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DISCUTINDO A QUESTÃO DA DEFICIÊNCIA NA ESCOLA

Adriana Oliveira Bernardes

Mestre em Ensino de Ciências

Apesar de a inclusão de alunos com deficiência ser uma das exigências da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a maioria das escolas não está preparada para recebê-los, seja do ponto de vista estrutural, humano ou educacional. Aqui apresentamos uma experiência realizada com alunos do Ensino Médio no sentido de discutir a questão da deficiência em sala de aula, estimulando-os a atuar na produção de recursos didáticos que pudessem ser utilizados em salas de aula inclusivas, nas quais convivessem alunos com e sem deficiência.

Notamos, ao pesquisar a História da Educação Especial, que esta passou por várias fases desde a Antiguidade aos dias atuais: da negação ao paradigma da inclusão. Podemos dizer que demos um grande passo de lá para cá, mas há que se pensar que a ideia de inclusão, por si só, não nos basta; há que se cumprir esse novo paradigma, no sentido de oferecer ao aluno dentro da escola um ensino que colabore verdadeiramente para seu desenvolvimento, seja ele “normal” ou deficiente.

Segundo Glat e Souza (2005), “em que pese o crescente reconhecimento da Educação Inclusiva como forma prioritária de atendimento a alunos com necessidades especiais, na prática esse modelo ainda não se configura em nosso país como uma proposta educacional amplamente difundida e compartilhada”.

Na Antiguidade, as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência muitas vezes eram deixadas à sua própria sorte; o misticismo era grande, e o deficiente poderia, em alguns casos, ser tido como “amaldiçoado”.

Muita coisa mudou no século XX: da integração à Educação Inclusiva, podemos dizer que tivemos também um grande salto; porém, para termos uma sociedade verdadeiramente inclusiva, teremos que modificar a mentalidade das pessoas em geral; isso pode ser feito tanto na escola quanto em espaços não formais de educação, que são lugares adequados para isto; sem esquecer que a participação da família é importante para ratificá-la.

A Declaração de Salamanca, de 1994, contribuiu para divulgação destas ideias, e, segundo dados da Unesco, “cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhes são próprias”; além disso, “as crianças e jovens com necessidades especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através de uma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro de suas necessidades”.

A inclusão depende de um todo: professores, alunos, comunidade e funcionários, reconhecendo a importância de que a escola se adéque ao aluno – e não ao contrário.

Uma escola inclusiva deve possuir professores capacitados e recursos didáticos que possam colaborar para melhorar o processo de ensino e aprendizagem do aluno, de todos os alunos, de toda a diversidade de pessoas que frequentam as escolas.

Aprender a conviver com a diversidade nas escolas é um grande desafio; para Delors (2003), seria desejável que “se tornasse um objetivo a ser alcançado nas escolas”.

Conforme Mantoan (2002), “o motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão”.

Metodologia

Inicialmente o tema foi introduzido na escola a partir da apresentação de uma palestra ministrada pela professora de Física, que almejava trabalhar com recursos didáticos inclusivos, ou seja, recursos didáticos que poderiam ser utilizados em salas de aula inclusivas, constando de alunos com ou sem deficiência.

Nessa palestra eram apresentadas, para as pessoas da comunidade escolar – professores, alunos e funcionários –, as principais dificuldades que o Educandário de Cegos de Campos dos Goytacazes-RJ possui no desenvolvimento de seus alunos.

Nessa ocasião foi apresentado ainda um vídeo com a entrevista com um dos professores do educandário, que deu depoimento sobre a questão. Após essa introdução, foram realizadas pesquisas tanto com professores como com alunos da escola sobre a questão da deficiência. Aos professores foi aplicado o questionário apresentado na Tabela 1:

Tabela 1 – Questionário aplicado a professores de turmas regulares de ensino
1) Qual é sua formação?
2) Qual a sua carga horária semanal?
3) Você já teve em sua sala de aula aluno com algum tipo de deficiência?
4) Teria dificuldades em trabalhar com aluno com deficiência em sala de aula?
5) Gostaria de fazer um curso que o ajudasse em relação à questão? Por quê?

A importância desse tipo de pesquisa pode ser percebida quando os PCNs de Educação Especial falam na importância de adaptações no ambiente escolar; como interceder se não conhecemos os alunos e professores?

Esses Parâmetros Curriculares Nacionais preconizam “a atenção à diversidade da comunidade escolar e se baseiam no pressuposto de que a realização de adaptações curriculares pode atender a necessidades particulares de aprendizagem dos alunos”.

Segundo os PCNs (BRASIL, 1998), “as adaptações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos”.

Aos alunos foi aplicado o questionário apresentado na Tabela 2:

Tabela 2 – Questionário aplicado a professores de turmas regulares de ensino
1) Na sua escola já teve algum colega com algum tipo de deficiência?
2) Algum professor já discutiu a questão da deficiência em sala de aula?
3) Você já participou de algum projeto que envolvesse aproximação com pessoas deficientes?

O objetivo desse questionário era sondar a relação existente entre os alunos com e sem deficiência naquela escola.

Resultados

Nos depoimentos obtidos e gravados em vídeo, é marcante quando professores que atuam diretamente na área (educandário) afirmam que deve ser levado em conta o comportamento dos pais para o desenvolvimento do aluno com deficiência; o maior problema citado pelos professores em relação ao desenvolvimento dos alunos é a superproteção dos pais.

Sobre o contexto do educandário, os professores revelam que realizam cursos periodicamente e que possuem recursos didáticos específicos para o aprendizado, como livros e mapas e todos os recursos que lhes possibilitam a escrita.

Apresentaremos aqui os resultados do questionário da Tabela 2 aplicado com 72 alunos do Ensino Médio e EJA das turmas matutinas e noturnas do Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza.


Figura 1 – Convivência dos alunos das turmas regulares com alunos com algum tipo de deficiência

Em relação à pergunta da Figura 1, 31% dos alunos entrevistados responderam que já haviam convivido em sala de aula, em algum momento de sua vida, com aluno portador de algum tipo de deficiência.


Figura 2 – Questão sobre como os professores tratam o assunto deficiência no ensino regular

Podemos observar na Figura 2 que é grande o número de professores que toca nesse assunto em sala de aula: 71% do total tratam a questão da deficiência em sala de aula.

Em relação a essa pergunta, 43% dos entrevistados citaram a disciplina Português, 30% citaram a disciplina Biologia (o que seria pertinente, já que esta disciplina envolve conceitos relacionados aos problemas que podem causar deficiência), 19% citaram a disciplina Física, 4% citaram Matemática e Educação Física.

Podemos observar que qualquer disciplina pode trabalhar o tema, uma vez que o professor tenha consciência da importância do seu trabalho para mudar situações vigentes.


Figura 3 – Disciplinas que trabalham a questão da deficiência em turmas regulares no Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza

Figura 4 – Porcentagem de alunos que participaram de projetos que promoviam a aproximação entre alunos com e sem deficiência

Na Figura 3, podemos observar que são poucos os alunos que tiveram oportunidade de participar de um projeto que envolvesse a aproximação com pessoas deficientes na escola.

Apresentaremos agora os resultados do Questionário 1, aplicado aos professores com o intuito de sondar o seu envolvimento na questão da deficiência.


Figura 5 – Pergunta sobre a formação dos professores do Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza

Podemos observar, com base na Figura 5, que 54% dos professores que trabalham nas turmas regulares do Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza possuem licenciatura plena na disciplina com a qual trabalham, 31% possuem pós-graduação e 15% fizeram formação de professores.

Todos que estão neste último grupo trabalham no 1o segmento do Ensino Fundamental, porém ainda há professores com apenas o Ensino Médio trabalhando no 2o segmento do Ensino Fundamental, isto é, do 6º ao 9o ano.

Pensamos que este dado é importante para relacioná-lo à importância que o professor dá ao levar a questão da deficiência para sala de aula e ao desenvolver projetos que aproximem essa questão dos alunos.


Figura 6 – Pergunta sobre a carga horária dos professores do Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza

Em relação à sua carga horária semanal no estado, 41% dos professores possuem carga horária de 12 horas semanais; 26%, de 24 horas semanais; 15%, de 20 horas semanais; 11%, de 36 horas semanais; e 7% de 48 horas semanais. A Figura 6 apresenta esses resultados.


Figura 7 – Pergunta sobre a presença de aluno com deficiência no Colégio Estadual Jaime Queiroz de Souza

De acordo com a Figura 7, 74% dos professores (um número alto) relatam já ter tido aluno com deficiência em sala de aula. Em relação a ter dificuldades em trabalhar com esse tipo de aluno, 100% dos professores afirmam que teriam inicialmente alguma dificuldade, que tentariam contornar com o tempo.


Figura 8 – Pergunta sobre o desejo de fazer um curso que melhorasse o seu entendimento sobre deficiência

Os professores que afirmam não desejar realizar algum curso culpam a alta carga horária como fator que dificulta a realização do curso. Os dados obtidos foram amplamente debatidos na escola, contando com a participação de toda a comunidade escolar.

Conclusões

O projeto foi determinante para que a questão da deficiência fosse discutida na escola, alcançando toda a comunidade escolar e tendo se mostrado de grande importância para todos os segmentos que convivem na escola.

Ter iniciado as discussões a partir de situações reais foi importante, e os relatos de professores do Educandário São José, de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, geraram várias discussões no contexto escolar.

Os dados obtidos pelos questionários mostraram que a convivência com alunos com deficiência existe dentro da escola e que a maioria dos professores tenta abordar a questão, mesmo sem ser preparado para isso na universidade ou por cursos de formação continuada.

Os resultados da pesquisa, por si sós, mostram a necessidade de desenvolvimento de trabalhos dentro da escola a fim de que a questão da deficiência seja discutida e que a diversidade de indivíduos possa ser vista como algo natural.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/CNE, 1996.

DELORS. Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO Ada Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1980. cap. 4, p. 89-102.

GLAT, Rosana. A integração social dos portadores de deficiências: uma reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

MANTOAN, M. T. E. Caminhos pedagógicos da inclusão (2002). Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br . Acessado em 20/11/08

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidade educativas especiais. Salamanca: Unesco/Ministério da Educação e Ciência, de 07 a 10/06/1994. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade.

Publicado em 3 de abril de 2012

Publicado em 03 de abril de 2012

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