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Ensaio ecológico: o legado da história para a conservação da biodiversidade brasileira
Rodrigo de Mello
Biólogo e mestre em Ciências Ambientais (UEM-PR); doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução na UFG
Como biólogo de formação (e de coração), raras vezes vejo temas de minha área tratados com a devida seriedade, embasados em conhecimentos bem fundamentados. Assim, venho dar a minha modesta opinião sobre dois temas que estão em voga nos dias de hoje: mudanças climáticas e conservação – com foco em minha pátria, o Brasil.
Acredito que, para demonstrar o verdadeiro peso e importância desses temas e finalmente despertar um tipo de ‘patriotismo biológico’ nos brasileiros, é preciso que se conte um pouco da história da própria vida no planeta. Mas para relatar um pouco dessa marcha evolutiva é preciso adequar o cenário sob a luz da evolução, e palavras como anos ou séculos passam a equivaler a segundos ou minutos nesse relógio geológico – este relato, portanto, se dá sob tique-taques tectônicos que marcam tempos muito mais remotos do que qualquer lembrança humana.
Durante os últimos milhões de anos, muitos grupos de animais e plantas se extinguiram; outros prosperaram. Grandes áreas de terra foram inundadas por oceanos colossais, o surgimento de imensas cadeias de montanhas interrompeu a passagem de ventos, modificando os climas locais e dando origem a milhares de corpos d’água que se uniram nas terras baixas, formando grandes rios. Na América do Sul, após o soerguimento final da Cordilheira dos Andes (20-25 milhões de anos atrás), o clima que até então era úmido se tornou mais seco e frio, especialmente nas regiões mais ao sul. Nosso continente, que já fora unido ao africano, ficou isolado e somente há cerca de 3,5 milhões de anos se liga (pelo istmo do Panamá) às terras das Américas Central e do Norte, com o declínio do nível do mar – o que intensifica a diversificação da biota sul-americana. No Brasil, é sabido que as paisagens naturais dominantes e os padrões de clima eram inteiramente diferentes 20 a 15 mil anos atrás, quando parte da Terra foi coberta por grandes extensões de gelo. Nossas florestas tropicais, o cerrado, a caatinga e o Pantanal já tiveram distribuições e localizações diferentes durante os últimos milênios.
Que conclusão podemos tirar do que tratamos até aqui? Que os biomas brasileiros, assim como os do resto do planeta, mudaram muito durante estes últimos milhões, milhares e centenas de anos. Essas alterações foram regadas de mudanças climáticas, de surgimento de vulcões, de erupções, de extinções, de surgimento ou reconfiguração de rios e muitos outros processos que influenciaram diretamente o número de espécies em uma região. A extinção ou florescimento de espécies dependia de elas estarem ou não adaptadas a viver nesses novos cenários. Essa é a essência da boa e velha seleção natural, proposta por Darwin em meados do século XIX e que nunca será desatualizada.
Ouço um leitor curioso perguntar: “Mas onde estava o Homo sapiens, nossa espécie, nisso tudo?”. Evidências sugerem que os primeiros hominídeos apareceram há cerca de 200 a 250 mil anos no continente africano, mas só chegaram à América do Sul há mais ou menos 20 mil anos. Começamos, então, a predar animais, modificar a paisagem, cultivar plantas, construir moradas e, por fim, nos tornamos sedentários. Hoje em dia, com o crescimento e a expansão da população humana, resta pouco de todo o patrimônio biológico original que tínhamos há alguns séculos. Mesmo tendo consciência de que cada ambiente é detentor de linhagens evolutivas e de histórias biogeográficas únicas, fragmentos de vegetação natural perdem cada vez mais espaço para atividades antrópicas (agricultura, pecuária, cidades, poluição).
Somos detentores da fauna e da flora mais ricas de toda a América do Sul, com uma das mais majestosas biodiversidades do mundo; mesmo assim, como estamos agindo em relação a isso? Precisamos de ações e estratégias estudadas e sérias, de cada vez mais investimento em pesquisas, precisamos do trabalho e das opiniões de biólogos, de engenheiros florestais e ambientais competentes e com experiência – e não hipocrisia política ou ações que só visam o lucro. Somente uma sociedade consciente da megadiversidade de seu país é capaz de identificar um discurso progressista meramente mercantilista, imbuído de uma prática negadora da vida – poluidora do mar, dos rios, dos campos, devastadora de biomas e variedades genéticas únicas.
No mínimo, devemos respeito aos moradores mais antigos de nosso planeta e de nosso país, já que chegamos tão recentemente e o modificamos drasticamente, como se não compartilhássemos nossa morada com milhares de outras espécies. Conservar o que resta é nossa obrigação. Estamos aprendendo que não há como pensar em desenvolver um país sem pensar na sua riqueza biológica nem elaborar planos para sustentá-la. Ver ou não um futuro que ainda espelhe essa grandeza de formas de vida depende de nós. Que entre outras mil, que ainda seja o Brasil a nossa pátria amada e idolatrada. Mas que seja, sobretudo, diversificada e conservada! Para isso, temos que saber valer o sapiens do nome que nós nos demos e ter a sabedoria das boas escolhas para o futuro da maior riqueza de nosso país, a biológica.
Publicado em 10 de abril de 2012
Publicado em 10 de abril de 2012
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