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Anseios, obsessões e Bossa Nova

Alexandre Amorim

Um alemão conhece a música de João Gilberto por um japonês e resolve vir ao Brasil conhecer o pai da Bossa Nova. A música não tem fronteiras, é nossa primeira conclusão. E é ótimo que não tenha, porque esse mesmo alemão se emociona com a música a ponto de largar tudo e tentar encontrar seu intérprete. No caso de João, interpretar é quase dar nova autoria à canção, e o alemão compreende isso, compreende que o cantor refaz a música que canta e que, se sua identificação com o cantor é tão grande, eles devem ter muito em comum. Marc Fischer, o alemão, vem para o Brasil tentar entender aquela música, aquele cantor, aquele personagem. Sua saga é transformada em um romance-documentário de linguagem coloquial e tom levemente policial: é o livro Ho-ba-la-lá, lançado pela Companhia das Letras em 2011.

Aqui, nossa segunda conclusão poderia ser: mais um estrangeiro que quer ganhar um dinheirinho extra com a música brasileira e com a história estranha de João Gilberto. Parece, sim. Mas quem quer ganhar dinheiro com um livro não se joga da janela, matando-se dias antes do lançamento desse livro. Seria como dizer que o suicídio de Getúlio Vargas foi uma jogada política: uma afirmação quase cínica, de tão cética.

Assim como é impossível definir as razões das estranhezas de João em relação ao mundo, é impossível definir a razão da obsessão de Fischer e a motivação de escrever esse livro. Talvez algumas conclusões possam ser ensaiadas: existe, sim, o amor à arte (mesmo que esse amor se mostre como obsessão); é natural buscar suas identificações neste mundo tão desigual; é natural buscar uma obsessão quando nada mais faz sentido.

Ou, como quer o autor, talvez não devamos buscar conclusões.

João pede sempre o mesmo prato, mas conversa longos minutos com o chef antes de pedir. Ensaia longas horas, mas dá pouquíssimos shows. Seria mais importante ao cantor baiano o produzir do que o produto em si? Sua obsessão em lapidar cada música seria um sinal de que não lhe importa a chegada, mas o caminhar? No livro, o músico Roberto Menescal o define como um vampiro – sedutor, notívago, capaz de esmagar os outros. Mas por que os outros se deixam esmagar? De onde emana o poder de sua sedução? O que, na música de João Gilberto, causa em Marc Fischer o “anseio”, termo que ele usa como sinônimo de algo desejado e inatingível – como um sentimento metafísico que se alimenta de uma paixão que ao mesmo tempo o devora (ou o esmaga)?

O romance é uma mistura de diário de viagem, narrativa policial, transcrição de entrevistas e elucubrações do autor. Se podemos chamar de romance, só podemos porque a narrativa tem um estilo que o afasta do documental e o aproxima da ficção. Mas a mistura é feita com talento. Fischer sabe que é personagem de sua própria obra, por isso se transforma também em um Sherlock Holmes sob o sol e os bares do Rio de Janeiro. Arranja um Watson, sua assistente gay, fundamental para as conexões com as pessoas que podem ligá-lo a João.

E essas pessoas são, também, reais e ao mesmo tempo personagens de uma história além do livro: a história da Bossa Nova. João Donato, Marcos Valle, Menescal, Miúcha, o dono da Toca do Vinicius, o teatral amigo íntimo de João, sua namorada, todos estão ali, falantes, informantes, quase todos com uma opinião sobre o homem recluso e obsessivo, quase todos querendo concluir algo sobre aquele homem comum e genial.

Não é necessário concluir. Marc Fischer descobre que nada vai definir o que ele procura. Aos poucos, a leveza de uma visita à luminosa cidade do Rio vai se tornando uma enevoada dúvida, um anseio que, provavelmente, não terá fim. Ho-ba-la-lá é, antes de tudo, isto: uma homenagem ao homem que anseia, em toda sua vida, aperfeiçoar sua arte.

Ficha técnica do livro:

  • Título: Ho-ba-la-lá - à procura de João Gilberto
  • Autor: Marc Fischer, tradução de Sergio Tellaroli
  • Gênero: Romance
  • Produção: Companhia das Letras, 2011

Publicado em 10/04/2012

Publicado em 10 de abril de 2012

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