Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Modelo de liderança no Brasil

Armando Correa de Siqueira Neto

Psicólogo e professor

Fatores históricos de relevante impacto ainda se encontram vigorosamente presentes na forma de gerir pessoas na vida organizacional brasileira. A influência do modelo de liderança tradicional atravessou séculos e culminou na atual dificuldade de desenvolver tanto a autonomia do pensamento e da ação do trabalhador quanto os comportamentos resistentes e defensivos de boa parcela de líderes. A estatística perde terreno para a simples curiosidade e avança as fileiras do estudo comprometido com a compreensão do fenômeno.

Pode-se acompanhar a análise dos números aqui relatada ora com a necessária frieza, ora com a inevitável perplexidade causada pelos dados que desenham o contorno do modelo autoritário que reinou (de cabo a rabo, praticamente) ao longo da história iniciada no século XVI.

Pois bem: de 1500 a 1822, viveu-se o período denominado Brasil Colônia. Portugal era a autoridade; suas ordens políticas e econômicas atravessavam o Atlântico, sofrendo resistência ocasionalmente. O Brasil Império deu-se de 1822 a 1889, também sob regime centralizador, ainda que forças contrárias tivessem pleiteado em vão maior participação no poder. Nessas duas primeiras épocas, iniciou-se e findou-se tardiamente a escravidão de indígenas e africanos sob a batuta do rígido autoritarismo.

Convencionou-se chamar o período de 1889 até os dias atuais de Brasil República. Embora seja justamente nesta última época que se tenha alcançado a democracia, a autoridade ainda se fez valer nas mãos dos presidentes que chegaram ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, com destaque para Getúlio Vargas, nos quinze anos em que governou de modo ditatorial. Menciono ainda, em especial, a ditadura militar, que cravou a espora no lombo de 1964 a 1985. De Castelo Branco a Figueiredo, sobretudo com Médici, a autoridade cunhou sua marca; foi nela que o modelo autoritário de liderança apertou o arreio e lustrou as botas ao fazer valer a conhecida frase: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Não se pode esquecer que, de 1945 a 1964, o Brasil respirou os ares da democracia com Dutra, Vargas (em nova performance), Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. E somente após 1985, com o abrandamento (leia-se controle) dos ânimos dominadores das Forças Armadas, seguiu-se um novo tempo de liberdade.

Respiremos fundo, pois é chegada a hora de avaliar o cenário numérico e expor a estatística na qual reside cada traço do modelo de liderança brasileiro. Então, dos 512 anos de existência do Brasil, 466 foram dedicados, com maestria, ao autoritarismo. Mais: restaram 46 anos de tempo para o exercício da democracia. Ou seja, qualquer gráfico é capaz de representar facilmente as duas parcelas resultantes e sua brutal diferença: 91,73% referem-se à fase da liderança autoritária em suas várias nuances e 8,27% simbolizam o estágio da liderança democrática. Somos infantis em matéria de democracia. Não se pode tachar de maduro aquilo que o devido tempo ainda não avalizou. Já pensou no caso?

Então cumpre-se ponderar acerca dos efeitos sofridos até o momento em razão de a cultura estar impregnada do modelo autoritário. Não se desfaz de algo tão profundamente enraizado. A sua presença está na educação ancestral que ainda permeia a geração atual (quiçá as vindouras). Sem se dar conta do que se prega dentro das variadas instituições sociais (casas e escolas, destacadamente), pais e educadores podem doutrinar (sem que tenham a devida consciência) suas crianças a se comportar nos moldes entendidos como “os mais corretos”. Isto é, frases bombardeantes do estilo: “Apenas obedeça” (sem maiores explicações), “Não me afronte”, “Não abra a boca para o seu chefe”, “É melhor ficar quieto”, “Os homens lá de cima mandam”, entre outras, se aplicadas com frequência, acabam por implantar as respectivas crenças. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

Prosseguindo: ao adentrar a vida profissional, emergem perguntas capciosas: se uma considerável parte da mentalidade das pessoas se finca na tradição manda-obedece, que comportamentos estarão presentes no trabalho? Como estimular a autonomia do trabalhador sob tais condições? Nos casos em que se empossa (da noite para o dia, normalmente) alguém para o seu primeiro cargo de liderança, que resultados podem decorrer de tal atitude? Mais ainda: com seu medo e estado de dependência, pode tal chefe liderar e cobrar à altura dos projetos exigidos?

É claro que a coisa anda. Empurra-se, até. Mas a que preço? Com que qualidade? Será conveniente levar em conta a presença da história nos cantos obscuros da mente e sua influência no convívio? O que esperar, tanto para projetar metas quanto para avaliar cada resultado? Deve-se considerar a sombra do passado à espreita das intenções presentes e futuras? Em suma, aborda-se tal tema nas rodas laborais a fim de provocar reflexão e transformação?

Publicado em 8 de maio de 2012

Publicado em 08 de maio de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.