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Bem-vindos à sociedade do espetáculo

Mariana Cruz

O filósofo Guy Debord (1932-1994) foi autor da mais importante obra do situacionismo, A sociedade do espetáculo, de 1967. Dez anos antes, ele havia fundado na Itália, junto com intelectuais de diversas nacionalidades, a Internacional Situacionista, uma corrente de cunho libertário que ganharia ainda mais peso com os acontecimentos de maio de 1968.

Nesse emblemático livro, Debord afirma que vivemos em um mundo regido pelo espetáculo, fenômeno presente em todos os setores das sociedades e com um enorme poder de absorção em relação a tudo aquilo que tenta escapar de seu domínio. No texto, o autor descreve os primeiros eventos espetaculares e em quais condições eles se tornaram viáveis; a causa de sua aparição; os diferentes tipos de espetáculo; em que países e sob qual contexto histórico foram postos em prática. A exposição do autor, porém, é bastante cautelosa, sobretudo devido à época em que foi escrita. Debord (1997) se dizia ciente da poderosa arma que tinha e dos danos que poderia causar, já que o conteúdo de seu texto interessava não só aos opositores do espetáculo como também aos responsáveis pela sua manutenção. Daí ele não poder falar com “inteira liberdade” (p. 167) e ter cuidado “para não ensinar demais” (idem). Assim, ele trata de omitir certos elementos, montando uns quebra-cabeças que apenas serão completos ao intercalar “umas paginas cá, outras acolá” (idem).

Muitos trataram de subestimar o livro – taxando-o de mera obra fictícia –, seja por medo ou mesmo por ignorância; afirmaram que “os textos que analisam o fenômeno (do espetáculo) em geral para deplorá-lo também devem sujeitar-se ao espetáculo para tornar-se conhecidos” (p. 170). Debord defende-se desse tipo de acusação dizendo tratar-se de uma crítica espetacular do espetáculo, elemento esse que faz parte da encenação espetacular, retendo-se apenas na superfície e ocultando as reais intenções do espetáculo. Esse tipo de crítica geralmente trata o poder do espetáculo como se fosse apenas o poder da mídia. Finge-se indignação com esse tipo de domínio e preocupação da entrega irrefletida das massas a ele. Tanto a crítica espetacular do espetáculo quando a apologia do espetáculo feita pela publicidade acabam, no fundo, fazendo a mesma coisa, isto é, formando o pensamento do não pensamento.

Sair do mundo espetacular equivale, nos dias de hoje, a sair da realidade, já que a dominação espetacular conseguiu criar uma geração submissa às suas leis, uma geração que acredita que o espetáculo sempre existiu, não havendo nada anterior a ele, como se o mundo sempre tivesse sido regido pelas regras espetaculares. Debord faz distinção entre três tipos de espetáculo: o “espetáculo concentrado”; o “espetáculo difuso” e o “espetáculo integrado”, que é a síntese dos dois primeiros (reunindo os melhores dispositivos de cada um deles e eliminando as falhas que ambos apresentaram no decorrer de sue processo) e é justamente a modalidade de espetáculo predominante no mundo atual.

São cinco os aspectos principais do espetáculo integrado (p. 171-172): a incessante renovação tecnológica – que consiste em uma entrega do sistema a um corpo de especialistas; a fusão econômico-estatal – que possibilita maiores ganhos tanto para grupos privados quanto para os Estados; o segredo generalizado (aquilo que está por detrás do espetáculo e nunca aparece); a mentira sem contestação (com a extinção da verdade não há mais como formar a opinião pública) e a perpetuação do presente – pela abolição do conhecimento histórico, de forma geral, e de todas as informações e comentários contundentes de um passado. Esses aspectos não só executam as funções práticas como também servem para formar um novo tipo de psicologia que estimule o comportamento passivo da sociedade. O fato de presentificar tudo, colocar tudo com aparência de novidade (o que na realidade não passa de repetição) serve para ocultar o que é de fato importante. O espetáculo aponta suas forças em direção à desinformação, à ignorância daquilo que é realmente novo. Se algo por ventura escapar ao seu domínio, logo é acionada outra arma poderosa: o esquecimento. É o poder da mídia de construir acontecimentos (mitos, comportamentos, modos de vida) e transformá-los em algo absolutamente necessário. E que, após a sua aceitação, passam a fazer parte da normalidade, como se sempre tivessem existido, para depois transformá-los em obsoletos e dar lugar a novos acontecimentos que seguem o mesmo ciclo de nascimento, amadurecimento e morte.

O fetiche da mercadoria é bastante ilustrativo nesse sentido: um produto é colocado em evidência na vida social, é a última novidade, o lançamento do ano – esse é a auge (apesar de já ter sido feita a escolha do ponto de vista da produção, e esta só fica à espera de sua morte para lançar outra nova mercadoria em seu lugar); depois seu prestígio tende a declinar; torna-se vulgar, pois sua mediocridade torna-se evidente. E assim, pouco tempo depois, é substituída por outra mercadoria ainda desconhecida.

O surpreendente livro escrito há quase meio século espanta pela atualidade do conteúdo, pois quanto mais o tempo passa mais o espetáculo se aproxima da definição de Debord.

Ficha técnica do livro:

  • Título: A sociedade do espetáculo
  • Autor: Guy Debord
  • Gênero: Ensaio
  • Produção: Editora Contraponto

Publicado em 08/02/2011

Publicado em 08 de fevereiro de 2011

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