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Águas que se dividem

Alexandre Amorim

Descrever a img desde que não seja apenas ilustração

Tom Jobim escreveu a letra de “Águas de março” depois de um temporal numa pequena localidade da serra fluminense, São José do Vale do Rio Preto, onde tinha um sítio. Era pau, pedra, fim do caminho, carro enguiçado – era a lama. As chuvas de verão sempre causaram problemas no Rio de Janeiro. Há umas semanas, entretanto, o Globo sugeria a seus leitores que se esquecessem das tragédias anteriores: a de janeiro de 2011 foi a maior de todas. Não parece ter muita lógica esquecer tragédias porque outras maiores vieram depois, mas entende-se a histeria jornalística, entre outros motivos, pela necessidade humana de expressar seu espanto perante a natureza.

Os rios que vieram trazendo lama e pedras e destruíram casas e vidas no mês passado nos mostraram uma força descomunal quase sempre desprezada, a de uma natureza reprimida em pequenas áreas preservadas, mas que se infiltra pela urbanidade  em rios subterrâneos e morros desmatados. Temos ambientalistas ilustres que nos avisam desse perigo há décadas, mas, após a tragédia, o número de pessoas que querem dar seu pitaco (inclusive este que vos escreve) aumenta consideravelmente.

As opiniões se dividem, de acordo com os interesses. Se o jornal não pertence a um aliado do prefeito, vai atacar o governador; se prefeito e governador forem da mesma aliança partidária, e o jornal for de oposição, haverá manchetes culpando toda a cúpula governamental. Vereadores, deputados, âncoras da TV – todos com algum interesse midiático fazem parte de um circo onde ninguém se diverte. O entretenimento é só um: acusar os outros. As linhas de jornal ou as frases na TV não mudam muito:

Governador sabia dos problemas
Prefeito desviou verbas para contenção de barreiras
Câmara de vereadores não sobe a serra há dois meses
O jornalista Fulano de Tal trabalha para o prefeito
O jornalista Fulano de Tal trabalha para o governador
O jornalista Fulano de Tal trabalha para interesses ocultos

E assim por diante, em um desfile de orações com quase nenhum conteúdo e absolutamente vazias de boas intenções. Não há vontade de ajudar quem já está sofrendo ou prevenir mais sofrimento, apenas a intenção de acusar. Como se essas acusações fossem uma moeda de troca, usadas por quem acusa para cobrar e se sentir mais nobre.

A nobreza, no entanto, está longe daí. Reside naqueles que ajudam, que se comunicam para apontar lugares de remoção dos que estão sem casa, dos que falam para aliviar quem perdeu seus parentes e amigos. Está nas frases de quem reúne forças para mutirões ou para se manter calmo em um momento desses e pensar no melhor a fazer.

A nobreza está naqueles que sabem transformar a tragédia em expressão de humanidade.

As águas se dividem e sempre esperamos que um dos braços desse rio vá levar a sujeira para longe. Infelizmente, nada é tão simples nem tão certo. Confundem-se as vozes de quem é nobre com aquelas que, muitas vezes, nos impõem leis e valores morais. Cabe a nós saber distinguir que corrente seguir, que barco tomar.

08/02/2011

Publicado em 08 de fevereiro de 2011

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