Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Ser pai é padecer no Baixo Gávea

Alexandre Amorim

Sim. Era esse bar mesmo que eu frequentava quando tinha a sua idade. Não, só comecei a namorar sua mãe quando eu tinha uns 25 anos e sua mãe tinha... Eu não vou entregar a idade de sua mãe. Não, os garçons não eram esses que estão aí. Aqueles devem estar aposentados. Anda, vamos embora. Eu sei que ainda são duas e meia da manhã e hoje é sábado, mas sua mãe me disse que você não avisou nada e eu sabia que você ia estar aqui, tomando esse negócio de cafeína com bebida destilada. Eu sei que é bebida energética, mas para que tanta energia? Amanhã, você vai acordar ao meio-dia, para que tomar bebida com cafeína? Levanta, Pedro. Vamos embora.

E, assim, o pai leva o filho para casa, sob protestos dele e de seus amigos. E até de um amigo do pai, um cinquentão que ainda frequenta o Baixo Gávea e o Posto 9, como se o tempo não tivesse desbotado suas tatuagens de dragão e enrugado seus olhos avermelhados. O amigo, solteirão, reclama da caretice do pai. O pai, sem querer demorar na discussão, resmunga: “envelhece, Tonho. É bom pra saúde”. E sai com o filho, que reclama da ditadura em que vive dentro de casa.

O filho vai para seu quarto, liga o laptop e investiga os comentários da rede social virtual. O pai vai para a sala, acende um cigarro e liga a TV, mas o filme não é interessante nem ele quer prestar atenção. Quer lembrar de si quando era como o filho.

Quer lembrar se era mesmo como o filho.

Porque ir ao Baixo Gávea era um prazer, como é para o filho, e ao mesmo tempo uma busca de alguma coisa que ele mesmo não sabia bem o quê. Talvez o amor de sua vida, talvez um sentido para toda aquela angústia que sentia quando adolescente. Ou só um alívio para as broncas do pai, a pressão da escola e do vestibular. Ou uma busca de conversas interessantes. Ou tudo isso misturado. Será isso o que o filho sente?

O filho não mostra o que sente. Às vezes, parece mesmo que não sente nada, que não tem angústias ou anseios. Mas o pai sabe que isso não é possível. Queria entender melhor o que se passa na cabeça do filho Pedro. Quase impossível.

Ir até o Baixo Gávea, hoje, é ver Pedro em um ambiente que ele, pai, não pode controlar nem compreender muito bem. De longe, antes que Pedro o veja, o filho sorri, fala alto, bebe um gole de vodca com energético e volta a falar com os amigos. Olha para as meninas que passam, mexe com uma amiga da escola. Com a diferença de que ele bebia chope, o resto é igual há 20 anos, pensa o pai. Mas esquece a diferença fundamental: era ele, não Pedro, quem estava ali. Agora, ele é estrangeiro naquele território. Não conhece mais os códigos locais, não sabe mais se comportar devidamente naquele ambiente. O Baixo Gávea, que já foi seu paraíso, é sinônimo de deslocamento. E se sentir deslocado, à beira dos 50, no meio de adolescentes, é um inferno.

O pai vai dormir. No dia seguinte, um domingo meio nublado, acorda e está quase saindo para uma caminhada quando o filho surge, ainda sonolento, e diz que vai andar com ele. Mudam de ideia: pegam as bicicletas e vão pedalar no Aterro. O filho é um projeto de homem, cheio de viço, de sonhos, ideias e dúvidas. Assim como ele naquela idade. Assim como ele, hoje. E, assim como ele, o filho tem sua própria vida.

O pai sorri. Ser pai é ser humano. E ser humano é assim mesmo, é viver entre o paraíso e o inferno a cada dia.

Publicado em 08/05/2012

Publicado em 08 de maio de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.