Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Floresta é vida!

Cândido Grzybowski

Sociólogo, diretor do Ibase

No debate sobre o novo Código Florestal, os dilemas sobre que Brasil o mundo precisa e o que estamos dispostos a construir como nação numa perspectiva de sustentabilidade e justiça social com democracia ficam num segundo plano. O debate está restrito aos limites dados pelo agronegócio, entre o que seus promotores acham aceitável para continuar se expandindo e o que a sociedade é capaz de suportar, sem nada mudar no rumo já traçado. Na verdade, como questão pública e política, a mudança legal do Código Florestal é determinada por uma velha agenda desenvolvimentista, hegemonizada pelos grandes interesses e forças econômicas envolvidas na cadeia agroindustrial, um dos pilares do Brasil potência emergente. Tudo que se fará não será no sentido de mudança de rumo, mas de flexibilização de regras e condutas para continuar destruindo.

Por quê? Por que a destruição ambiental não se impõe como questão nesse debate? Por que é tão difícil discutir nossa responsabilidade no uso do imenso patrimônio natural que herdamos como país? Afinal, a biodiversidade – e floresta é um grande celeiro de biodiversidade – é um dos bens comuns mais centrais para a existência da vida, da humanidade. O sistemas naturais de reprodução de todas as formas de vida no planeta Terra passam pela biodiversidade das florestas. O ciclo da água, este bem comum sem o qual nenhuma vida existe, depende das florestas. Floresta é vida!

Estamos contaminados por um ideal de desenvolvimento industrial produtivista voltado à acumulação, ao lucro, não à produção de bem-estar e felicidade. Tudo é feito para crescer, crescer sempre e sem limites, quanto mais rápido melhor. Crescem os negócios, gera-se riqueza que destrói e exclui, o luxo e o lixo. Quanto mais crescemos, mais destruímos, criamos mais lixo do que bens. Socialmente, a lógica desse sistema não é satisfazer necessidades humanas, mas criar um tipo de riqueza ditada pela acumulação, causa da pobreza ao mesmo tempo. Claro, de forma desigual acumulamos, mesmo que, na rabeira, todos estejamos contaminados pelo ideal de acessar mais bens. Não nos interrogamos do sentido de tais bens materiais, que são feitos para ter vida curta e precisam ser substituídos logo mais, tudo para que a produção e as vendas continuem a crescer e os capitais investidos continuem acumulando. No final da linha, muita destruição e injustiça social.

No centro de tudo, a relação desta economia com os sistemas naturais. Para viver, é evidente que precisamos extrair da natureza os meios que nos mantêm vivos. Mas como o fazemos? Podemos simplesmente extrair sem limites, sem preocupação com a integridade dos sistemas naturais, nosso bem comum maior, com o qual interagimos? Existe sustentabilidade da vida humana sem sustentabilidade dos sistemas naturais?

O modelo industrial produtivista, que está no centro do agronegócio, não se move pela sustentabilidade da vida, de toda vida, destas e de futuras gerações. O critério é acumulação, não a vida, não a preservação dos bens comuns da vida. Seu motor é a conquista e a dominação, herança deixada pela colonização. Hoje continuamos a empreitada da colonização, conquistando terras, subjugando e expulsando os que vivem nelas, destruindo as suas florestas. Enquanto houver terras para conquistar, o colonialismo interno vai nos empurrar no caminho da destruição de matas e rios, não respeitando outros modos de organização e vida. Nesse modelo de colonização das florestas, não importa que para plantar 1 mil hectares de soja seja preciso destruir uma floresta de 1 mil hectares, mesmo que para a soja sejam necessárias toneladas de agrotóxicos para protegê-la da biodiversidade teimosa do lugar, vista como “ervas daninhas”.
É nesse quadro que o debate do Código Florestal deveria ser feito. Além disso, deveríamos levar em conta que decisões sobre o uso de florestas do Brasil afetam o equilíbrio ambiental do planeta inteiro e comprometem a vida das futuras gerações, a começar pelos nossos netos e seus filhos. No entanto, estamos vendo o imediato, o tamanho de nossa agricultura, suas exportações e as divisas que geram ao país. Decididamente, estamos comprometendo o nosso futuro e o da planeta junto.
Falta-nos muita grandeza nesse debate. Não pensamos que o caminho para o futuro passa por recriar bases de sustentabilidade da vida. Nesse sentido, preservar e recuperar as nossas florestas é uma condição indispensável. Mas parece que não optamos pelas florestas e pela vida. Optamos pelo caminho mais curto de crescimento, que tem como pressuposto o velho modelo primário exportador, que nos torna dependentes de potências industriais e nos faz ser um grande destruidor ambiental. Não é esse o Brasil emergente de que o mundo precisa e que quem luta por democracia e justiça social quer. O drama é que nossa política – e com ela, nossos sonhos e desejos coletivos – está aprisionada pelo corporativismo do agronegócio. O velho latifúndio comanda o Congresso Nacional, a casa que deveria representar o Brasil em sua diversidade e complexidade. Só mais democracia pode nos levar a superar esse dilema.

Publicado em 20/12/2011

Publicado em 20 de dezembro de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.