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Full Time: Reflexões sobre nossa língua

Candido Sousa da Silva

Professor de Língua e Literatura Portuguesa Mestre em Letras pela USP

Com efeito, temos uma língua que nos identifica como um povo, uma sociedade ímpar com características particulares. Daí se deduz que “é na linguagem que se refletem a identificação e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo em diferentes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros etc.” (Leite; Callou, 2002, p. 7).

Apesar de ser fruto da lira camoniana, a língua portuguesa no Brasil parece ter encontrado diversos meios para seu desenvolvimento, tornando-a singular entre os povos que carregam o estandarte da língua lusitana. Contudo, a diversidade que existe em qualquer ponto espelha uma pluralidade cultural, e não se pode presumir para expansão do português brasileiro uma forma linguística única. Assim, com o intuito de planificação linguística, cujos vieses ultrapassam todos os campos possíveis, acordou-se, entre os países de língua portuguesa, uma reforma ortográfica com implementação que se iniciou no ano de 2009.

Segundo Travaglia (2001, p. 53), “a língua escrita e a oral apresentam cada uma um conjunto próprio de variedades de grau de formalismo”. Considerando graus de formalismo distintos, a língua escrita em suas variedades apresenta uma tendência para maior regularidade e, geralmente, maior formalidade que as da língua falada. Esta última busca, incessantemente, acompanhar as transformações que lhe são impostas pela sociedade a cada momento, trazendo como conseqüência diversos entraves no ensino e letramento.

Vivemos em tempos em que temos toda e qualquer informação disponível em tempo real; como diríamos em jargão tecnológico, o conhecimento agora é full time. Contudo, parece que retrocedemos aos tempos dos fenícios com sua escrita cuneiforme, ou seria Idade da Pedra (Kd vc? td bm? Vlw! Pow! Naum). Acredito que vivemos em um momento mágico quanto à tecnologia; certamente isso é excelente. Todavia, nossa expressão linguística tem sido drasticamente reduzida a símbolos e ícones.

Peça-chave do modelo full time, a geração Y já nasceu conectada com o universo cibernético existente, mas seu modo de falar é pobre e nem um pouco substancial. Observo neles a facilidade com as novas tecnologias, enquanto seu vocabulário usual não ultrapassa a marca de mil e quinhentas palavras. Mas o que traz espanto é que metade desse léxico está atrelada a formas retóricas e gírias que nascem como fruto social ou importação de modelos presentes na mídia.

As novas gerações conhecem aproximadamente seis mil palavras diferentes da língua portuguesa; porém, para uma conversa, um programa de televisão ou para seu cotidiano utilizam apenas algumas centenas, as quais são complementadas geralmente por gestos, entonações, gesticulações e muitos tipos de marcadores discursivos como “pois é...”, “hã ham...”. Quando lançam mão de poder criativo de neologismo criam aberrações, como o termo “hipocreso”, como referência àquela pessoa que usa de hipocrisia.

É possível, talvez, dirigir uma repartição, mesmo um pelotão e quem sabe a política externa de um país com ajuda de seiscentas palavras apenas; no entanto, é inviável comunicar-se assim. Sem sombra de dúvida, isso é muito pouco para podermos argumentar, debater ou até mesmo influenciar o outro com o auxílio de tão poucas palavras. Além disso, acredito que, nesse contexto, é impossível pensar adequadamente. É possível no mais, com esse ínfimo vocabulário, “fechar um assunto” ou “entrar em uma conversa” ou então “começar a dar uma organização ao que queremos dizer”.

A experiência docente tem nos permitido observar que a língua portuguesa tem chegado a níveis degradantes, em especial no que tange à esfera escrita. Há muitos fatores e motivos que, por sua vez, podem nos responder o porquê dos resultados que saltam aos nossos olhos. Muitos de nossos discentes não sabem o que escrever e, quando sim, não conseguem, pois não sabem como fazê-lo. É salutar revisarmos as bases do letramento e da Educação Básica brasileira, caso contrário nosso futuro será uma população high tech analfabeta funcional.

REFERÊNCIAS

LEITE, Yonne; CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º Graus. São Paulo: Cortez, 2001.

Publicado em 1º de março de 2011

Publicado em 01 de março de 2011

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