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TEMPO DE ‘CAUSAR’

Claudia Nunes

Professora

‘Um homem sem memória é um homem sem história’; logo, vamos resguardar nossos melhores contadores de histórias e marcadores de experiências – nossos professores.

Nunes

Hoje em dia, vira e mexe, esquecemos alguma coisa. A velocidade da vida diária e nossa constante mobilidade tornaram nosso cérebro refém dos desejos e ações externas. Sem notar, mas com algumas dores, nossa biologia está alterada. Em pleno vigor, nosso cérebro e nosso corpo tentam se adaptar, assimilar e responder às nossas (intencionais ou não) solicitações, mas vira e mexe são vencidos. E, vencidos, falham, rateiam, entram em disfunção e nos desequilibram: hoje, acredito, estamos em desequilíbrio eletroquímico e cheios dos mais variados mecanismos de defesa.

Uma de nossas maiores preocupações é a percepção de que a falha de memória está se tornando ‘natural’ demais. Num mundo em velocidade acelerada, a falha de memória é assustadora. Não me refiro às razões patológicas ou à chegada da velhice, isso realmente é natural; refiro-me à velocidade das informações, à crescente necessidade de ‘saber e fazer de tudo’ um pouco, ao estresse da vida moderna em que há mais cortisol do que serotonina (mais desprazer do que prazer) etc. Estamos eletrizando demais nossas conexões neurais e criando ‘brancos’ enormes no cérebro. Vivemos, então, desconfortáveis com nossos esquecimentos.

Esquecemos a chave de casa, procuramos os óculos que estão em nossa cabeça, ‘perdemos’ o carro num estacionamento de supermercado, deixamos objetos importantes em diferentes lugares, esquecemos palavras comuns, enfim: somos reflexo da vida moderna, e nossos neurônios de associação vão ficando desvairados, senão esgotados completamente. Então esses esquecimentos, quando constantes, requerem atenção, muita atenção, pois prejudicarão, em médio prazo, nossas diferentes relações e causarão, senão dificuldades, transtornos aos nossos comportamentos cognitivos e relacionais. É preciso ter muita atenção a isso!

Em nosso cotidiano veloz, entre ter atenção e compreensão e realizar armazenamento e resgate (processo de construção do conhecimento e da memória) de informações, é cada vez mais real a presença do estresse, do pouco sono, da má alimentação e, lógico, da má gestão das relações pessoais com o dia a dia. Se assim o é, como fica, por exemplo, o ambiente escolar? Como ficam aprendentes e ensinantes em meio ao processo de construção da memória de longo prazo? Só a afetividade basta para emocionar o cérebro e mantê-lo aprendendo? Eu não sei, mas, de ‘prima’, digo: na escola, essa falta de atenção, qualquer falta de atenção, é (muito) mais perigosa.

Quando adolescentes, os sujeitos estão confusos, transformando-se rápido, tensos de futuro, além de extremamente sociais e autoafirmativos. Suas expectativas estão fixadas no tempo presente. Conquistas, sucessos, amores, dinheiro, sustentabilidade estão na ordem ‘do agora’, e suas relações envolvem essas necessidades e interesses. Seus cérebros estão assimilando informações dentro dessas afinidades; em contraponto, é forte e imprescindível a necessidade de autoafirmação, quer por desejo presente, quer por objetivos futuros: o tempo todo isso os retroalimenta.

Embora se imaginem (se projetem) no tempo como grandes conquistadores (médicos famosos, engenheiros famosos, empresários famosos, DJs famosos, artistas famosos, cantores famosos etc.), sua ambiência escolar atual está coagulada, com mielinização rala e sem cola em diferentes áreas do saber oferecidas a eles como possibilidade curricular de realizar seus imaginários. E aí: desatenção, indisciplina, violência ou indiferença. Alertas, aqui, à sensação de falta de integração dos alunos ao processo de ensino sempre igual. Então por onde começar? O que fazer?

Particularmente, eu aceito a perspectiva do tempo. É o tempo que nos separa e diferencia. Tempo de vida. Tempo das gerações. Tempo de expectativa. Tempo de formação. Tempo dos desejos. Tempo, tempo, tempo. Sem pensar nisso, é difícil pensar em transformações ou, ao menos, nos porquês das transformações e renovações das práticas e necessidades de um e de outro ator educacional. Afinal, todos precisam de todos.

Nosso sistema nervoso (ensino) entrará em colapso sem o sistema endócrino (aprendizagem), porque estão/estamos perdendo afinidades. Sinapses (aprendizagem) só têm qualidade quando se realizam por afinidade e demandam a participação de todas as nossas memórias mais proteicas e oxigenadas. Então, se há forte divisão entre as expectativas estudantis e as propostas pedagógicas e didáticas, o jeito é ‘causar’. Ou seja, é preciso irritar as células e criar formas de condutibilidade das informações no cérebro; é preciso dar sentido, significância, “marcar”, “surpreender”, “desafiar”, “chamar a atenção” e acelerar o movimento sanguíneo e a respiração com força. Porém, atenção, para além da percepção de que as práticas pedagógicas e didáticas precisam de renovação e mais sinergia com o mundo estudantil e tecnológico atual, há a séria necessidade de reformatação da formação dos docentes dentro dessa modernidade toda.

Tal e qual o cérebro, o professor está refém de um tempo em que se sente um estranho, um visitante, um imigrante, quando se vê no contexto da sala de aula. Sua memória cognitiva (formativa) também não encontra cola em seu aprendizado teórico. Seus neurotransmissores entram em parafuso por falta de informações afins anteriores. Ele se sente um corpo estranho. Mas, ainda assim, dizem, ele precisa se adequar para não desaparecer como tantas outras profissões. Será?

Como é preciso criar novos potenciais de ação (impulsos nervosos) para gerar atenção, curiosidade e questionamento discente, é preciso também potencializar a capacidade docente de estar atento ao novo tempo e seus novos alunos. Aqui, causar também é uma fonte rica de transformação e realização da decantada qualidade docente para o século XXI. E aí, de novo, devemos ter atenção ao tempo: no período de formação, o cérebro do futuro docente, por ritmo e repetição, é crivado de teorias cuja base é o aluno ideal. Acontece uma constante plasticidade em torno da romântica idealização do ensino, da aprendizagem, da escola e de seu futuro aluno. Estranho, não?

Fora isso, em sala de aula, apresentam-se o tempo da reflexão (cognição docente) e o tempo da diversão bem mais tecnológica (cognição discente). E lidar com isso não tem perspectiva na universidade. É a primeira emoção negativa de um docente, porque não basta reconhecer essa (ou aquela) realidade, é preciso ativar a memória de longo prazo ou mesmo o cerebelo (e suas memórias mais antigas), criar excitações neuronais e didáticas para compreender e aprender as novas performances docentes exigidas com boa fluidez e criatividade. Como assim? Se no período formativo os neurônios especializados tiveram outras tarefas, como exigir outras ações agora? Como recuperar uma memória que não se tem? Como recuperar informação que não se tem?

Continuo pensando... Só sei que não há facilitadores, é trabalhar ou trabalhar; é experimentar ou experimentar. Muitos são os tipos de memória (visual, audiovisual, sinestésica e outros) e, dependendo da área do saber, o docente pode privilegiar uma delas ao longo de seu trabalho, se tiver tempo e possibilidade de estudos. Senão, será uma proposta de reação instintiva mesmo. E isso tanto pode se oferecer como um momento excelente de “oxigenação do cérebro” e atualização pedagógica como também pode ‘causar’ muitos problemas nos ensinos e nas aprendizagens (construção do conhecimento e de memórias de longo prazo).

Se tudo que for possível estiver eliminado, a resposta está no impossível, e daí, sinceramente, é ser curioso e aprender a correr riscos. Se o mundo está em erupção social e educacional depois da forte entrada das tecnologias digitais e virtuais, novos caminhos precisam ser encontrados e os planos do curso educacional precisam ser (re)traçados. Não se pode perder (esquecer) nada e/ou ninguém nos dias atuais, muito menos um professor. Atenção, muita atenção!

Publicado em 24 de abril de 2012

Publicado em 24 de abril de 2012

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