educativo.

Educação Pública - A internet surge como provedora de informação. Qual o papel do professor, hoje?

Maria do Carmo - Nosso papel como educador é direcionar nossos alunos por esses novos caminhos, guiando o processo de aprendizagem, sendo o elo entre o aluno e o conhecimento. A cada segundo inúmeras informações nos são apresentadas na internet. Não podemos fugir e querer descartar da nossa prática pedagógica essa realidade, é um mundo de informações sem fronteiras. É difícil? Pode ser, mas não impossível. O mestre Paulo Freire ensinava: “Mudar é difícil, mas é possível” e necessário! Não podemos nos acomodar e continuar insistindo naquele sistema de ensino arcaico, impondo conceitos que nada acrescentarão, em nada servirão aos nossos alunos. Não podemos nos considerar educadores se agimos com desinteresse, irresponsabilidade na formação de nossos educandos. É essencial que o educador acompanhe as mudanças, participe de capacitações, tenha a humildade de dizer que não sabe e aprenda a cada dia mais para trabalhar com os alunos as inovações presentes nos dias atuais. Educar é fazer das pedras existentes no caminho oportunidades para enxergar outros caminhos, ultrapassar fronteiras rumo aos novos horizontes.Tanto ensinamos quanto aprendemos. E nossos alunos nos ensinam muito com as novas tecnologias que eles tanto dominam. Quanta aprendizagem adquirimos! E, nessa caminhada, educadores e educandos se superam a cada amanhecer, tornando-se mais sábios e conscientes de que todos aprendem com todos, que ninguém é melhor que ninguém, que todos os saberes são importantes.

Educação Pública - Como determinar as necessidades de seus alunos?

Maria do Carmo - É necessário que o ambiente de aprendizagem  possa ajustar-se às necessidades particulares de cada aluno. Pelo diálogo, por atividades realizadas em sala de aula em que o aluno tenha liberdade de falar, de se manifestar por meio de dinâmicas, da produção de textos, de realizar trabalhos em grupo, de ser solidário, por seus hábitos e atitudes, podemos conhecer e determinar suas necessidades, respeitando sua individualidade, seu ritmo, sua realidade de vida, sua família, seus sonhos... Aonde ele pretende chegar com os estudos, qual o seu projeto de vida? É fundamental fazer uma análise da turma, diagnosticar o que sabe e as dificuldades de cada aluno para que a relação professor-aluno aconteça e transcorra de maneira descontraída, alegre, prazerosa e feliz, contribuindo assim para que possamos colaborar efetivamente na vida do aluno.

Sobre sua experiência de criação com os alunos a partir do livro Falando pra Caramba (e ouvindo também), dividimos a pergunta em três tópicos.

Educação Pública - Interpretação de um texto: como direcionar a interpretação sem tolher a criatividade dos alunos?

Maria do Carmo - Deixando os alunos à vontade para falar, criar, escrever, desenhar e depois socializar as atividades de todos, apresentando cada um ou cada grupo à sala de criação e colando no mural da sala, da escola. Sobre minha experiência com os alunos, a partir do livro Falando Pra Caramba (e ouvindo também), veja como foi realizado o trabalho:

Falando pra caramba … na sala de aula

Para dar início às atividades, fizemos uma roda e perguntei aos alunos como seria aquela aula, o que eles imaginavam que iria acontecer. Dei um tempinho para eles trocarem ideias e depois cada um foi se colocando. “Hoje vamos ensaiar uma peça, vamos ouvir uma história, apresentar uma notícia, vamos contar sobre o dia de ontem” e muitos outros falaram. Aproveitei o “vamos ouvir uma história” e sugeri primeiramente que eles contassem uma pequena história. E as histórias foram contadas. Após esta etapa, apresentei-lhes o livro, começando a leitura. Cada aluno leu um pouco. Terminada a leitura, dividi os alunos em grupos e pedi que falassem sobre como eles eram, o que gostavam de fazer, o lugar onde moravam, suas famílias… Da mesma forma como os personagens do livro se apresentam.

Terminada essa etapa, dei início às discussões propostas perguntando: “Gostaram do livro? A história fala sobre o quê? Qual a parte que chamou mais sua atenção?” Cada grupo apresentou seu trabalho oralmente. Quem quisesse acrescentar algo à fala de outro grupo podia.

Feito isso, entreguei a cada grupo uma cópia de parte do livro e pedi que os alunos refletissem e discutissem sobre o que receberam. Falaram sobre amizade, sobre as palavras, as gírias, os símbolos representando as palavras, sobre o cuidado com o meio ambiente, sobre a situação do Rio Carioca, sobre a internet e outras coisas. As histórias foram escritas depois e representadas por meio de símbolos criados por eles. A fala e a escrita foram muito trabalhadas nas atividades. Os alunos criaram histórias, legendas de códigos a partir do teclado do computador e um pequeno livro.

A produção do livro serviu para mostrar que eles são capazes de criar – e muito. Pode ser um poema, uma história, uma imagem, uma frase, um livro…  O importante é começar. Não desanimar nunca e acreditar no potencial de cada um. Está provado aí, por meio de todas as atividades que realizaram a partir do livro Falando pra caramba (e ouvindo também), que todos têm talentos e criam lindos trabalhos.

Educação Pública - Relações interdisciplinares – como aproveitar as relações de um texto com outros campos do ensino e como aproveitar a essência literária desse texto?

Maria do Carmo - Apresentando vários tipos de gêneros textuais, fazendo o aluno sentir e ver que todo texto tem sua beleza, tem sua poesia. E o professor de Português, por exemplo, pode e deve utilizar textos de outras disciplinas, trabalhando não só a leitura como também o vocabulário, a interpretação, a visão de mundo, os saberes do aluno, enriquecendo mais sua aula e ampliando, para os alunos, os conteúdos de outra disciplina. Citando o trabalho com a crônica: a crônica é um gênero peculiar, que humaniza e dialoga com o leitor por meio do coloquialismo, da leveza e da subjetividade.  Justamente por esses traços específicos que a aproximam do nosso cotidiano, entendemos que um trabalho com a crônica em sala de aula pode contribuir de maneira significativa para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura, funcionando como um ótimo recurso para o estímulo à leitura e à reflexão, aproveitando muito a realidade do aluno, com notícias pertinentes ao mundo dele. Cabe a todos nós descobrir a grandeza desse gênero menor na busca de outros caminhos para o desenvolvimento da leitura e produção. Para que cada aluno possa escrever a sua história... Neste mundo. No livro Falando pra Caramba, meus alunos e eu viajamos na Geografia, em Ciências, na Informática... 

Educação Pública - Atividades com alunos – como gerenciar as várias ideias e vontades demonstradas pelos alunos em relação ao livro?

Maria do Carmo - Todo o percurso do trabalho foi feito por etapas, e as ideias e vontades dos alunos eram colocadas no papel e analisadas com muito carinho. Todos tiveram oportunidade de se manifestar, deixando assim sua marca, sendo ouvidos o tempo todo. Sentiram-se importantes e valorizados. As atividades foram realizadas com muita animação e muita criatividade; vontade não faltava. A turma era falante, alegre e muito participativa, o que facilitou bastante o trabalho e contribuiu para o resultado nota 10.

Para quem se interessar pela produção da professora Maria do Carmo, é só procurar aqui mesmo, na revista Educação Pública, ou no endereço:
http://www.revistapontocom.org.br/edicoes-anteriores-escola-em-acao/falando-pra-caramba-na-sala-de-aula 

13/12/2011

Publicado em 13 de dezembro de 2011

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