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A Marchinha Carioca, uma história resumida – parte 2 (final)

Alexandre Amorim

Como vimos no artigo anterior, com a popularidade da marchinha já estabelecida, alguns autores e cantores ficaram conhecidos por esse gênero, e algumas marchinhas ficaram consagradas e são cantadas até hoje: Taí, cantada por Carmen Miranda; o triunvirato O teu cabelo não nega, Linda morena e Linda lourinha, que cantavam o preconceito racial contido na nossa sociedade; a belíssima Jardineira, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, e talvez a mais famosa delas: Mamãe eu quero, de Jararaca e Vicente Paiva.

Não é apenas pelo viés do preconceito que a marcha retrata as culturas carioca e brasileira. A marcha também navega pela ironia e pelo romantismo, mas não deixa de expressar o caráter de nosso povo. Nos anos 1960, por exemplo, João Roberto Kelly lançava Cabeleira do Zezé, uma brincadeira (um tanto preconceituosa, é verdade) com a nova moda dos cabeludos. Zezé seria um jovem candidato a beatle, da época. Mas a maioria do povo via esses cabelos compridos de forma desconfiada: o que seria aquilo? Bossa nova? Alguma religião? Seria um transviado? (sim, podem reparar no trocadilho meio grosseiro). Não se sabia. E, para o desconhecido, cabe a condenação: “corta o cabelo dele!”.

Mas nem sempre cabia às marchas mostrar a cara do povo de forma preconceituosa. Mário Lago nos brindou, já na década de 1940, com uma marchinha de amor ressentido, Aurora. E quem não sofreu ressentimento por um amor perdido? Do outro lado da moeda, a alegria de nosso país tropical aparecia também naqueles anos em composição de Nássara e Lobo e que até hoje acompanha o carnaval escaldante do Rio: Ala-la-ô canta o calor do Saara e da cidade maravilhosa.

Na década seguinte, Braguinha comandou o carnaval de rua com Yes, nós temos banana, Touradas em Madri e Chiquita bacana. Eram alusões a estrangeirismos, como uma resposta ao nosso sentimento de inferioridade perante outras culturas. Aos americanos e seu orgulho ianque, o compositor respondia que nossa banana “tem vitamina, engorda e faz crescer”. Se há touradas na Espanha, aqui temos o romance de Peri e Ceci. E se o existencialismo estava em voga no pensamento francês, a personagem de Braguinha “só faz o que manda o seu coração”.

Braguinha reinou na década de 1950; João Roberto Kelly despontou como compositor de várias marchinhas dos anos 1960. Cabeleira do Zezé e Mulata bossa nova foram as mais cantadas. Mas o comecinho da década trouxe uma marchinha dos irmãos Ferreira que seria cantada em qualquer época do ano, até hoje: Me dá um dinheiro aí, e em 1967 Zé Keti e Pereira Matos compuseram uma das mais bonitas marchas-rancho, Máscara negra, que começava com a nostalgia de carnavais passados:

Tanto riso, oh, quanta alegria,
Mais de mil palhaços no salão,
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão.

Mas terminava com a tradicional catarse momesca:

A mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto.
Eu quero matar a saudade.
Vou beijar-te agora,
Não me leve a mal,
Hoje é carnaval!

Infelizmente, o carnaval foi se tornando festa para bailes fechados e desfiles milionários de “superescolas de samba S. A.”, como dizia o samba-enredo. Com a institucionalização dos dias de Momo, os blocos de rua foram esvaziando e as marchinhas se tornando escassas. Nos anos 1970 e 80, as marchinhas eram lançadas por Chacrinha, Silvio Santos e outros apresentadores de TV, com letras ainda jocosas, mas com humor grotesco, como Maria Sapatão (que de dia era Maria e de noite era João) e A pipa do vovô (que não subia mais), ou com intuito de educar, mas de forma nada pedagógica, como Bota a camisinha. Apelava-se para relançamentos, como Festa do interior, que Carmen Miranda cantou na década de 1930 e Gal regravou em 1983.

Com o novo milênio, a cidade do Rio voltou a se maravilhar com o carnaval de rua. Blocos surgiram e cresceram, como o Monobloco, Boi-tá-tá, Carmelitas; outros ressurgiram revitalizados, como o Bola Preta, Suvaco de Cristo, Simpatia é Quase Amor e a Banda de Ipanema. Novos concursos de marchinhas foram criados, fomentados pelo Governo do Estado. Mas o samba voltou às ruas com uma roupagem globalizada. Muitos blocos fundem rock, funk e samba, e um dos maiores sucessos desde o ano passado é o Sargento Pimenta, um bloco que toca músicas dos Beatles em ritmo de samba. O Bloco Cru também faz versões de rocks pesados, músicas bregas e MPB, e não podemos deixar de citar o bloco Exalta, Rei!, que homenageia os dias do rei Momo com músicas do rei Roberto.

Marchinhas com jeito de se tornarem clássicas andam em falta. Ainda cantamos as velhas canções de outros carnavais. Mas não custa sair por aí, com um pandeiro ou um tamborim na mão, à procura da marchinha perfeita. O Rio é conhecido por gerar boa música, bom samba, boas marchas. Vale a pena esperar – ou quem sabe compor – mais um rancho clássico. Vale lembrar que o hino da cidade é Cidade Maravilhosa. Adivinhe o ritmo desse hino...

Fontes:

Leia também:

A Marchinha Carioca, uma história resumida – parte 1

Publicado em 03/04/2012

Publicado em 03 de abril de 2012

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