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Efeito rizosfera: Simbiose entre raízes de plantas e bactérias

Luciana Pereira Torres Chequer

Programa de Pós-graduação em Biologia Marinha (mestrado), Universidade Federal Fluminense

Mirian Araujo Carlos Crapez

Programa de Pós-graduação em Biologia Marinha, Universidade Federal Fluminense

Luiz Francisco Fontana

Programa de Pós-graduação em Geologia e Geofísica Marinha, Universidade Federal Fluminense

Frederico Sobrinho da Silva

Departamento de Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

A região do solo onde as raízes das plantas se desenvolvem, pouco abaixo da superfície, é chamada rizosfera. É uma área rica em micro-organismos, dentre eles diversas bactérias, que utilizam substâncias orgânicas (açúcares, ácidos orgânicos e outras) liberadas pelas raízes como fontes de carbono e energia para seu crescimento e sua reprodução. A estimulação do crescimento microbiano pelas raízes é conhecida como 'efeito rizosfera'. O estudo dessa relação de simbiose entre bactérias e plantas revelou mecanismos capazes de degradar poluentes presentes no sedimento, com menor prejuízo ao meio ambiente e custo mais baixo.

A rizosfera é a região do solo onde as raízes das plantas crescem e conseguem água, sais minerais e nutrientes e também estabelecem relações com as raízes de outros vegetais e micro-organismos, como bactérias e fungos. Essas interações são influenciadas tanto pelas características físico-químicas do solo quanto pela produção e liberação de substâncias químicas pelas raízes. Algumas substâncias, por exemplo, inibem o cres­cimento de outras plantas, ajudando as espécies que as produzem na competição por espaço, em um mecanismo denominado alelopatia. A rizosfera, portanto, tem grande importância para o desenvolvimento da planta.

Um fenômeno característico da rizosfera é a associação de bactérias e fungos com as raízes das plantas. Muitos micro-organismos existentes nessa parte do solo aderem às raízes e estabelecem com as plantas uma relação mutuamente vantajosa (uma simbiose). Como as bactérias são extremamente pequenas, com diâmetro geralmente medido em micrômetros (um equivale à bilionésima parte do metro), as raízes servem como suportes eficazes para a vida desses seres diminutos.

Uma simbiose importante para a agronomia mundial é a associação de bactérias fixadoras de nitrogênio (principalmente dos gêneros Rhizobium, Bradyrhizobium e Azorhizobium) com as raízes de leguminosas, família de plantas que inclui algumas das espécies mais utilizadas como alimento, co­mo soja, feijões, lentilha e outras. Essas bactérias transformam o nitrogênio gasoso presente no ar (que penetra nos poros do solo) em compostos assimiláveis pelas plantas e pelos demais seres vivos. O processo, chamado de fixação biológica do nitrogênio, pode inclusive suprir todas as necessidades das plantas quanto a esse nutriente, como foi constatado na cultura da soja, permitindo dispensar a aplicação de fertilizantes químicos (ver Parceiras verdes, em CH n° 220).

A importância desse processo no desenvolvi­mento de leguminosas pode ser confirmada, por exemplo, em iniciativas como a realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Estado do Rio de Janeiro para o controle da erosão. Na região entre os municípios de Barra Mansa e Japeri, constatou-se, no inicio dos anos 2000, a existência de cerca de mil voçorocas, enormes valas produzidas pela erosão de áreas onde a vegetação original foi destruída (pela retirada de florestas, por queimadas ou pela ocupação desordenada do terreno).

Calculou-se que cada voçoroca equivalia à perda de cerca de 20 mil toneladas de solo, levadas para o Rio Paraíba do Sul. O impacto ambiental ao longo de toda a região era imenso: algo como o lançamento de dois milhões de caminhões de aterro no rio. Para recuperar as áreas afetadas, a Embrapa instalou obstáculos com materiais alternativos nas voçorocas e plantou mudas de legumino­sas já com bactérias fixadoras de nitrogênio associadas às suas raízes. Como resultado, a redução da emissão de sedimentos pelas voçorocas foi de 90% no primeiro ano e próxima de 98% após cinco anos.

As interações entre raízes e micro-organismos – o efeito rizosfera – permite não apenas um aumento da biomassa e da atividade bacteriana no solo, mas também uma ação seletiva sobre o desenvolvimento de bactérias. Isso significa que é possível utilizar esse efeito para alterar a diversidade dos grupos bacterianos, favorecendo um ou mais grupos com finalidades específicas, como combater os efeitos de episódios de poluição ambiental (derramamentos de petróleo, por exemplo).

Petróleo no ambiente

Os derramamentos de petróleo, considerados hoje um dos principais problemas ambientais, têm se tornado mais frequentes nos últimos 30 anos. Diversas regiões costeiras foram afetadas por incidentes desse tipo, e muitos causaram severos impactos no ambiente marinho. Podem ser lembrados alguns dos maiores, como os naufrágios dos navios petroleiros Amoco Cadiz (em 1978, na costa da Bretanha, na França) e Exxon Valdez (em 1989, na costa do Alasca, nos Estados Unidos) e a explosão, em abril último, de uma plataforma de produção no Golfo do México. No Brasil também ocorreram vários desastres, entre eles o rompimento de dutos de transporte de petróleo na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro (em 1997 e 2000), e na Refinaria Getúlio Vargas, no Paraná (em 2000).

O petróleo, ao entrar em contato com a água do mar, sofre diversas mudanças físicas e químicas que afetam sua composição e sua toxicidade. Pode se espalhar na superfície da água, evaporar ou ser incorporado aos materiais em suspensão no am­biente aquático. Quando isso acontece, o petróleo será depositado no sedimento, ficando disponível para os animais que vivem no próprio sedimento (bentônicos) e para os que usam como alimento a matéria orgânica ali depositada (detritívoros). A luz solar atua sobre o petróleo, provocando sua oxidação fotoquímica, processo que quebra as moléculas que o compõem e gera compostos mais solúveis, alguns até mais tóxicos para os seres vivos. Esses efeitos diminuem a saúde do ambien­te, mas a boa noticia é que esse impacto pode ser remediado pela ação de micro-organismos, principalmente bactérias, que usam o petróleo como fonte de carbono e de energia.

Os sedimentos de ambientes costeiros nos quais a movimentação de ondas e de correntes marinhas é pequena, como manguezais, alagados e enseadas, absorvem as moléculas de hidrocarbonetos e outros componentes do óleo e os liberam lentamente durante anos. Esse fenômeno reduz, nesses ambientes, a disponibilidade de oxigênio para os seres vivos, o que restringe a degradação bacteriana do petróleo e diminui a diversidade dos organismos bentônicos, com consequências desastrosas para a recuperação ambiental. A mortalidade e/ou os danos sofridos pelas plantas e animais não dependem apenas do tipo, da qualidade e da quantidade do óleo derramado, mas também das condições climáticas, da ação das marés e do tempo de contato desses organismos com o óleo derramado.

Os manguezais são os principais exportadores de matéria orgânica para baías, estuários e reentrâncias da costa, e, por isso, são ecossistemas férteis e diversificados, que atuam como berçário de aves, peixes, moluscos e crustáceos. As poucas espécies vegetais capazes de crescer nesses ecos­sistemas, por causa da alta salinidade, prendem os solos, impedindo a erosão e, ao mesmo tempo, estabilizam a linha de costa. Essas espécies arbóreas, juntamente com os micro-organismos que aderem às suas raízes, formam um importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas, co­mo, por exemplo, as poluídas por petróleo.

Os manguezais situam-se nas regiões tropicais e subtropicais, na costa oceânica ou nas margens de estuários. Entretanto, como no Brasil quase todo o petróleo é extraído na plataforma submarina, a maior parte das refinarias do país foi instalada perto da costa, onde ocorrem esses ecossistemas altamente sensíveis ao impacto por esse poluente (Figura 1). Assim, é preciso pesquisar e implantar técnicas que permitam combater os efeitos dos derramamentos de petróleo em manguezais e viabilizem o uso sustentável dos recursos desses ambientes (ver 'Biodetergentes para limpeza de petróleo', em CH n°223).


Figura 1. As refinarias de petróleo brasileiras (pontos vermelhos) estão, em sua maioria, localizadas na mesma faixa (em verde) em que ocorrem os manguezais na costa do país.

A biorremediação

Uma das técnicas usadas na recuperação de am­bientes contaminados por óleo é a chamada bior­remediação. Ela utiliza micro-organismos capazes de degradar esse poluente, transformando suas moléculas em outras mais simples, que possam ser aproveitadas em seu metabolismo, gerando biomassa e energia (ver 'Biorremediação: tratamento para derrames de petróleo', em CH n° 179). Esse processo pode ser reforçado com o emprego de plantas associadas a comunidades de bactérias que apresentem metabolismo especifico para re­mover, capturar ou degradar substâncias tóxicas do ambiente. Nesse caso, a técnica é denominada fitobiorremediação.

O uso de plantas para auxiliar a limpeza de ambientes impactados baseia-se na existência de micro-organismos capazes de consumir os poluentes e de se associar às raízes desses vegetais. Des­se modo, a remoção e/ou degradação dos contaminantes pode ocorrer tanto na superfície quanto em áreas mais profundas do solo. Aplicada no local poluído pelo petróleo, essa estratégia não perturba o ambiente, mas, ao contrario, ajuda a recuperar a cobertura vegetal, o que também contribui para o controle da erosão.

Alem da atuação dos micro-organismos, as plantas têm mecanismos para remover e modificar contaminantes presentes nos solos (Figura 2). Elas podem degradar poluentes orgânicos por meio de sua atividade enzimática, em um processo conhecido como fitodegradação. Outro mecanismo e a fitovolatilização, que acontece quando os po­luentes são absorvidos pelas raízes (com a ajuda de bactérias), convertidos metabolicamente em compostos não tóxicos e liberados na atmosfera. Os contaminantes também podem ser transformados quimicamente e incorporados à lignina, substância que compõe a parede vegetal, o que evita sua mobilização no ambiente – esse processo, do qual bactérias simbiontes também participam, é a fitoestabilização. As plantas podem ainda extrair o poluente do solo e acumulá-lo (em sua conformação original) em seus tecidos, no mecanismo chamado de fitoextração.


Figura 2. A interação entre plantas e micro-organismos permite diversos mecanismos de limpeza de poluentes orgânicos em sedimentos, na chamada fitobiorremediação

A fitoestimulação, que envolve a rizosfera, é a biodegradação de poluentes orgânicos pelos micro-organismos aderidos às raízes das plantas. É conhecida também como rizodegradação. Isso significa que a comunidade de micro-organismos que pode se desenvolver no solo graças à presença dessas raízes pode, com suas enzimas, degradar e consumir os contaminantes. Assim, a fitoestimulação pode ser considerada um dos melhores mecanismos de recuperação de áreas impactadas.

Pesquisas no Brasil

A fitobiorremediação ainda é pouco explorada no Brasil, e em geral as pesquisas existentes descrevem experiências realizadas em laboratório. Em 2000, porém, consórcios de bactérias capazes de degradar componentes do petróleo foram identificados no solo de manguezal da Baia da Guanabara (Figura 3) e estudou-se sua aplicação nas áreas onde vivem para ajudar na limpeza de derramamentos de óleo, um feito inédito na América Latina. A identificação dos consórcios e os estudos foram feitos, com financiamento da Agência Nacional do Petróleo, pelo Laboratório de Microbiologia Marinha da Univer­sidade Federal Fluminense, coordenado por uma das autoras (Crapez). O uso, para a limpeza de derramamentos de petróleo, de consórcios bacterianos do próprio ambiente impactado é ecologicamente correto, pois não coloca nesse ambiente organismos exóticos ou invasores.


Figura 3. Estudos sobre bactérias que consomem petróleo e sobre seu uso na limpeza de áreas atingidas por derramamentos vêm sendo feitos nos manguezais da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim no Rio de Janeiro.

Outro estudo, desenvolvido em 2004 (também por Crapez e colaboradores), avaliou o uso da fi­tobiorremediação em sistemas vegetais de manguezal, concluindo que a árvore conhecida como mangue-vermelho (Rhizophora mangle) é a mais adequada para o reflorestamento de ambiente impactado por óleo. Os resultados revelaram que, em suas raízes, ocorreu adesão e manutenção de biofilme de bactérias capazes de degradar os componentes do petróleo. Assim, a rizosfera possibilitou a essas plantas superar os efeitos da contaminação do solo e obter nutrientes para o crescimento do caule e o aumento do número de folhas.

Em 2006, mais uma pesquisa, também realizada em manguezal, na Baía da Guanabara, pela bióloga e geoquímica Elcia M. S. Brito, avaliou a atuação de consórcios bacterianos na degradação de óleo. Esse trabalho determinou, em experimentos de campo, que a aplicação direta das bactérias na superfície, nas áreas onde ocorreu derramamento de petróleo, não é a opção mais adequada, já que a dispersão destas no solo não é significante e a recuperação ambiental é extremamente baixa. A alternativa mais eficaz, segundo os resultados obtidos, é a inoculação dos consórcios bacterianos diretamente nas rizosferas das plantas (o que pode ser feito pela amplificação dos con­sórcios bacterianos em laboratório e posterior aplicação dentro do solo, na área das raízes, ou pelo plantio de mudas já com bactérias aderidas às suas raízes).

Trabalho recente (2008), realizado por outra autora deste artigo (Chequer), também investigou a técnica de fitobiorremediação para recuperação de manguezal impactado por petróleo, usando três espécies vegetais que vivem nesses ambientes: mangue-vermelho (R. mangle), mangue-branco (Laguncularia racemosa) e mangue-preto ou siriúba (Avicennia schaueriana). Mudas dessas espécies germinadas em viveiro construído próxi­mo ao manguezal (Figura 4) receberam a adição de consórcios bacterianos (10 milhões de células por cm3) capazes de usar hidrocarbonetos de pe­tróleo como fonte de carbono e energia.


Figura 4. Nos experimentos realizados na baía da Guanabara, vêm sendo utilizadas mudas de plantas de manguezal produzidas já com consórcios de bactérias que degradam petróleo associadas às suas raízes.

Durante o experimento, foram analisados aspectos das plantas em crescimento (tamanho do caule e número de folhas), além de taxas de mortalidade das mudas e número de bactérias na rizosfera. Constatou-se que a biomassa bacteriana não variou durante o experimento. As espécies de manguezal apresentaram diferentes taxas de crescimento e mortalidade, mas R. mangle mostrou melhor desenvolvimento para a fitobiorremediação. O estu­do revelou que fatores ambientais como tipo de solo, teor de matéria orgânica, quantidade de água, disponibilidade de oxigênio e nutrientes, radiação solar e salinidade podem influenciar na fito­biorremediação de solos contaminados por óleo.

Os estudos realizados sobre a utilização de consórcios de bactérias associados a espécies vegetais de manguezais para auxiliar a recuperação desses ecossistemas em caso de derramamen­tos de petróleo têm indicado que essa técnica é promissora. Ela pode ser uma alternativa a outros métodos empregados hoje em acidentes desse tipo, apresentando vantagens ecológicas (por utilizar tanto plantas quanto bactérias já existentes em manguezais) e econômicas (em razão do baixo custo). Derramamentos de petróleo atingem com certa frequência ambientes costeiros, apesar das medidas de prevenção adotadas por empresas do setor petrolífero, o que justifica a busca por métodos de limpeza de áreas contaminadas que combinem maior eficácia e menor perturbação possível do ambiente natural.

Sugestões para leitura

FRICK, C. M.; FARRELL, R. E.; & GERMIDA, J.J. 'Assessment of phytoremediation as an in-situ technique for cleaning oil-contaminated sites'. Relatório para a Petroleum Technology Alliance of Canada (PTAC), 1999 (disponível em http://www.clu-in.org/dcswnload/remed/phyassess.pdf).

PILON-SMITS, E. 'Phytoremediation', in Annual Review of Plant Biology, v. 56, p. 15, 2005.

Publicado em 8 de fevereiro de 2011

Publicado em 08 de fevereiro de 2011

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