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O papel da intencionalidade na construção dos sentidos do texto

Juliana Carvalho

Os estudos linguísticos realizados com perspectiva textual vêm ganhando espaço no Brasil desde a década de 1980 e se consagrando no ensino de língua. Nesse período, começou-se a repensar esse ensino e desde então novas teorias e técnicas foram criadas no sentido de procurar ensinar língua(s) com base em textos.

Para compreender essa perspectiva, é necessário analisar alguns conceitos, entre eles o de texto e textualidade. Segundo Costa Val, ”um texto é uma ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”. Em sua produção e recepção são fundamentais alguns fatores pragmáticos que possibilitam a construção do sentido e fazem com que este seja reconhecido pelos falantes de determinada língua. Ainda para a autora, são elementos desse processo “as peculiaridades de cada ato comunicativo, tais como: as intenções do produtor, o jogo de imagens mentais que cada um dos interlocutores faz de si e o espaço de perceptibilidade visual e acústica comum na comunicação face a face”. Na produção de um texto, é importante verificar também o contexto em que se insere o discurso, que delimita os conhecimentos dos interlocutores. Basicamente, o discurso necessita ser compreendido pelo destinatário, ou seja, pelo recebedor da mensagem. Só assim é possível compreendê-lo como uma unidade semântica, com significado. Além disso, todo discurso deve apresentar unidade formal, com os elementos linguísticos integrados no texto, de forma a se caracterizar como um todo coeso e, por isso, coerente.

Para Charaudeau, o texto “representa o resultado material do ato de comunicação e resulta de escolhas conscientes ou inconscientes feitas pelo sujeito falante dentre as categorias de língua e os modos de organização do discurso, em função das restrições impostas pela situação”. Em sua definição, o autor não vislumbra apenas os aspectos linguísticos, mas segue pelo viés comunicacional, já dando destaque à intenção, à qual se refere como “escolhas conscientes ou inconscientes”.

Para a autora Edcarmen dos Santos, apoiada em Beaugrande, o texto proporciona a liberdade de acesso ao conhecimento e à participação social por meio do discurso. Logo, a escolha das estratégias determina a qualidade do texto, ou seja, se é apropriado, eficiente, eficaz e se terá relevância para o leitor. Considerar que o texto é rico e complexo também é importante, levando em consideração a grande quantidade de informação que pode ser transmitida por meio do texto na interação verbal.

De acordo com Koch, na construção dos sentidos considera-se que o texto é o resultado de uma atividade verbal que tem fins sociais, inserida em um contexto social de produção; também é uma atividade consciente e criativa, pois envolve escolhas para alcançar o objetivo pretendido. Sendo assim, a atividade verbal envolve as escolhas linguísticas, que constroem não apenas o significado semântico para a interação verbal, mas também contribuem para o processo cognitivo de acordo com as práticas socioculturais dos interlocutores. Portanto, para a autora, o texto não é um produto acabado, mas é a partir da construção de sentidos por meio da informação dada junto aos saberes acumulados, ao conhecimento enciclopédico e ao capital cultural, que se estabelece o processamento da mensagem, por meio da interação verbal entre os participantes da comunicação.

Costa Val afirma que a textualidade é o conjunto de características que permitem que um texto seja um texto e não uma sequência de palavras ou frases isoladas. Segundo a autora, são sete os fatores responsáveis pela textualidade de qualquer discurso. A coesão e a coerência são fatores relacionados com o material linguístico do texto, tendo em comum a capacidade de fazer com que os elementos do discurso se inter-relacionem semanticamente. Para ela, a coerência diz respeito “ao nexo entre os conceitos; a coesão, à expressão desse nexo no plano linguístico”. A relação coerente entre as ideias é fundamental, e a má utilização dos recursos coesivos pode diminuir a aceitabilidade do texto.

Os outros cinco fatores ligados à textualidade são pragmáticos. A situacionalidade está diretamente ligada ao contexto comunicativo. A informatividade refere-se ao grau de imprevisibilidade ou previsibilidade do texto e a intertextualidade é a comunicação entre discursos. Os dois últimos se referem aos protagonistas do ato de comunicação: a intencionalidade está ligada aos objetivos do produtor na realização de um texto e a aceitabilidade é a contrapartida da intencionalidade.

Para Charaudeau, a interação comunicativa é como uma encenação, e para interpretar um texto é necessário que saibamos quais os referentes do “eu” e “tu” empregados no discurso. Para tanto, o autor manifesta a existência de dois “eus” e dois “tus”. O eu-comunicante e o tu-interpretante seriam pessoas reais, aquelas que participam do ato comunicativo. O eu-enunciador e o tu-destinatário são pessoas do discurso e só existem teoricamente. O tu-destinatário é a imagem que o eu-comunicante tem do tu-interpretante. O eu-comunicante se dirige a essa “imagem” ao produzir seu texto. Sua comunicação será bem-sucedida apenas se o tu-destinatário coincidir com o tu-interpretante. Já o eu-enunciador é a imagem que o eu-comunicante quer passar de si para o tu-interpretante – imagem que este último pode aceitar ou não. Na verdade, existem dois “eus” enunciadores: um criado pelo eu-comunicante e outro pelo tu-interpretante. Além dos “eus” e dos “tus”, existem, no discurso, os “eles”, que são pessoas, fatos ou coisas às quais os “eus” e “tus” fazem menção no momento da comunicação. Tudo que é referido ganha evidência, ou seja, pressupõe-se real.

A fala produzida pelo eu-comunicante é carregada de suas características próprias, como o segmento social a que pertence, sua faixa etária, ou mesmo um grupo profissional de que é porta-voz. Chamamos “ça” (termo emprestado de Barthes) a essa noção de que o produtor impõe características pessoais a seu texto. Existe ainda uma “voz do povo” que permeia a produção de um texto. O eu-comunicante utiliza expressões como “todos sabem que...” ou “é notório que...” para envolver o leitor e fazê-lo cúmplice de suas ideias.

Para que ocorra sucesso no processamento estratégico, os princípios de textualidade são importantes, pois, segundo Fávero, a intencionalidade é o objetivo do autor de produzir um texto com coesão e coerência, pois isso garante a interação entre autor e leitor, ou seja, contribui para a realização das intenções e, consequentemente, para a produção de efeito. Já a aceitabilidade é a disposição do leitor em aceitar um texto que tem relevância para ele, seja pelo conhecimento transmitido pelo texto, seja pela disposição de participar de um discurso e interagir com o propósito do autor.

A intencionalidade e a aceitabilidade dizem respeito aos protagonistas do ato de comunicação. A intencionalidade está relacionada ao modo como o produtor constrói seu texto a fim de alcançar seus objetivos na interação comunicativa. Para ter êxito, ele se empenha em produzir um texto coerente, de forma que o interlocutor compreenda a intenção e o sentido da mensagem. Já a aceitabilidade diz respeito à atitude do receptor de considerar o texto que está lendo/ouvindo como uma ocorrência coerente e relevante. Assim, ele se esforça para compreender a intenção do produtor e o sentido que este deseja configurar no seu texto.

Grice mostra que os produtores geralmente utilizam estratégias conversacionais para fazer com que o recebedor compreenda e aceite a mensagem. Essas estratégias “se referem à necessidade de cooperação, qualidade, quantidade, pertinência e relevância das informações, bem como à maneira como essas informações são apresentadas (precisão, clareza, ordenação, concisão etc.)”.

Segundo Koch e Travaglia, os emissores de determinada mensagem perseguem e realizam suas intenções dentro do texto, dando pistas para a construção dos sentidos. Para esses autores, a intencionalidade está diretamente ligada à argumentatividade. Todo texto abre possibilidades para várias interpretações e deve-se estar atento a pistas como tempos verbais, operadores, conectores e modalizadores.

Para o estudo da intencionalidade, é necessário partir do pressuposto de que todo texto tem e é motivado por uma finalidade. Dessa forma, é possível seguir em duas direções: a primeira diz respeito à escolha do gênero textual empregado: a intencionalidade genérica refere-se às funções e intenções típicas do gênero textual em uso; a intencionalidade específica, ao modo com que o gênero literário é usado e com que finalidades. Outro caminho é avaliar se as intenções são claras e definidas, caracterizando assim a intencionalidade explícita, ou se a intenção é percebida por meio de recursos linguísticos como a escolha do léxico, sentido figurado e ironia, o que caracteriza a intencionalidade implícita.

Apesar da intenção do autor, ela não se concretiza sem a aceitabilidade, com a qual o recebedor passa da expectativa de ler um texto coerente, coeso, útil e relevante à ação, no momento em que percebe que o texto é capaz de fazê-lo adquirir conhecimentos e passa a  cooperar com os objetivos do produtor. O receptor tenta estabelecer a sua coerência, dando ao texto a interpretação que lhe pareça cabível, tendo em vista os demais fatores de textualidade.

Os efeitos de sentido que o texto pode provocar no leitor, como a compreensão, a consideração e a reação, vão depender da construção de sentidos, que é proporcionada pela intenção do locutor, e pela aceitabilidade do interlocutor, na interação a partir do discurso. Quanto maior é o conhecimento em relação ao tema proposto, maior será a possibilidade de interação entre os interlocutores. A intencionalidade e a aceitabilidade são importantes na interação verbal, pois facilitam a construção de sentidos, estabelecem maior nível de inferências e relações com outros textos e contribuem para a intertextualidade.

Publicado em 22 de fevereiro de 2011

Publicado em 22 de fevereiro de 2011

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