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Quando as crianças aprendem?!

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Especialista em Supervisão Escolar, biólogo, professor e pesquisador do GEPEA-GEPEC da UFPB/CE

A pergunta do título deste artigo vem ressoando há muito nas rodas informais de discussão de educadores, das quais tive o privilégio de participar. E a resposta veio de uma obra inusitada e simples, que encontrei numa loja de conveniências, deixada em um canto, quase desprezada. O livro traduzido do original Children Learn What They Live teve sua primeira publicação em 1972, pela Workman Publishing Company, em Nova York, como resultado de um poema escrito por Dorothy Nolte a um jornal de circulação local do Sul da Califórnia em 1954. No Brasil, traduzido o título ao “pé da letra” para As crianças aprendem o que vivenciam, já foi também traduzido em mais de 10 línguas, fruto de um trabalho em coautoria com Rachel Harris.

O caráter da obra adentra aspectos que resgatam conceitos culturais e históricos no modo como são educadas as crianças, tomando como parâmetros a família, a comunidade, a escola e, de modo geral, a sociedade. Apesar de sua primeira publicação datar da década de 1970, continua atual à realidade da sociedade ocidental, levando ao leitor uma profunda reflexão de seu papel como transmissor de conhecimentos, seja para os próprios filhos ou como professor(a) para com seus alunos. As autoras trazem para o leitor a visão que a criança tem para com o adulto e a forma como ela interage com ele, ao mesmo tempo que responde paradigmas da atualidade quanto a comportamentos e vocabulário expresso pelas crianças e quanto à falta de amabilidade, respeito, intolerância, educação doméstica, violência, entre outros, que são manifestos sem motivação aparente na família e na escola.

Afirmam que os adultos – educadores inatos – inconscientemente educam as crianças podendo fazê-las se desenvolver socialmente ou criar distúrbios na sua vida infantil que se projetam pela adolescência e na fase adulta nas situações cotidianas dos lares, escolas e demais ambientes sociais onde ocorrem as inter-relações pessoais. Tratam também de como reagem a elas e como os adultos resolvem seus conflitos, necessidades, interesses, e demais responsabilidades que competem a eles, que acabam também se refletindo no tratamento que é direcionado à criança, que muitas vezes, é ridicularizada (infantilizada), reprimida, agredida de alguma forma ou superprotegida, atitudes essas que as autoras consideram como não sendo as adequadas nem salutares ao desenvolvimento social das crianças.

O livro é desenvolvido em 19 capítulos – cada um representado por um verso do poema original de 1954 –, escritos em uma linguagem acessível a todos os públicos. De leitura prazerosa, rico em exemplificações e em conhecimentos que prendem a atenção do leitor, envolvendo-o com uma mensagem simples: como estamos nos relacionando com as crianças e como as estamos educando?

Até o capítulo 7, Nolte e Harris abordam uma forma negativa de educar as crianças, que chamam de crítica e reprovadora, pois educando com críticas, hostilidade, medo, pena, ridicularizando, inveja, vergonha e ira, geram na criança um aprendizado que fatalmente a leva a condenar, brigar, ser medrosa, ter pena de si mesma, ter timidez, invejar e se sentir culpada. Essas características são frisadas separadamente em cada capítulo, pois o modo como se dá o convívio pode desenvolver uma delas, algumas ou todas. Ou seja, nas entrelinhas está representado o aprendizado significativo, que acontece a todo o momento e é influenciado pela interação direta no convívio social (familiar e na comunidade). Por isso, o papel crucial do profissional da educação, que é também pai ou mãe, é mostrar uma conduta salutar para e perante as crianças, para que tenham um referencial para se espelharem, mesmo que não o tenham da mesma forma no convívio familiar.

Nos capítulos de 8 a 19, as autoras fazem referência a como os adultos deveriam lidar com eventos realizados pelas crianças, ou seja, se a criança é educada sendo incentivada, com tolerância, elogios, aceitação, aprovação, reconhecimento, partilhando, com sinceridade, equidade, bondade, segurança, afabilidade e amizade, aprende a ter confiança em si mesma, ser paciente, generosa, justa, a apreciar, a amar, a respeitar, a ter autoestima, objetivos, veracidade e a ver que o mundo é um lugar bom para se viver. É o que as autoras denominam “educação estimulante ou encorajadora”.

“As crianças são como esponjas. Absorvem tudo que fazemos, tudo o que dizemos. Aprendem conosco o tempo todo, mesmo quando não nos damos conta de que estamos ensinando” (p. 15).

“Se pararmos para refletir sobre o impacto de nossas palavras, podemos dizer o que é preciso sem abalar a noção que a criança tem de si mesma” (p. 19), ou seja, mostra que o tom das frases, as palavras utilizadas no contexto dos eventos e os gestos manifestados, em conjunto, são fortemente percebidos pelas crianças. Estes, na maioria dos casos, segundo as autoras, são rudes e reprovativos; um diálogo positivo seria o melhor caminho. Além do que, quando as crianças têm atitudes positivas, as quais são esperadas pelos adultos, quase sempre não são reconhecidas, elogiadas ou incentivadas, fazendo com que elas abandonem o aprendizado positivo. Se os adultos demonstram em suas relações a passividade, o negativismo e só reclamam das situações vivenciadas, sem agir, as crianças do seu convívio assim também o serão. Mas, na realidade, o que se deseja para a criança é que tenha postura pró-ativa frente aos problemas e obstáculos encontrados na vida, para que, criativa e rapidamente, consiga encontrar caminhos e soluções para resolvê-los.

Um ponto crucial da obra é o capítulo 2, que trata da hostilidade que permeia e influencia a sociedade, através dos meios de comunicação, nas relações interpessoais e que fazem com que as crianças se sintam vulneráveis, tornando-as hostis ativas ou passivas, que são muito evidenciadas nas escolas de Ensino Fundamental. Mas, ao mesmo tempo, mostra como lidar com essas situações quando surgem, de modo a reverter à problemática: escutando, buscando a causa, refletindo e encontrando as soluções a partir do universo da criança, para ensiná-las a lidar com suas emoções. Ou seja, os professores das escolas de Ensino Fundamental passam a ter resposta às suas inquietações sobre o motivo de tantos problemas no convívio social na comunidade escolar, onde, comparativamente, são levados a relacionar essas situações vivenciadas diariamente com as que são colocadas na obra.

Nolte e Harris explicam isto partindo do princípio norteador de que essa problemática está, por um lado, nas relações das crianças com seus familiares; e, por outro, nas relações delas com a comunidade. Ressalte-se que adultos conscientes de seu dever como perpetuadores dos ensinamentos sociais não podem ficar apáticos nem à mercê desse quadro, e sim mostrar que educando com respeito, elogio, paz e harmonia essas crianças podem passar a ter esse referencial como reflexo para as suas vidas. “Pense no elogio como uma forma da expressão do amor. Suas palavras animam seus filhos e fazem com que se sintam apreciados e valorizados. (...) O elogio faz as crianças descobrirem sua noção de valor e de dignidade” (p. 75).

Com os dois tipos de fomento – positivo ou negativo – as crianças podem desenvolver uma autoimagem positiva ou negativa, reflexo dos conflitos que surgem no cotidiano das relações adulto-criança e como são interpretados e resolvidos. Da mesma maneira que os adultos já foram crianças e também foram educados positivamente ou negativamente, mas que não podem deixar esta última forma tornar-se uma herança para as próximas gerações, partindo deles uma autorreflexão e um autorrefazimento para poderem conseguir lidar com seus próprios conflitos nas relações sociais, interrompendo assim esse processo de educação negativa.

A obra segue continuando a mostrar que o adulto de hoje é reflexo da criança de ontem, conduzindo o leitor a uma autorreflexão contínua, por ser uma leitura tão instigante quanto desafiadora, já que é coagido a melhorar suas relações com as crianças que estão à sua volta, por uma sociedade mais igualitária, justa, harmoniosa, e terminando com a seguinte passagem: “Que nossas crianças sejam parte de um futuro que, pouco a pouco, elimine o medo, a fome, o preconceito e a intolerância – um futuro que aceite cada pessoa de nosso planeta na família da humanidade” (p. 142).

Ficha técnica do livro:

  • Título: As crianças aprendem o que vivenciam
  • Autor: Dorothy Law Nolte e Rachel Harris
  • Gênero: Ensaio / Educação
  • Produção: Editora Sextante
  • Ano: 2009

Publicado em 13/12/2011

Publicado em 13 de dezembro de 2011

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