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Millôr Fernandes: enfim, um escritor sem estilo e um desenhista sem borracha

Tatiana Serra

Dias difíceis os últimos; dias de perdas insubstituíveis... Se Chico Anysio (falecido em 23 de março) nos deixou mais de 200 personagens (o que felizmente nos conforta e eterniza o grande humorista), Millôr Fernandes (falecido em 27 de março) nos presenteou com incontáveis frases ao longo de seus 88 anos, além de suas charges e suas tantas outras manifestações artísticas e políticas.

Quantos foi Millôr? Desenhista, cartunista, jornalista, dramaturgo, fabulista, poeta, escritor (com mais de 50 livros publicados), tradutor, roteirista (com mais de 10 roteiros criados para o cinema), um dos criadores do jornal PifPaf (que inaugurou a imprensa alternativa no Brasil) e um dos colaboradores de O Pasquim (que marcou época na oposição ao regime militar)...

O que Millôr não foi? Chato, isso ele não foi. Até porque era ele mesmo que dizia ser “chato o indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”. E quem não é capaz de reconhecer a irreverência desse grande homem, seja em seus traços seja em suas palavras – sempre regadas de sabedoria e com um toque ou vários de um humor ácido e muito saboroso? E tudo isso faz ou não dele um homem muito interessante?

Aliás, bem fez Janio de Freitas, da Folha de S. Paulo, ao lembrar que humorista é outro que Millôr não era, apesar de esse engano acompanhá-lo durante muito tempo: “Acompanhou Millôr desde a primeira página do Pif-Paf no longínquo O Cruzeiro e agora se mostra com toda intensidade, nos jornais, nas TVs, nas conversas sobre ‘o humorista Millôr’. Mas desengane-se: Millôr não era humorista. Millôr foi um pensador. Brilhante e fertilíssimo pensador. Ilimitado nos temas e incessante no seu exercício de pensador. O humor foi uma linguagem para o pensador”.

Foi esse mesmo homem que, quase terminando sua oitava década, demonstrou ser inovador também na internet: conquistou mais de 300 mil seguidores no Twitter; foi uma das primeiras personalidades a ter seu próprio site, em 2000. E, lá atrás, foi esse mesmo homem o primeiro cartunista brasileiro a utilizar um computador como ferramenta para seus desenhos. Certo estava ele em não perder tempo: “esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito”.

Millôr nasceu Milton Fernandes, e tempos depois já fazia trocadilhos até com o próprio nome. Ao ler com atenção sua certidão de nascimento, percebeu que o "T" mais parecia um “L”, pois o traço horizontal estava sobre o “O”, fazendo um acento circunflexo, e o “N” tinha cara de “R”; lia-se Millôr, nome assumido por ele desde os 17 anos.

Para os cartunistas Ziraldo e Paulo Caruso, Millôr é um “deus”; para muitos de nós, ele era um “gênio” e dono de uma inteligência apurada. Quem teve a oportunidade de conversar com Millôr, mesmo que por um momento, certamente tem a mesma opinião: seu humor não era daqueles encontrados nas piadas; com ele não era para simplesmente gargalhar; ele era praticante de um humor detalhista, que exigia reflexão, mesmo e especialmente quando encontrado nas “pequeninices” do cotidiano. Por tudo isso, esses tantos Millores (certamente ele adoraria seu plural!) não sairão de nossas memórias.

Em seu site, a equipe faz uma homenagem a ele e lembra que este será um canal eternizado para quem gosta dele e quer continuar refletindo e rindo de suas facetas. “Nos disse o Millôr: ‘As pessoas morrem quando você as apaga da sua memória’. Ele ficará sempre conosco. O saite é sua memória permanente na Web”. Não podemos saber como vai ser daqui pra frente sem Millôr, mas decerto o céu tem andado bem mais interessante do que a vida aqui embaixo.

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Publicado em 03/04/2012

Publicado em 03 de abril de 2012

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