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Breve percurso histórico para pensar a questão dos PCNs na educação brasileira

Janaina Pires Garcia

Mestre e Doutoranda em Educação Professora de Sociologia no ensino médio

A questão do debate de um currículo unificado para todo o território nacional é recente (desde 1996, com a instauração dos Parâmetros Curriculares Nacionais), mas ao longo da história do nosso país nota-se que esse debate já existia, tornando-se necessário que tal discussão seja problematizada. Logo, é fundamental olhar, mesmo que de forma breve, para a história educacional brasileira para compreender como se chegou à situação atual.

A história da educação no Brasil começa em 1549, com a chegada dos primeiros padres jesuítas, inaugurando uma crise que haveria de deixar marcas profundas na cultura e civilização do país. Movidos por intenso sentimento religioso de propagação da fé cristã, durante mais de 200 anos os jesuítas foram praticamente os únicos educadores do Brasil (Barbosa, 2003).

Em 1759, quando os jesuítas foram expulsos de Portugal e de suas colônias, abriu-se um enorme vazio na educação, que só tomaria novo impulso a partir de 1808, com a mudança da sede do reino de Portugal e a vinda da Família Real para o Brasil Colônia. Tais fatos provocaram a instauração de instituições culturais e científicas, de ensino técnico e dos primeiros cursos superiores, como os de medicina no Rio de Janeiro e na Bahia (Barbosa, 2003).

Desde essa época é notável como a obra educacional de D. João VI estava interessada em suprir as necessidades imediatas da corte portuguesa no Brasil, com o intuito de preencher demandas de formação profissional. Com essa característica, teve forte influência na educação, tanto básica quanto de ensino superior (Lima, 1969).

Durante os períodos subsequentes, até meados dos anos 1920, estabeleceram-se duas constituições, uma em 1824 e outra em 1891. Com a independência do país, conquistada em 1822, esboçaram-se algumas mudanças no panorama político e social. No que concerne à educação, a Constituição de 1824 firmava como compromisso do Império assegurar instrução primária e gratuita a todos os cidadãos; isso foi confirmado em 1827, pela lei de 15 de outubro, que previa a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e vilarejos. Entretanto, a promulgação do ato adicional de 1834, que delegou às províncias a prerrogativa de legislar sobre a educação primária, fez com que o governo central se afastasse da responsabilidade de assegurar educação elementar para todos (Lima, 1969).

A descentralização da educação básica, instituída em 1834, foi mantida pela República, na Constituição de 1891, impedindo mais uma vez o governo central de formular e coordenar a universalização do ensino fundamental, o que ampliou, nas décadas seguintes, a distância entre as elites do país e as camadas sociais populares, segundo Cunha (1977).

A partir da década de 1920, depois da Primeira Guerra Mundial, o Brasil começou a ser repensado em termos de educação, dando espaço a um movimento de renovação no setor educacional. Esse período, efervescente tanto do ponto de vista cultural quanto artístico (destaca-se a Semana de Arte Moderna, de 1922), repercutiu amplamente no campo educacional, pois muitos educadores promoveram a crítica a um modelo de ensino passivo, engessado, em que o aluno era apenas um receptor das ideias e dos conhecimentos transmitidos pelos mestres (Cunha, 1977).

Em consequência desse panorama político e social, em 1931 foi implementada pelo Ministério de Educação e Saúde Pública a reforma Francisco Campos, a qual dava uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior em território nacional (Cunha, 1977). Nota-se aqui o início de uma ação mais objetiva do Estado em relação à educação, estabelecendo um currículo seriado (implementação de um currículo enciclopédico, aparecendo pela primeira vez na História do Brasil o currículo nas leis e reformas educacionais), a frequência obrigatória, dois ciclos – um fundamental e outro complementar – e a exigência de habilitações neles para o ingresso no ensino superior.

Nessa mesma época surgiu a grande geração de educadores: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Almeida Júnior, entre outros. Eles tentaram implantar no Brasil os ideais da Escola Nova e divulgaram em 1932 o Manifesto dos Pioneiros, documento histórico que sintetiza os pontos centrais desse movimento de ideias, redefinindo mais uma vez o papel do Estado em matéria educacional. Tal manifesto enfatizava a construção e a aplicação de um programa de reconstrução educacional de âmbito nacional, afirmando a finalidade da educação, que se definia de acordo com a filosofia de cada época.

Como a sociedade estava mudando, a educação escolar deveria refletir essas mudanças, o que gerou uma nova concepção de educação, segundo a qual é o educando, com seu interesse, suas aptidões e tendências, quem deve ser o centro da ação pedagógica. Esse ideário de educação volta nos anos 1990, com as reformas educacionais mais recentes e uma nova perspectiva das teorias do currículo (Popkewitz, 1997).

Entretanto, na Constituição de 1937, com o estabelecimento do Estado Novo, o Estado deixava de proclamar seu dever frente à educação: o que em 1934 era um dever do Estado em 1937 passou a ser uma ação meramente supletiva.

Segundo Lima (1969), somente após a queda do Estado Novo, em 1945, os ideais da década de 1930 puderam ser retomados e consubstanciados no primeiro projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1948. Após difícil trajetória, a LDB foi finalmente aprovada em 1961 (Lei nº 4.024). Eis aqui a primeira LDB brasileira!

Porém, com a instauração do regime militar em 1964, o movimento em favor da escola pública e o conteúdo da primeira LDB brasileira foram interrompidos. O novo regime implantou a segunda LDB; foram promulgadas as Leis nº 5.540/68 e nº 5.692/71, que introduziram mudanças significativas na estrutura do ensino fundamental e superior, demonstrando a necessidade de vincular a educação aos planejamentos econômicos globais como forma de contribuir para o desenvolvimento econômico do Estado. Para atingir essa meta, seria necessário adequar a educação às necessidades de qualificação de mão de obra demandada pelo mercado de trabalho.

Para conter a forte demanda ao ensino superior, a estratégia governamental adotada foi a Lei nº 5692/71, que atribuiu ao ensino do segundo grau um caráter de profissionalização compulsória. É importante ressaltar aqui três aspectos: (a) a lei que promulgou a compulsoriedade do ensino profissionalizante de segundo grau contribuiu mais ainda para a desorganização dos currículos das escolas públicas; (b) essa lei aumentava ainda mais a desigualdade social, pois os alunos das escolas públicas eram filhos de operários; nesse sentido, tem-se no Brasil uma dualidade de ensino, assim como na França (Baudelot & Establet, 1992): as escolas particulares deveriam formar as elites condutoras do país; as escolas públicas formariam os filhos dos operários e desafortunados; (c) tais reformas educacionais dos anos 1970 se inspiraram e se justificaram pela Teoria do Capital Humano (Frigotto, 2002), que creditava à educação o poder quase mágico de favorecer o desenvolvimento das nações e a ascensão social dos indivíduos.

Essa teoria, surgida nos Estados Unidos e Inglaterra nos anos 1960 e no Brasil nos anos 1970 (Frigotto, 2002), foi estruturada no âmbito das teorias do desenvolvimento (ideologia desenvolvimentista do pós-guerra), fazendo parte da estratégia de hegemonia norte-americana. Essa teoria influenciou a própria prática educativa, pois previa uma pedagogia fundamentada nos princípios da racionalidade e da eficiência que regem a lógica do mercado, dando ao trabalho escolar um caráter acentuadamente tecnicista, que se materializava em propostas fechadas, restritas a uma aprendizagem para o saber fazer. Essa característica ainda é presente nos currículos escolares.

O fracasso da profissionalização universal e compulsória do ensino de segundo grau culminou com a promulgação da Lei nº 7.044 em 1982, numa época marcada pela onda de democratização da educação, conforme análise de Gentili (2001).

Com o fim do regime autoritário em 1985 e com a implementação da Constituição de 1988, uma nova fase da educação brasileira estava começando a surgir.

A principal reforma no ensino nos anos 1990 foi instaurada pela Lei nº 9.394/96, instituindo a nova LDB e com uma grande novidade: os Parâmetros Curriculares Nacionais.

A Lei Darcy Ribeiro, como foi chamada, aprovada em 20 de dezembro de 1996, que vigora até os dias atuais, confirma as tendências da afirmação de uma escolaridade básica mais prolongada e a proposta de uma educação profissional mais abrangente e, portanto, para além do adestramento às técnicas de trabalho, afirmando o propósito de estender ao poder público a obrigatoriedade de oferta do ensino médio como direito de cidadania.

Todavia, é relevante ressaltar que a discussão dessa lei se iniciou uma década antes de sua aprovação, com a Carta de Goiânia. Conforme afirmado por Saviani (1997), o início das discussões da Lei de Diretrizes e Bases iniciou-se na IV Conferência Brasileira de Educação, em 1986, com a aprovação da Carta de Goiânia; e, no ano seguinte, com a publicação, na revista da Andes, de um artigo sobre a LDB.

As questões descritas na atual LDB determinam, pelo Decreto nº 2.208/97 e pelo Parecer nº16/99, que são dois os níveis da educação nacional: a Educação Básica, que corresponde às oito séries do ensino fundamental (mas, que, atualmente são nove), mais as três séries do ensino médio, e a educação superior. No que diz respeito à educação profissional, tratada em capítulo especial, são três os níveis de ensino: o básico, o técnico e o tecnológico.

No quesito organização curricular, pelo qual me interesso particularmente, a atual legislação confirma os parâmetros que passam a orientar as ofertas educacionais na nova ordem da economia mundial.

É importante notar que o debate de uma educação de âmbito nacional, acompanhada das questões curriculares para a implementação de um currículo unificado para todo o território, sempre esteve presente na história da educação brasileira. As tentativas ao longo do tempo não puderam se concretizar por causa das políticas públicas relativas à educação: num dado momento, o Estado tinha a obrigatoriedade de fornecer a educação pública para os cidadãos, e em outro não. Essas oscilações do dever do Estado frente à educação geraram consequências para nossa educação que perduram até hoje. Os PCNs só se concretizaram graças à redemocratização do país, quando se reabriu o debate em torno da questão da educação pública e das questões curriculares.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Luis M. O que aconteceu com a educação no Brasil? 2003.

BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L’école capitaliste en France. Paris: Seuil, 1992.

CUNHA, Luis Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo: Cortez, 2002.

GENTILI, P. (org.). Pedagogia da exclusão – crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 2001.

LIMA, L. O. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. Rio de Janeiro: Brasília, 1969.

POPKEWITZ, Thomas. Reforma educacional. Porto Alegre: Artmed, 1997.

SAVIANI, D. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias.In: FERRETI, C. J. et al. (orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 101-166.

Publicado em 28 de junho de 2011

Publicado em 15 de fevereiro de 2011

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