Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Lutar contra a destruição ambiental é lutar por justiça social

Cândido Grzybowski

Sociólogo, diretor do Ibase

Conferência Rio+20

A cada dia que passa, a Conferência da ONU Rio+20, que deve acontecer de 20 a 22 de junho, começa a virar tema de interesse e debate na grande mídia e, sobretudo, entre redes e organizações pelo mundo afora. Agora já é possível, pela Internet, mapear análises e posicionamentos de diferentes atores que estarão de algum modo presentes no evento oficial ou na Cúpula dos Povos. Sou dos que dão as costas à Conferência da ONU por sentir que, numa conjuntura de crise capitalista profunda, cujo epicentro está nos países desenvolvidos, cujos governos, além de muito envolvidos em eleições, não passarão daquelas declarações sem efeito prático. No fundo, não acredito que os governos queiram mudar alguma coisa – a começar pelo nosso, cuja prioridade é crescimento como condição necessária para avançar na justiça social entre nós, brasileiros e brasileiras.

Alinho-me com os que pensam que não há forma de enfrentar a questão da justiça social sem, ao mesmo tempo, enfrentar a destruição ambiental. Ao longo desta série de pequenas análises no contexto da Conferência Rio+20, tenho afirmado e reafirmado muitas vezes: nós, seres humanos, somos parte da natureza. Esta é a nossa condição de vida. Mas teimamos em nos ver diferentes; pior, feitos para dominar e arrancar os segredos da natureza. A revisão filosófica, ética e religiosa, econômica e política do lugar da natureza em toda a arquitetura social é considerada aqui como condição fundante de uma civilização biocêntrica, a biocivilização. Em sendo assim, a questão traz ao centro uma reflexão de justiça de tríplice dimensão: social, socioambiental e ecológica. Afinal, existe ou não uma questão de ética ecológica, de direitos e de justiça da natureza em si? Podemos nós ser contra o direito imanente de sementes e animais de se realizar como seres vivos? De a rede de interdependências naturais da vida ser como é? De a atmosfera e o clima não serem alterados? E como isso tudo requalifica a fundamental luta humana por justiça social? Por mais difíceis que tais questões sejam, a busca por respostas a elas nos bota no caminho da biocivilização, mesmo que ainda muitas gerações tenham que se debruçar sobre elas.

A justiça social, que se funda no reconhecimento do princípio da igualdade da condição de seres humanos que compartimos o mesmo planeta Terra, independentemente de nossos endereços localizados, atravessa as mais diferentes tradições filosóficas e religiosas. Dada a realidade de desigualdade social intra e interpovos ao longo da história humana, a luta por justiça e igualdade tem sido definida, com razão, como “motor da história”. Mas, temos que reconhecer, nunca a humanidade foi tão desigual como no contexto atual da abundância excludente, da riqueza do luxo e lixo, de escandalosas fortunas para poucos que têm como contraponto a violência da miséria e fome para muitos. A luta por justiça e igualdade não pode, hoje, ser contornada. Nunca a humanidade, em todos os quadrantes, teve tão ampla consciência do imperativo da equidade e da ameaça que significam a exclusão social, a pobreza e as diferentes formas de desigualdade e injustiça social.

Mas não é no crescimento da economia capitalista que reside a solução do problema; pelo contrário. As formas de crescente desigualdade são decorrência da dominação social intrínseca da civilização capitalista industrial, produtivista e consumista. Civilização do ter e do acumular, ela necessariamente cria excluídos e dominados para que aconteçam o ter e o acumular nas mãos de poucos. Para isso, a “máquina” do capitalismo cresce privatizando e mercantilizando, usurpa e cerca os bens comuns, transforma a natureza em fonte de recursos naturais para a sua produção destrutiva, priva enormes contingentes da população de meios de se organizar e viver autônomos, não sobrando outra forma de viver que não se submeter à exploração capitalista.

É exatamente aí que a questão da destruição ambiental desse modo de organizar a economia e toda a vida aparece como o outro lado da questão da justiça social. Trata-se de uma civilização injusta e predadora. Não produz para satisfazer necessidades humanas de forma equitativa nem respeita os limites que a integridade da natureza impõe para a sustentabilidade. Não é possível tornar sustentável tal modo de organizar a economia, como apregoa a Conferência da ONU Rio+20 para o desenvolvimento sustentável. Aliás, nunca é demais lembrar que o importante é tornar a vida, toda forma de vida, e o próprio planeta sustentáveis – e não o desenvolvimento sustentável da destruição capitalista. Submetida como está ao capitalismo, hoje globalizado pelas grandes corporações econômico-financeiras, a humanidade já consome mais recursos naturais – a nossa pegada ecológica, na boa definição dos ecologistas – do que o planeta Terra suporta. Se todo mundo fosse viver na média norte-americana, seriam necessários cinco planetas! Ou seja, além da injustiça intra e interpovos, estamos já praticando uma injustiça entre gerações, pois não estamos deixando para as futuras gerações a natureza com a capacidade de regulação e regeneração como a encontramos.

Considerando a desigualdade e a injustiça social, a destruição ambiental compromete a justiça social hoje e para as futuras gerações. A destruição ambiental é, ela mesma, socialmente desigual, pois uns grupos e uns povos são mais afetados que outros, tanto atualmente como considerando as gerações por vir. Ou, de outro modo, uns grupos e uns povos são ética e politicamente mais responsáveis que outros pela injustiça social e destruição ambiental.

A Conferência Oficial da ONU, com seu discurso de economia verde como nova frente de expansão de negócios e de crescimento, não só está longe de enfrentar o desafio do combate à destruição ambiental como condição de justiça social como também pode significar um abrir de porteira para mais injustiça e destruição, entregando à ganância capitalista toda a natureza, sem limites. Precisamos fortalecer a ainda tímida voz das ruas e encruzilhadas do mundo, a voz da cidadania que clama por respeito ao grande bem comum, a natureza, e por igualdade e bem viver. Juntemo-nos! Nunca é tarde demais!

Publicado em 10 de abril de 2012

Publicado em 10 de abril de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.